CENA
1: Vicente ri da audácia de seu ex-chefe.
-Você
é mesmo impagável, João Bernardo! Essa ligação é realmente a
sério?
-E
por que não haveria de ser? “Heróis Reais” tem sido aclamada
pelo público e elogiada pela crítica. Prova disso é que vocês
foram premiados na Holanda.
-Sim,
tudo isso é verdade. Mas como que você fala em comprar a série?
Você esqueceu que a Fermata Visual também é uma empresa como a
sua?
-Exatamente
por isso. É uma conversa de empresário pra empresário, Vicente.
Nós dois sairíamos ganhando com isso. A série de Rafael é um
sucesso e está gerando muito dinheiro, se eu comprar os direitos de
exibição da série, nós podemos investir mais ainda em
equipamentos e produção, triplicando o lucro, isso na possibilidade
mais pessimista.
-Você
é patético, João Bernardo. Seu pai jamais faria uma coisa dessas.
-Claro
que ele não faria, já está caduco e não tem a visão que eu
tenho. Não vê o que dá lucro, o que garante a sobrevivência da
nossa emissora.
-A
emissora está afundando e a culpa é somente sua. Você ainda vai
matar seu pai de desgosto, seu verme.
-Guarde
as suas impressões pessoais sobre mim pra você. Estou ligando para
falar de negócios e “Heróis Reais” é uma mina de ouro.
-É
mesmo. Mas vamos então falar de negócios... me permite falar minhas
impressões a respeito dessa proposta?
-Claro,
afinal você provou ser um homem de visão.
-Então
lá vai: essa proposta só está sendo feita porque você é um
oportunista descarado. Durante anos não fez nada, absolutamente nada
para modificar as políticas internas da sua emissora, condenando
atores e atrizes LGBT ao ostracismo, obrigando muita gente talentosa
a esconder quem realmente são, tudo isso porque você achou que
perderia dinheiro se revelassem à mídia. Mais que isso: você, João
Bernardo, foi o maior responsável, senão o único, pelo veto de
diversas sinopses mandadas por autores. Censurou textos, mandou
deletar cenas de capítulos inteiras pra não chocar a “família
tradicional Brasileira”, quando na verdade você só tinha medo de
perder dinheiro. Nunca quis inovar por conta própria: sempre se
utilizou da ideia dos outros. Você tornou a emissora que seu pai
construiu numa fraude. Numa farsa. Num arremedo do que ela foi um
dia. Se hoje a emissora está afundando a olhos vistos o único
culpado disso é você. Você está dando o pior final de vida pro
seu pai... e eu não aceito a sua proposta. Não aceito porque o
destino da sua emissora é o fim, a concordata, a falência. Tou
sabendo que a concessão pública pode não ser renovada e ao que
tudo indica, não vai ser mesmo. Você está apenas colhendo o que
plantou. Sua ganância destruiu o artístico dessa emissora e agora
as consequências disso ficam claras. Nunca eu vou aceitar esse
acordo, nunca mais eu coloco os meus pés nessa emissora. Só lamento
pelo seu pai, mas sinto um prazer inenarrável de te colocar no seu
devido lugar. Você não passa de um verme. Lugar de verme é na
podridão, de onde você nunca deveria ter saído.
-Acabou,
Jéssica?
-Sim.
Isso é tudo o que eu tinha a dizer.
-Digamos
que minha emissora esteja acabada, mesmo. Esse é mais um motivo pra
eu cair atirando.
-Isso
é uma ameaça, João Bernardo?
-Entenda
como quiser.
-Pois
faça o que quiser. Ameace à vontade. Eu não tenho medo de um
sujeitinho baixo que maltrata o povo feito você.
-O
mundo dá voltas, Vicente. Um dia você pode me pedir emprego outra
vez.
-Pois
espere sentado, porque esse dia nunca vai chegar.
Vicente
desliga, triunfante. CORTA A CENA.
CENA
2: Marcelo tenta dormir, mas percebe que Rafael não para de andar
pelo quarto.
-Mas
o que foi agora, amor?
-Eu
não consigo parar na cara de pau do João Bernardo.
-Olha,
se fosse pra você ficar assim, era melhor o Vicente nem ter te
contado. Vem dormir, já tá tarde, amor...
-Mas
você não se revolta?
