CENA
1: Valentim chama Mara e Raquel para que os três debatam sobre os
riscos reais que todos correm.
-Nossa,
vocês demoraram! - reclama Valentim.
-Nem
venha com suas queixas que a gente não levou nem dez minutos desde
que você ligou avisando que precisava da gente aqui com urgência. -
fala Mara.
-Você
parece assustado... - observa Raquel.
-Não
estou assustado. Estou na realidade, perplexo. Eu preciso que vocês
escutem o trecho que eu separei da gravação que foi feita da última
ligação efetuada pela Suzanne. Se preparem... - fala Valentim,
rodando o trecho da gravação.
“-Vai
de minha babá lá na estreia do seu querido filhinho de quem você
nunca lembrou de ser mãe?
-Olha
aqui, Guilherme, chega de me apontar o dedo! Você não sabe de nada!
Óbvio que eu vou com você, seu louco. Você está proibido de dar
um único passo sem a minha companhia, tá me ouvindo bem?
-Isso,
imbecil, fala meu nome, retardada! Esqueceu que sou Henrique agora?
-Que
seja. Você quer ver o Cláudio estreando o monólogo?
-Claro
que quero. Você sabe que essa é uma das pendências que tenho.
-Então
vai ser do meu jeito, porque senão eu tomo o seu dinheiro, você
sabe que eu faço isso a hora que eu quiser. Você sequer pode abrir
uma conta corrente, então o dinheiro não está seguro. E pode ser
meu se você der um único passo em falso.
-Você
não tem mesmo noção do perigo, não é mesmo, Suzanne?
-Não
tenho medo de um maluco. Tenho mais com o que me preocupar.
-É,
mas pelo visto tá se borrando de medo de eu fazer algo com seu
filhinho.
-Cale-se!
Nos encontramos mais tarde. E vai ser do meu jeito.
-Não
tenho outra saída...”
Raquel
se desespera.
-Meu
neto! Esse doente quer fazer alguma coisa contra o meu neto! Eu sei,
eu sinto! - fala Raquel.
-Raquel,
por favor! Você não pode se desesperar desse jeito agora! - fala
Mara.
-Como
é que vocês esperam que eu mantenha a calma? Meu neto correndo
risco num dos dias mais importantes da vida dele e a gente se
deparando com essa gravação? Pelo menos a minha filha tem um pingo
de decência de garantir a segurança, ainda que do jeito torto dela,
do próprio filho... - fala Raquel.
-Tá
vendo? Você mesma acabou vendo um lado “positivo” em tudo isso.
Mas a gente não sabe quais são os reais interesses da Suzanne
nisso. É cedo demais pra qualquer tipo de conclusão. - fala
Valentim.
-O
fato é que o Guilherme tá no país... tá no Rio. Talvez nunca
tenha deixado o Brasil, mas isso é o que menos importa agora. Não é
somente o Cláudio que correm perigo: todos correm perigo a partir do
momento que aquele cara colocar os pés no teatro. A gente precisa
dar um jeito de impedir que isso chegue a acontecer. - fala Mara.
-Mas
como? Sem reforços? Pra gente conseguir todo o aparato necessário,
isso levaria horas que talvez a gente não tenha pela frente! - fala
Raquel.
-A
gente vai conseguir dar um jeito. Todos correm risco e a gente não
pode ignorar esse fato. - fala Valentim.
-Não
é momento de haver nenhum tipo de desespero. Sei que não é fácil
saber de tudo isso, Raquel. Mas como investigadores que somos, nossa
obrigação é manter acima de qualquer coisa o sangue frio pra poder
agir da maneira correta. Enquanto não chegam as forças policiais, a
gente precisa pelo menos garantir o básico. Primeiro porque essa
estreia do Cláudio vai chamar um público considerável e isso
garante alguma segurança, ainda que mínima. Por outro lado, se as
pessoas no teatro notarem a presença da polícia, podem entrar em
histeria coletiva e tudo o que nós não precisamos é de uma
multidão histérica que facilmente dispersaria o foco de qualquer
policial bem treinado. - fala Mara.
-O
jeito é esperar que toda essa ação corra bem. E pressionar os
policiais para agirem o mais rápido possível. - fala Valentim
-Tem
que dar certo... - fala Raquel.
