CENA
1: Suzanne se queixa da velocidade baixa do taxista.
-Meu
querido, de nada adianta você pegar atalho se ficar andando nesse
passo de lesma, acelera!
-Senhora,
eu não posso ultrapassar o limite de velocidade, me desculpe.
-Já
vi que você é desses certinhos, fazer o que...
Suzanne
percebe que um carro a segue.
-Deve
ser aquele enxerido do Valentim...
-Desculpe,
senhora? - estranha o taxista.
-Nada
não... pensei alto uma coisa aqui. Você tem como mudar de rota?
-Onde
a senhora deseja ir?
-De
repente me bateu uma fome. Conheço pouco esses lados da cidade. Você
saberia me dizer qual o melhor restaurante que tem aqui perto?
-Claro,
moça. Tem um restaurante ótimo aqui perto, especializado em pratos
indianos, isso se a senhora gostar.
-Adoro
comida indiana, rapaz. Onde fica?
-Três
quadras daqui.
-Excelente...
Valentim
continua a seguir o táxi onde está Suzanne numa distância que o
faz pensar que não foi notado.
O
táxi para em frente ao restaurante indicado pelo taxista e Valentim
constata que Suzanne percebeu que estava sendo seguida.
-Puta
merda... ela percebeu. Eu não devia ter dado esse mole... - lamenta
Valentim.
Suzanne
paga o taxista e entra no restaurante. Ao sentar-se à mesa, liga
para Guilherme, mas o chama pelo nome da identidade falsa.
-Deu
ruim, Henrique.
-O
que foi dessa vez, Suzanne? Não vai dizer que a polícia te pegou...
-Não
foi dessa vez, mas foi por pouco. Não posso ir onde você está.
-Por
que você está falando assim? Parece que tá cuidando as palavras.
-Cê
acha que eu não sei que meu celular pode estar grampeado?
-Verdade.
Mas o que a gente faz agora?
-Eu,
você quer dizer...
-Que
seja: o que você vai fazer agora?
-Nada.
-Como
assim nada? Minha sorte é que você já deposi...
-Feche
a matraca, Henrique!
-Desculpe.
-Me
ouça com atenção. Não posso te ver hoje. Você trate de se
comportar.
-Não
tenho mesmo outra opção...
-Você
sabe que não. Nem adianta me contrariar.
-Eita...
você sempre foi mandona assim?
-Com
gente maluca feito você, sim. Preste atenção, rapaz: um passo em
falso e todo mundo dança. Se eu cair, você cai junto.
-E
daí? Cair é o que menos importa pra quem não tem nada a perder.
-Mas
eu tenho... e você sabe a que me refiro.
-Ah,
claro... baixou a santa protetora agora...
-Contenha-se,
moleque. Eu vou aproveitar que parei num restaurante indiano e fazer
uma refeição. Você não me ligue até amanhã. Vou ver como a
gente resolve essa questão.
-Tá
certo. Afinal de contas, pelo menos a gente tem uma coisa em comum.
-E
você pelo menos tem um pouco de sanidade aí... agora preciso
desligar. Não me procure. Eu te procuro.
Suzanne
desliga. CORTA A CENA.
CENA
2: No dia seguinte, Vicente chama Valquíria para conversar sobre o
roteiro escrito por ela.
-E
então, Vicente... o que o Leandro César Muniz achou? Fiquei
morrendo de vergonha de você ir mostrar meu roteiro pra ele...
-Como
esperado, dona Valquíria... ele simplesmente amou! Vibrou com a
possibilidade de desenvolver a trama proposta pelo seu roteiro.
-Que?
Isso não é uma pegadinha, é?
-Jamais
brincaria com a senhora. Leandro ficou animadíssimo com o potencial
dramatúrgico da sua ficção.
-Meu
Deus... e eu achando tudo o que escrevi sempre ruim... a começar
pelos erros ortográficos que eu cometia...
-Talento
é uma coisa inata, dona Valquíria. Isso a senhora sempre teve, só
demorou para colocar pra fora e ser descoberta. Além de excelente
atriz, coisa que o Brasil inteiro já sabe muito bem, você tem tudo
para se tornar uma das autoras da primeira novela totalmente
produzida para a internet nos moldes em que foi feita para a
televisão.