-Claro
que me revolto! Esse porco capitalista foi longe demais dessa vez,
mas não passa de um verme, um bandido disfarçado de empresário.
-É
justamente isso que tá me roubando o sono. A cara de pau desse
sujeito não tem limites. Só eu sei o que eu passei durante anos
trabalhando pra emissora e tendo de esconder de todo mundo sobre quem
realmente sou pra não manchar minha imagem midiática que era do
interesse do João Bernardo e da assessoria, que tava faturando alto
por isso, que fosse mantida. Eu fui forte, mas quanta gente talentosa
não acabou tendo crises de ansiedade, entrando em depressão?
Quantos acabaram no ostracismo porque não suportaram a pressão?
Quantos até mesmo se suicidaram a olhos vistos e ninguém fez nada?
Minha mãe conta que no ano que a gente nasceu, morreu um ator vítima
de depressão, adivinha por que?
-Eu
acho que já li sobre essa história toda. Realmente tudo isso é de
dar nojo. No final das contas eu dei sorte de iniciar minha carreira
de ator num momento que não estava sendo tão difícil... aliás,
tudo o que estamos conseguindo agora é mérito do nosso amor à
arte.
-O
que me revolta na proposta que esse playboy de merda fez é isso. Não
é pelo dinheiro... é pela exploração da arte, pela coisificação
da cultura. É esse tipo de coisa que me deixa possesso.
-Sabia
que você fica lindo revoltadinho?
-Eu
não acredito que você não está levando a sério...
-Claro
que eu tou, amor! Mas o que a gente vai fazer? Matar pra comer, como
diria Inês Brasil?
-É...
depois, nem eu nem o Vicente venderíamos a série praquele babaca.
-Então?
Tá vendo como discutir sobre tudo isso é sem sentido? Eu posso te
ajudar a relaxar...
-Seu
safadinho...
-Mas
bem que você gosta dessa safadeza.
-Posso
nem ver que adoro!
CORTA
A CENA.
CENA
3: No dia seguinte, Mara e Raquel conversam com Valentim sobre sua
decisão de investigar Suzanne por conta própria.
-Isso
é uma loucura, Valentim! - fala Raquel.
-Como
é que é? Logo você me dizendo isso? Se não fosse pela minha
“loucura”, você nem estaria na polícia hoje... - fala Valentim.
-São
coisas completamente diferentes, amor! Você não percebe que a
Raquel sempre mostrou vocação pra isso e que isso nos dava um pouco
mais de respaldo para agir? - fala Mara.
-Gente,
tá parecendo que eu tenho mais tempo na profissão do que você,
Valentim. É uma loucura sim ir atrás das coisas da Suzanne. E nem
falo só dos perigos que envolvem as pessoas que podem estar
associadas a ela... você pode acabar sendo desligado da polícia, já
parou pra pensar nisso? - alerta Raquel.
-Vocês
resolveram ficar com medinho de uma hora pra outra? E você, Mara,
que sempre foi a mais destemida, o que aconteceu?
-O
que aconteceu é muito simples: você está completamente cego diante
dos riscos reais que a gente corre nisso. Não é só você que corre
risco nisso. Não se trata somente de você poder acabar demitido...
se trata de você colocar todo mundo em risco se de fato a Suzanne
estiver associada ao Guilherme, será que você não consegue
enxergar isso? - fala Mara.
-Bem,
por esse lado... é meio verdade. Mas a princípio esse sujeito nem
no país está. - fala Valentim.
-Que
a gente saiba. Tem algum tempo que a gente perdeu completamente o
rastro dele, mas isso não impede que ele esteja de volta. Nós temos
provas suficientes de que ele é um sujeito perigoso. - fala Raquel.
Os
três seguem na conversa. CORTA A CENA.
CENA
4: Procópio ensaia Cláudio, que pede uma pausa para conversar.
-Eu
sei que o grande dia tá quase chegando, mas a gente podia dar uma
conversada antes?
-Sempre,
Cláudio. É alguma dúvida sobre o texto? Tem alguma parte que tá
mais difícil decorar?
-Não...
o texto tá na ponta da língua e isso é ótimo. Mas o que não é
nada ótimo é sentir que não estou preparado ainda pra um monólogo,
ainda mais quando ele envolve comédia e drama ao mesmo tempo, não
sei se vou dar conta de ir do céu ao inferno de uma hora pra
outra...