-De
um jeito ou de outro, vai dar certo. Guilherme pelo menos vai ser
preso outra vez. Não garanto nada sobre Suzanne... - fala Mara.
-Contanto
que ninguém se machuque... - fala Raquel.
-Vamos
fazer o possível para que isso não aconteça. - finaliza Valentim.
CORTA
A CENA.
CENA
2: Mateus e Haroldo demoram para se arrumar para comparecerem ao
teatro e Laura, já pronta, reclama com eles.
-Poxa
vida, gente! Eu que sou mulher e vocês que ficam aí se enrolando
pra se arrumar? Daqui a pouco a gente atrasa e eu nem quero saber, se
vocês demorarem eu vou na frente e vocês vão depois! - sentencia
Laura.
Haroldo
percebe a elegância de Laura.
-Amor,
você está linda! Como consegue ficar tão arrumada e elegante
assim, tão rápido? - fala Haroldo.
-Verdade,
Laura... você está deslumbrante. Essa maquiagem, então? Te deixou
um mulherão! - observa Mateus.
-Ih,
gente... fiz tudo isso aqui em menos de quinze minutos. Não tenho
muita paciência pra passar horas na frente do espelho escolhendo
vestido ou me maquiando.- fala Laura.
-Mas
tá um arraso! - fala Haroldo.
-Olha
aqui, vocês parem de me elogiar e tratem de se arrumar de uma vez.
Nem evento de gala isso é, vocês nem vão ir de beca pra ficarem
nessa enrolação toda. A apresentação começa em menos de duas
horas, vocês sabem disso. E também sabem que eu só gosto de chegar
aos lugares com muita antecedência porque sou dessas. - fala Laura.
-Tá,
a gente vai dar um corridão aqui... - fala Mateus.
-Até
sei porque vocês demoraram... resolveram se empolgar, né, seus
safadinhos? - brinca Laura.
-Sabe
como é, amor... a carne é fraca... - devolve Haroldo.
-Mereço!
Assim, a gente vai ter todo o tempo do mundo pra se curtir, pra
transar, pra fazer o que quiser, mas não agora. Vamos de uma vez,
gente! - finaliza Laura. CORTA A CENA.
CENA
3: No camarim, Márcio vai até Cláudio para conversar com o filho.
-E
aí, filhão... muita expectativa pra estreia?
-Nossa,
pai... nem me fala! Coração tá tão acelerado que dá a sensação
que não cabe mais dentro de mim. Acho que sempre vou ter esse
nervosismo antes de pisar no palco pra me apresentar em público,
seja estreia ou não. Mas sabe do mais louco disso? É que essa
adrenalina toda que corre dentro de mim é viciante. É a minha
droga.
-Eu
fico muito orgulhoso de você, Cláudio... você não sabe o
quanto...
-Ih...
que papo meloso é esse?
-Não
posso declarar meu amor a você, filho?
-Claro
que pode... eu também te amo, pai. Muito mais do que eu pensei que
poderia te amar, depois de tudo.
-Eu
sou muito grato à vida. Apesar de todos os erros, de todos os
tropeços, desses vinte e dois anos de ausência, eu posso dizer hoje
que tenho orgulho de ser seu pai... aliás, orgulho de ser seu pai e
do Marcelo. Vocês são os melhores filhos que poderiam existir nessa
vida. Agradeço a Deus todos os dias por ter tido a oportunidade de
refazer os laços com vocês, por poder conviver com vocês e
perceber os homens honrados e cheios de força interior que vocês
são. Maior inspiração pro amor nessa vida não há de existir... -
fala Márcio.
Cláudio
se emociona.
-Ô,
meu pai... vem cá me dar um abraço!
Os
dois, emocionados, se abraçam.
-Eu
te amo muito, meu filho. Faria qualquer coisa pra te ver sempre bem,
nunca esqueça disso. Qualquer coisa.
-Ei,
pode parar com isso que ninguém tá se sacrificando aqui. Acho que
nós dois estamos um pouco emocionalmente instáveis com a minha
estreia do monólogo daqui a pouco. Eu também te amo, pai. Muito!
-Vou
te deixar sozinho agora... sei que você precisa da concentração.
-Preciso
mesmo. Mas você não me atrapalha nunca. Fique tranquilo.
Márcio
deixa o camarim e Cláudio fica com uma sensação estranha sobre
tudo. CORTA A CENA.