-Como
é que é? É sério isso que você tá me dizendo?
-Seríssimo.
Claro que não é nada garantido. Leandro sabe que vamos precisar de
tempo e de dinheiro para concretizar nossos projetos. Só que ele
está disposto a adaptar algumas coisas e a escrever uma novela. Com
você sendo a autora principal e escrevendo junto.
-Gente
do céu... nunca pensei que na minha vida eu ainda pudesse virar
autora de novela... isso tudo é muito doido. Desde muito jovem eu
sempre amei novelas, vibrava com cada uma que eu assisti na
juventude. As novelas sempre me inspiraram tanto, Vicente! Me
ajudavam a sonhar com uma vida melhor... me fizeram sonhar com ser
atriz. Levei tanto tempo até conseguir que já tinha desistido.
Essas coisas me fazem ter certeza de que enquanto há vida, há tempo
de tanta coisa!
-É
justamente essa sua força, essa sua capacidade de sonhar, que se
reflete no seu texto, dona Valquíria.
-Mas
eu me fechei muito tempo pra vida. Fui fraca...
-Já
faz parte do passado. Os erros que você cometeu já foram
reparados... não tem porque não acreditar nos seus sonhos.
-Isso
me emociona demais... eu fiz da vida das meninas um inferno porque a
frustrada no final das contas era eu...
-Deixa
desse assunto, dona Valquíria. O que vem pela frente é bonito... e
vamos todos trabalhar pra concretizar esse seu sonho juntos. Vamos
sonhar o mesmo sonho!
CORTA
A CENA.
CENA
3: Mara acompanha último ensaio de Cláudio antes da estreia de seu
monólogo.
-Já
pode dar uma descansada, Cláudio.
-Ainda
bem, Mara... eu sei que me cansei pra valer hoje! E olha que ainda é
cedo.
-Mas
cada gota do seu suor valeu absolutamente, meu querido.
-Ah,
disso eu não tenho dúvida. Eu amo demais tudo isso aqui!
-Não
é só por isso. Você foi brilhante nesse último ensaio.
-Mas
eu nem acabei ainda, Mara! Tenho disposição pra ensaiar muito mais
ainda...
-Vai
por mim, Cláudio: você não precisa mais ensaiar. A gente pode
encerrar por aqui sem problema nenhum.
-Mas
eu ainda posso dar uma ensaiada a mais se eu quiser, não posso?
-Pode,
mas eu te garanto que não é mais necessário.
-Mesmo
assim eu ainda quero dar uma passada em todo o texto, em todas as
marcações...
-Cláudio,
isso é um monólogo, não tem que se preocupar tanto...
-Ah,
mas você sabe como sou exigente comigo mesmo.
-É
essa exigência que faz você extrair justamente o melhor de si. Você
se transforma em cima desse palco. Entra de corpo e alma de uma
maneira tão intensa na coisa, que sinceramente eu olho pra você e
vejo qualquer pessoa ali sobre o palco, menos você.
-Ah,
não precisa se rasgar em tantos elogios... não sou tudo isso.
-Acredite:
você é. Um dia você ainda vai ser considerado um dos grandes do
teatro desse país, pode ter certeza...
-Você
não se cansa de ser exagerada não, Mara?
-Não
é exagero meu agora. Tá certo, às vezes eu sou bem exagerada
mesmo, é meu jeitinho sagitariano de ser, mas se tem uma coisa que
sei reconhecer nessa vida, é talento inato. É seu caso. Você
nasceu para comover plateias pelo Rio, pelo Brasil, pelo mundo!
CORTA
A CENA.
CENA
4: Marcelo chama Márcio para uma conversa.
-Poxa,
pai... eu não me sinto bem te vendo assim, sério.
-Assim
como, Marcelo?
-Dá
pra ver estampado na sua cara que você anda triste.
-Tristeza
dá e passa, meu filho. Não há muito o que possa ser feito.
-Não
posso ajudar? Se quiser desabafar eu tou sempre aqui, viu?
-É
que eu não sei se adianta, querido... tem coisas nessa vida que não
tem solução, não tem remédio... e você sabe que o que não tem
remédio, já está remediado.
-Tem
a ver com a Suzanne?