-Rapaz,
você é principiante?
-Não,
claro que não sou...
-Então
por que tá achando que não vai dar conta?
-Fico
inseguro, Procópio... você sabe muito bem disso.
-Mas
isso não é normal? Até hoje eu fico com o coração na mão antes
de qualquer estreia. Vocês atores devem passar por processo
parecido.
-Eu
sei disso, meu amigo... só que não é só a insegurança de
costume. Tem mais coisa nisso.
-Como
o que, por exemplo?
-Eu
ando tendo pesadelos com a estreia.
-Mais
um indicativo de que seu subconsciente tá te sabotando. Vai por mim,
Cláudio: vai ser uma grande estreia. Confia nisso.
-Não
tenho como não confiar com esse seu alto astral todo. Desculpa se te
incomodei com minhas coisas.
-Nunca
peça desculpas. Eu tou aqui sempre à disposição.
CORTA
A CENA.
CENA
5: Márcio almoça com Raquel no horário de almoço dela.
-Tou
te notando um pouco triste, meu querido...
-E
eu ando meio triste mesmo, mãezinha.
-Não
vai me dizer que é por causa daquela...
-É
sim por causa da Suzanne. Eu não entendo como ela pode ser tão
cruel com as pessoas, comigo principalmente! Não foi a menina doce
que eu conheci.
-Meu
querido, ela nunca foi essa menina doce. Era só uma máscara que ela
usou enquanto lhe convinha. Eu sei que é duro pra você reconhecer
tudo isso. Também é duro pra mim, que sou mãe. Mas é como a vida
quis... no final das contas você se tornou o filho do meu coração
e a Suzanne, uma desconhecida.
-Mas
eu tinha o direito de saber se ela realmente nunca me amou, dona
Raquel. Até isso ela me negou! Ainda me mandou sumir, teve a
capacidade de dizer pra eu nunca mais aparecer na frente dela. Tudo
isso ainda machuca demais, entende?
-Entendo
demais, Márcio... mas infelizmente nada disso tem jeito. Você
precisa encontrar uma maneira de esquecer Suzanne em definitivo.
-Como,
mãezinha... como?
-Não
sei.
-E
você acha que eu saberia?
-Mas
querido, essa é uma resposta que infelizmente você vai ter de
buscar dentro de si mesmo até encontrar. Se eu pudesse, arrancaria
de dentro de você qualquer dor ou sofrimento, mas infelizmente eu
não posso.
-Você
é mesmo uma mãe pra mim. A única que eu tive de verdade nessa
vida. A única que quis ser minha mãe. Eu te amo demais, sabia?
Mesmo se acontecer alguma coisa comigo, nunca se esqueça disso, tá?
No meu coração eu sempre fui seu filho.
Os
dois se abraçam emocionados e Raquel sente tom de despedida em
Márcio. CORTA A CENA.
CENA
6: Horas depois, Raquel, acompanhada de Valentim e Mara, comanda a
polícia no cerco a uma casa.
-Vocês
vão por trás... - fala Raquel a três policiais.
-Vocês
fiquem na porta da casa, dos lados, caso os homens tentem fugir. -
orienta Valentim.
-E
por último, vocês ficam no pátio lateral, pra evitar qualquer
possibilidade de escapatória pros criminosos. - orienta Mara.
-Então
é isso, gente. Eu toco a campainha e me digo interessada em alguma
arma. Vocês se apresentem quando eu disser “certo, acho que fiz
minha decisão”. - fala Raquel, tocando na campainha.
Um
homem atende.
-Boa
tarde, minha senhora. Tem certeza que acertou o endereço? A gente
não vende agulha de crochê aqui... - fala o homem, debochado.
-Não
seja preconceituoso. Já matei marmanjos maiores que vocês. Estou
procurando uma arma potente e silenciosa. Você pode mostrar quais
são os modelos que você tem aqui? - pergunta Raquel.
O
homem mostra os modelos de armas que possui e Raquel finge interesse.
-Certo,
acho que fiz minha decisão! - fala Raquel.
O
homem está preparando a caixa quando Valentim e Mara aparecem
mostrando os distintivos, coisa que Raquel também faz.
-Vocês
estão presos por contrabando e tráfico de armas. - anuncia Raquel.
CORTA
A CENA.
CENA
7: Mateus volta com as compras do dia para casa e Haroldo percebe que
ele está com a expressão assustada.