CENA
4: Instantes depois, Cláudio vai à cozinha do teatro preparar
alguma coisa para comer e encontra Marcelo ali.
-Impressionante
que você tá sempre ruminando alguma coisa, sua vaca!
-Ih,
olha quem fala! O taurino boca nervosa aqui é você, fofa...
Os
dois riem.
-Sabe,
Cláudio... eu tou achando nosso pai meio esquisito hoje.
-Você
também notou?
-Não
teve como não notar... ele tá com um jeito melancólico... parece
olhar tudo num tom de despedida...
-Mas
ele chegou a conversar com você?
-Sim,
mano. Ele veio com um papo de que tinha muito orgulho de mim, de você
e de ter tido a oportunidade de poder conhecer a gente, essas
coisas...
-Viado...
ele me disse praticamente a mesma coisa. Em outras palavras, claro.
Ai, que sinistro isso, sério. Quero nem pensar no que isso pode
significar.
-Eu
fiquei encafifado, Cláudio... de verdade.
-E
eu então, Marcelo? Cada coisa que passa aqui pela minha cabeça que
eu prefiro nem falar...
-Acho
melhor a gente tentar pensar positivo. De repente ele só falou tudo
isso pelo calor da emoção, pelo momento... é a primeira vez que
ele vai te ver em cima de um palco e ainda por cima num momento único
da sua carreira: a sua estreia num monólogo, coisa que muito ator
jamais teria peito de encarar. Mas confesso que o tom do nosso pai
parecia de despedida... não quero pensar muito nisso, te juro,
mano... mas que pareceu, pareceu. E isso me deixou meio assustado.
-A
mim também, Marcelo...
-Bem,
mas vamos falar de coisa boa. Quer dizer que depois dessa primeira
temporada tá tudo acertado pro seu casamento com o meu cunhadinho do
edy, digo... do coração?
-Mas
não é que tá? A teimosia do Bruno me venceu.
-Queria
o que? Casal taurino é isso daí mesmo...
-Bobo.
Mas me conta, quando é que você e o Rafa pretendem sair de novo em
férias?
-Ih,
viado... vai demorar. Do jeito que todos nós estamos envolvidos até
o pescoço com “Heróis Reais” e com a própria Fermata Visual,
acho que não vai sobrar muito tempo pra gente pensar em descanso...
Os
dois seguem a conversar animadamente. CORTA A CENA.
CENA
5: Ao chegar à frente do teatro, acompanhado de Mara, Raquel e dos
policiais, Valentim pede um momento a todos.
-Gente,
vocês fiquem aqui fora, mantendo uma distância que não dê pro
pessoal que já tá ali dentro perceber vocês. Vou ali dentro checar
pra ver como andam as coisas. - anuncia Valentim.
Valentim
entra discretamente no teatro e percebe que a plateia já está toda
nos seus assentos.
-Droga!
Aqueles dois devem estar por aí, no meio dessa gente toda... -
lamenta Valentim.
Valentim
retorna para o lado de fora.
-Pessoal,
fiquem vocês do lado de fora. Eu, Mara e Raquel entramos, pois
estamos à paisana. O teatro já está lotado e não há mais nenhum
lugar vago. De qualquer forma, fiquem vocês do lado de fora,
observando qualquer movimentação que for suspeita. - fala Valentim,
orientando os policiais.
Raquel
fica apreensiva.
-Não
é possível que a gente tenha demorado tanto, não passou tanto
tempo assim! - reclama Raquel.
-Mas
foi o tempo necessário para garantir os reforços policiais.
Precisamos agir com cautela nesse momento. - fala Valentim.
-O
Valentim tá coberto de razão, Raquel. Não é motivo para alarme
nada disso ainda. O que não podemos fazer é vasculhar o teatro sem
deixar as pessoas que estão ali, esperando pela peça, assustadas e
alarmadas. Todo cuidado é pouco nesse momento. Tudo o que a gente
pode fazer é manter nossos olhos vivos, mas mesmo assim, nós,
sozinhos, não podemos fazer muita coisa. Qualquer movimentação
estranha que vier a acontecer, a gente avisa imediatamente aos
policiais que estão lá fora. Não tem outro jeito, vai ter de ser
assim... - fala Mara.
-Eu
tou nervosa, gente... desculpa. - desabafa Raquel.