-Também...
mas não é só isso... eu fico pensando sobre o que eu fiz com a
minha vida. Ou melhor: o que eu não fiz.
-Não
tou entendendo...
-Eu
poderia ter sido um pai pra você e mesmo pro Cláudio se não
tivesse sido escravo do amor que sinto pela Suzanne. Eu fui fraco
durante toda uma vida. Agora eu fico com essa culpa aqui, me
corroendo por dentro...
-Mas
de que adianta tudo isso, pai? Você precisa aprender a viver o
agora...
-Eu
sei. Só que mesmo quando tento, as lembranças do passado parecem
nunca me deixar sossegado...
-O
que importa é que você já deu um basta nas manipualções daquela
infeliz. Ela não tem mais poder algum sobre você.
-Mas
tem o poder de ainda me fazer sentir um inútil diante da vida. Me
pergunto qual é o sentido de tudo isso...
-Pense
que apesar de tudo o que ela fez, você conseguiu dar a volta por
cima... do seu jeito, você se impôs...
CORTA
A CENA.
CENA
5: Suzanne aguarda Guilherme encontrar com ela numa praça de
alimentação do shopping que costuma frequentar. Ao se deparar com
Guilherme, Suzanne tem uma crise de riso.
-Ai,
ai... você é mesmo impagável! Nunca pensei que ia te ver num
disfarce desses! Vestido de mulher! Viado, você não sabe mesmo se
maquiar... deixa eu dar um jeito nessa make horrorosa!
-Dispenso
o seu deboche, Suzanne. Eu quero saber se você tem o restante da
grana, porque até agora você me deu só metade.
-Eu
trouxe os outros quarenta e cinco mil, fique sossegado. Quer dizer...
sossegada, não é mesmo?
-Pare
de rir, você não é uma hiena.
-Bem,
pelo menos com essa roupa, com esse cabelo e com essa make, jamais te
pegariam... o dinheiro está aqui na pasta. Vou passar por debaixo da
mesa. Você pode conferir pra se certificar que tá tudo aí, se
quiser...
-Não
precisa. Vou dar um voto de confiança em você. Sei que você me
quer longe daqui o quanto antes.
-E
você tem toda a razão. Primeiro porque eu quero que você deixe meu
filho em paz pra sempre. Segundo porque é só por causa disso que eu
mesma ainda não me mandei dessa republiqueta do bananão.
-Tá.
Eu só vou resolver minhas pendências e nós dois vamos estar livres
pra fazer o que quisermos das nossas vidas.
-Sob
a minha supervisão.
-Que?
-Essa
é a minha condição, Guilherme: você não dá um passo sem a minha
companhia. É pegar ou largar...
Guilherme
fica apreensivo. CORTA A CENA.
CENA
6: Laura percebe que Haroldo e Mateus tentam disfarçar tensão
diante dela e fica intrigada.
-Amores...
eu sei que vocês tem essa mania odiosa de tentar me poupar das
coisas, mas se vocês pensam que eu vou aceitar que vocês me
escondam alguma coisa, estão muito enganados. Não me custa nada
fazer minhas malas e me mandar prum hotel se vocês não me contarem
agora o que é que tá deixando vocês dois com essas caras de quem
tá pensando na morte da bezerra. - fala Laura...
-Não
tem jeito de tentar te esconder alguma coisa, né? - fala Mateus.
-Não
mesmo! Então é melhor que vocês me falem de uma vez... -fala
Laura.
-Sabe
o que é, amor? A gente anda realmente com medo do Guilherme... tá,
a gente sabe que o alvo principal dele é o Cláudio, mas ele pode
estar muito mais maluco do que a gente pensa... isso assusta, sabe? -
desabafa Haroldo.
-É
isso, querida... desculpa se a gente não conseguiu disfarçar essa
nossa tensão. A gente não quer que você entre nessa energia com a
gente... - fala Mateus.
-Vocês
são bem cagões mesmo, nunca vi. Não conseguem viver com um
pouquinho de adrenalina que já ficam aí, dando defeito... não se
preocupem comigo. É claro que essa situação mete medo na gente. Só
que nenhum de nós pode deixar que esse medo nos vença... se for
assim, a gente não faz mais nada da vida, pensando no que pode
acontecer lá fora... assim não tem como ficar bem. Querendo ou não,
só nos resta relaxar e manter o pensamento positivo... - fala Laura.