-Tá
tudo bem, amor? De repente você ficou pálido. - observa Haroldo.
-Vai
ver minha pressão baixou feito a da Laura... - desconversa Mateus.
-Nada
disso, Mateus! Eu te conheço desde o ensino médio e sei que você
não sofre de pressão baixa. Se está com essa cara, é porque se
assustou com alguma coisa. E nem pense em me poupar de nada que senão
eu te meto a mão na cara e você sabe que sou dessas! - fala Laura.
-Gente...
eu juro que não é pra poupar, mas é que não queria falar sobre o
medo que me deu. Eu acho mesmo é que foi coisa da minha cabeça,
isso sim... algo como estresse pós traumático, alguma coisa desse
gênero... - fala Mateus.
-Fala
logo o que é, amor! Tá começando a me deixar morto de curiosidade.
- fala Haroldo.
-Eu
me senti seguido, observado enquanto eu fui ao mercado fazer as
compras. Senti essa coisa sinistra na ida e na volta. Mas eu acho
ainda que pode ser tudo coisa da minha cabeça, sério... o problema
é o que passou pela minha cabeça... - fala Mateus.
-Haroldo,
cê aposta quantos reais que ele ficou logo pensando que isso era
coisa do Guilherme? Querido... sério... não faça isso com você
mesmo. Você não merece perder a paz depois de tanto tempo. O pior
já passou, a gente tá completamente livre de qualquer ameaça,
confia isso! - encoraja Laura.
-A
Laura tá certíssima, Mateus... não faça isso com você mesmo, meu
amor. A gente te ama, te apoia, mas a gente também sabe que não dá
pra alimentar esses seus medos. Com a gente você tá seguro, viu?
Nunca se esqueça disso. Se separados não nos bastamos em algumas
coisas, juntos nós somos imbatíveis. - fala Haroldo.
-Vocês
tem uma capacidade incrível de me tranquilizar. Vocês são os
amores da minha vida... - fala Mateus, agradecido.
CORTA
A CENA.
CENA
8: Mara chega à companhia de teatro e estranha a movimentação
próxima ao local.
-Procópio,
você tem um instante pra falar comigo?
-Sempre,
minha querida. Fomos casados por tanto tempo que ainda te vejo como
minha esposa...
-Nem
venha com suas cantadas baratas hoje que o papo é sério.
-Eita...
desculpa aí, feminista...
-Você
não me venha com esses deboches que eu não tou com paciência pra
isso. A coisa é séria: notei uma movimentação esquisita aqui
antes de chegar.
-Onde?
-Aqui
na quadra. Percebi claramente que alguém vigiava quem entra e quem
sai daqui do teatro. Você sabe que não me engano em relação a
isso.
Procópio
se assusta.
-Será
que estão tentando fazer mal a alguém? Ao Cláudio? Será aquele ex
maluco dele?
-Calma,
Procópio... não é momento de concluir tantas coisas, muito menos
de alarmar o Cláudio.
-Você
tem razão...
-Eu
fiz questão de te falar em primeira mão porque vou consultar a
possibilidade de garantir uma proteção policial pro teatro. Melhor
pecar pelo excesso do que pela falta.
-Concordo.
Mas você não disse que é pra evitar alarmar os nossos atores,
principalmente o Cláudio?
-Sim,
querido. Só que a gente pode fazer tudo isso de uma maneira
discreta. Só preciso do seu aval.
-Isso
você sempre tem, confio em você.
CORTA
A CENA.
CENA
9: Suzanne está na frente do espelho arrumando o cabelo.
-Mas
tu é gostosa pra dedéu, hein mulher! Com um cabelo arrasador
desses, você vai deixar qualquer um caído aos seus pés... ou
qualquer uma, né... nunca se sabe quem tá vulnerável pra levar o
bote... - fala Suzanne, consigo mesma.
Seu
celular toca.
-Tava
bom demais pra ser verdade. Ultimamente eu não consigo ficar nem
cinco minutos em silêncio, mas que inferno!
Suzanne
atende contrariada.
-Quem
é?
-Não
tá reconhecendo a minha voz, Suzanne?
-Eu
já falei que não é pra você ligar pra mim, seu merda!
Suzanne
se irrita. FIM DO CAPÍTULO 146.
Nenhum comentário:
Postar um comentário