-Não
fique, Raquel. Tudo vai dar certo... - fala Valentim.
-Eu
queria ter essa certeza. Mas tou com o coração apertado. Meu neto,
tanta gente aqui dentro e eu não podendo fazer nada a não ser
assistir a tudo praticamente de braços cruzados... - continua
Raquel.
-Preocupação
num momento desses não vai resolver absolutamente nada, além do que
pode acabar desviando nosso foco... - fala Mara.
Os
três observam a movimentação no teatro, apreensivos. CORTA A CENA.
CENA
6: Suzanne está ao lado de Guilherme e ambos estão disfarçados com
roupas escuras. Suzanne se incomoda com Guilherme, que não para de
se mexer e de balançar a perna.
-Será
possível, cara? Você não consegue parar quieto?
-O
que foi, babazinha? Não tá vendo que eu tou quieto?
-É
isso que você chama de ficar quieto? Você não para de se mexer um
segundo, fica balançando a perna o tempo inteiro! Não tá vendo que
todo mundo nessa fileira já tá olhando torto pra você? Se
contenha!
-É
que eu tou ficando nervoso pela estreia da peça...
-Sei...
você pensa que me engana?
-Não
penso nada. Não sei do que você tá falando.
-Você
acha que eu sou burra, né? Eu te vi crescer, fedelho. Fui quase uma
segunda mãe pra você.
-Menos.
Você só foi uma puta de luxo bancada pelo meu pai.
-Você
ainda quer a grana?
-Claro
que quero. Preciso...
-Então
faça um favor a nós dois: se cale.
-Eita...
não tá mais aqui quem falou.
-Quieto,
fedelho. Falta pouco pra peça começar...
CORTA
A CENA.
CENA
7: A apresentação da peça de Cláudio se inicia e Cláudio começa
a falar na voz de sua personagens.
-Olá,
pessoal. Vocês vem sempre aqui? Oh, não... não entendam isso como
uma cantada. Já fui uma pessoa mais atirada, mas hoje eu posso dizer
que estou num momento mais... digamos... sabático da vida, entendem?
Ai, adoro essas palavras difíceis! Acho um luxo que só! Ah... já
ia me esquecendo de me apresentar: me chamo Igor. Disseram que aqui
tá rolando uma festinha muito louca. Falaram que tem gente famosa
aqui inclusive, é mole? Eu aqui, toda trabalhada na juventude que me
é peculiar, me sentindo um caco velho, um dinossauro. Falaram também
que essa festa tem meu nome... acho que disseram algo como “O
Estranho Universo de Igor”. Sinceramente? Achei esse nome brega, um
desserviço a toda comunidade LGBT do Brasil. Aliás, do Brasil não:
do mundo! Parece nome de filme cabeça, tipo aqueles do Lars Von
Trier, saca? Todo mundo que paga de culto assiste e bate palma, mas
bem na real quase ninguém entende porra nenhuma. Cinema experimental
me dá um sooono! Falando em sono, eu devia estar dormindo a uma hora
dessas. Mas disseram que tinha uma festa rolando aqui, não disseram?
Cadê todo mundo? Ih... vocês não vão parar de me olhar com essas
caras de admiração, né? Eu sei que sou lindo, mesmo. Minha mãe
também sempre diz isso, mas sabe como é: em mãe a gente nunca
acredita. A minha tá por aí, pelo mundo, fazendo cruzeiro com um
milionário que ficou de quatro por ela! Essa é das minhas, viu
gente? Não dá ponto sem nó, a danadinha! Ah... vocês devem estar
se perguntando pelo meu pai. Nem conto o babado: mais viado que eu e
toda a parada LGBT do Rio de Janeiro junta! Um arraso, a bicha! Deu
sorte na vida também, conheceu um cubano ma-ra-vil-ho-so e se mandou
pra Miami, tá morando lá a safadinha. Às vezes manda notícias.
Vive me convidando pra dar uma passada lá, mas como que eu vou? Tou
completamente quebrada, adivinha por que? Pois é, gente... eu caí
no golpe do boa noite cinderela... o desgraçado me dopou e limpou a
minha casa todinha. Não me deixou nem com os cartões. Bem, pelo
menos não fez nada com a minha pessoa, então como eu sou toda
trabalhada no modo fênix de ser, é claro que eu sempre dou a volta
por cima. Mas... nem sempre foi assim. Ai, gente... tou entediado com
essa gente que não chega. Vou aqui conversar com vocês enquanto
isso... se incomodam? Ah, que bom, quem se incomodar pode dar o fora
que eu não quero bicha dando close errado na minha festa...