-Queria
ter esse seu alto astral... - fala Haroldo.
Laura
abraça os dois.
-É...
tou vendo que vou ser mãe de três, não de um... - brinca Laura.
CORTA
A CENA.
CENA
7: Valquíria e Vicente recebem o autor de novelas Leandro César
Martins no RH da produtora.
-É
um prazer inenarrável poder te conhecer e saber que você se
encantou pelo meu roteiro... confesso que nunca achei grandes coisas
nada do que escrevi... - fala Valquíria.
-Compreendo...
sabe que é uma coisa excelente entre escritores, autores num geral,
ter esse excesso de autocrítica? No final das contas, quem cobra
bastante de si, acaba fazendo o possível pra dar o seu melhor... -
fala Leandro.
-Verdade.
Leandro sempre disse isso. E diz que muitas vezes reescreveu cenas e
diálogos inteiros uma centena de vezes, até se satisfazer com o
resultado... - fala Vicente.
-A
ideia que eu tenho é da gente já começar a dar uma adaptada nesse
seu roteiro. Atualizar a trama, entende? Assim, a gente já pode
pensar em pré-produção em pouco tempo... - fala Leandro.
-Desses
assuntos de pré-produção eu sinceramente não entendo, mas só de
ter um autor dos melhores trabalhando comigo, me sinto uma diva! -
fala Valquíria, animada.
-Não
é pra tanto. Antes de ser um autor conhecido na emissora, sou um
escritor que assim como a senhora, também tem suas inseguranças. A
gente vai fazer esse seu sonho acontecer. Agora eu sonho junto esse
sonho! - fala Leandro.
CORTA
A CENA.
CENA
8: Suzanne pressiona Guilherme para ele aceitar suas condições.
-Então,
Guilherme: aceita as minhas condições? Porque se não for assim,
pode esquecer dessa segunda metade que tou te dando agora, pode
esquecer de fugir do país de novo, pode esquecer de tudo.
-Não
tenho mesmo alternativa... eu preciso desse dinheiro pra dar no pé
depois...
-Isso
é um sim?
-Claro
que é. Tenho que aceitar as coisas assim... agora você é minha
babá.
-Pense
positivo, bobinho: pense que sou sua segurança. Sou a garantia de
que não vão te pegar antes de você sumir de uma vez por todas.
-É,
mas você esquece que o babaca do Valentim tá na sua cola?
-E
daí? Você já provou que é bom de disfarce. Só precisa melhorar
essa make de palhaço que tá na sua cara...
-Isso
pode dar zebra, Suzanne.
-Por
que?
-Você
sabe que tenho minhas pendências. Queria fazer o que precisa ser
feito sem ser incomodado, muito menos por você. Quero assistir a
estreia do Cláudio.
-Sem
o restante do dinheiro, você não sobrevive nem na Argentina. Tá
mesmo pensando em negar minhas condições?
-Não...
longe de mim. Eu sei que você não me deixou outra saída.
-É
a minha certeza de que você não vai fazer nada contra o meu filho.
-Sabe,
eu não entendo esse seu instinto materno tardio, Suzanne...
-Não
é pra entender. Quem tá te pagando aqui sou eu, logo você me deve
obediência. A não ser que queira voltar pra prisão...
-Tá...
já sei que não tenho por onde ir...
CORTA
A CENA.
CENA
9: No dia seguinte, Suzanne está voltando ao hotel depois de uma
caminhada e, ao entrar no apartamento, nota que há coisas reviradas
na sala.
-Não
é possível que com essa segurança toda, tenham deixado algum
bandido entrar aqui...
Suzanne
organiza as coisas deixadas fora de lugar na sala e escuta um barulho
vindo do quarto.
-Ai,
meu Deus...
Suzanne
caminha silenciosamente até abrir a porta do seu quarto e se deparar
com Raquel mexendo nas suas coisas e olhando seu celular.
-O
que é isso, mãe? Larga o meu celular! Não tem nada pra você aqui!
Sai da minha casa!
-Será
mesmo que não tem nada? - questiona Raquel.
FIM
DO CAPÍTULO 151.
Nenhum comentário:
Postar um comentário