A
plateia interage com Cláudio, empolgada. CORTA A CENA.
CENA
8: Suzanne se encanta com a atuação de Cláudio e Guilherme percebe
que ela está completamente distraída.
-Hora
de agir... - murmura Guilherme consigo mesmo.
Guilherme
saca uma arma de sua calça e, lentamente, abraça Suzanne.
-Ih,
fedelho... tá mais maluco que de costume? Tá posando de hetero
agora?
-Suzanne...
sente o que tá cutucando sua barriga.
Suzanne
percebe que Guilherme está armado.
-O
que você quer de mim? Me matar?
-Fale
baixo. Você vem comigo. Quietinha, sem dar um pio. A gente vai sair
daqui abraçado, como se fosse um casal. Ninguém pode notar nada de
estranho, tá prestando bem atenção?
Suzanne,
apavorada, obedece Guilherme, que se levanta com ela vagarosamente e
ninguém percebe nada.
-Onde
cê tá me levando, Guilherme?
-Não
te interessa...
-Claro
que me interessa, seu merda.
-Se
eu fosse você, eu calava essa sua boca. Ou pelo menos tratava de
parar de me insultar. Eu posso te matar a qualquer momento, é isso
que você quer?
-Não...
-Pensei
nisso, mesmo. Burra você nunca foi.
Guilherme
vai com Suzanne até a coxia.
-O
que você quer aqui, cara?
-Você
vai ver.
-Dá
pra me soltar, pelo menos? Tá me machucando!
-Tá
certo. Você se comportou direitinho.
Guilherme
solta Suzanne.
-Só
quero saber o que você pretende com isso. Eu te falei mil vezes que
não queria que você fizesse nada contra meu filho.
-Quem
é que tem uma arma aqui, mesmo?
-Eu
também vim armada, você sabe disso.
-E
daí? Se você tentar qualquer gracinha comigo, morre você e o seu
filho.
-O
que você quer?
-Deixa
eu ver... ainda não sei? Tou pensando...
-Faça
o favor de desembuchar que eu detesto enrolação!
-Olha
como fala comigo, Suzanne! Me respeite!
-Fale
logo o que você pretende com isso.
-Não
é óbvio? Essa era a minha pendência. Você, sua imbecil,
atrapalhou tudo com esse seu súbito e repentino amor materno. Eu
quero uma grande cena. Algo inesquecível. Eu vou matar o Cláudio e
assim ele vai ficar gravado na eternidade como o grande ator jovem e
promissor que morreu em cena. Não é fantástico?
-Você
não seria capaz de fazer isso...
-Pague
pra ver, então...
Suzanne,
com Guilherme lhe apontando a arma, fica tensa. CORTA A CENA.
CENA
9: Márcio assiste admirado à apresentação do monólogo de
Cláudio, que segue falando na pele de Igor, sua personagem.
-Bem
que minha mãe avisou: homem é bicho triste mesmo, viu cambada? Tá,
eu sei... vocês devem estar se perguntando “ué, mas o Igor também
não é homem?” e eu respondo... sim, eu sou. Foi assim que Cher me
fez, afinal de contas pra ser fabulosa nessa vida tem que ser no
mínimo transgressora. Mas sabe o que mais dói nisso tudo? É a
falta de apoio que eu e tanta gente acaba encontrando na rua. Em casa
pra mim nunca foi problema, mas e as viada que nem isso tem? Fico
doente só de imaginar. Teve uma amiga minha, a Lorena, uma trans
lindíssima, que não quis mais continuar nesse show aqui. Pediu pra
sair de cena, entendem? Não consigo lembrar dela sem me emocionar.
Ela era uma mulher incrível, mas tanta gente insistia em chamar a
Lorena por um nome masculino... aquilo foi matando a minha amiga por
dentro. Nem mãe nem pai, nem ninguém da família quis a pobrezinha
por perto. Ela veio morar comigo. Juntos nós éramos como uma
família... dois irmãos de alma. Mas se vocês acham que passei por
perrengue nessa vida, é porque vocês não sabem da metade dos
perrengues que a coitada da Lorena passou... ela só queria ser quem
ela era, mas o mundo dizia pra ela “VOCÊ NÃO É LORENA E NUNCA
VAI SER”. Não bastasse isso, queriam acabar com ela, com a beleza
dela, com tudo sobre ela. Ela até que aguentou por muito tempo, sabe
gente? Eu queria que pessoas como a Lorena fossem eternas... deveriam
ser proibidas de sair de cena. Tem gente que quando nasce já brilha
nesse palco gigante... e incomoda quem nunca aprendeu a brilhar, por
mais que tentasse. Foi por causa dessas pessoas, sem luz e sem brilho
próprio, que Lorena tomou a decisão de sair de cena. Mas ficou
gravada eternamente no meu coração e no coração de todo mundo que
conheceu ela de verdade. A sociedade às vezes é um lixo, sabe
gente?
Márcio
se emociona com a interpretação de Cláudio. CORTA A CENA.
CENA
10: Guilherme rende Suzanne novamente.
-O
que você vai fazer, cara?
-Você
vai ver. Você não tava morrendo de curiosidade pra saber como vai
ser a cena final do seu pimpolho? Pois veja.
Guilherme
invade o palco com Suzanne rendida. Cláudio imediatamente entra em
desespero, mas procura não perder a calma e, numa atitude
inesperada, segue o monólogo.
-Cês
tão vendo, não tão? Assim é como os homens tratam as mulheres
desse país, desse mundo! - fala Cláudio, já despindo-se de sua
personagem.
A
plateia pensa que tudo aquilo faz parte da peça. Raquel se
desespera.
-O
Guilherme! Tá com a Suzanne rendida! - grita Raquel.
-Vou
chamar os reforços imediatamente. - fala Mara.
-Ninguém
sai desse lugar! Vocês não querem ver uma grande cena? Não é pra
isso que pagaram ingresso? Pois vejam como o palco desse teatro pode
ser grandioso! - grita Guilherme.
Márcio,
Marion, Marcelo, Rafael, Mariana, Valquíria, Ivan, Vânia,
Setembrino, Bruno, Laura, Haroldo e Mateus entram em desespero.
-Vocês
são mesmo todos uns patéticos. A família e os amigos do babaca do
Cláudio foram os únicos que perceberam o que realmente tá pegando
aqui. Tá tudo dominado! Quem manda nessa porra agora sou eu! E você,
seu traidor, ainda vai pagar cada centavo que me deve! - grita
Guilherme, se descontrolando.
-Guilherme,
largue Suzanne. Abaixe essa arma. O seu problema é comigo, não é?
Então seja homem e resolva comigo. Não envolva mais ninguém nisso!
- fala Cláudio.
-Ui!
O traidor resolveu ser tomado por uma súbita coragem, foi? Ou será
que é amor repentino pela vadia que te abandonou? Ela tinha que ser
a primeira a rodar, não tinha? - provoca Guilherme.
-De
onde você tirou que te traí? Você que foi obsessivo por mim, você
que fez de tudo para acabar com a minha vida e me deixar sem opção
até você se apresentar como única possibilidade pra minha vida
afetiva. Você nunca soube admitir que me perdeu ainda na
adolescência e que a culpa foi sua. Eu nunca tive a obrigação de
te amar, tá me ouvindo? Nunca!
Guilherme
solta Suzanne e rende Cláudio com uma “gravata”. Suzanne pega a
sua arma e aponta para Guilherme. CORTA A CENA.
CENA
11: Márcio, ao ver o filho rendido, é movido por um impulso e
invade o palco, nocauteando Guilherme.
-Você
não vai fazer nada com o meu filho, tá me ouvindo, seu moleque? -
grita Márcio.
-Agora
tá completa a farofa da família feliz do século vinte e um! -
debocha Guilherme, pegando sua arma do chão.
Suzanne
segue apontando a sua arma para Guilherme.
-Não
faça nada com meu filho! Ou eu atiro! - grita Suzanne, desesperada.
-Você
acha mesmo que eu pouparia você? Tenho o maior prazer em te matar
antes, sua vadia! - fala Guilherme.
Ao
perceber que Guilherme vai atirar em Suzanne, Márcio se atira na
frente dela e o tiro atinge seu peito.
FIM
DO CAPÍTULO 154.
Nenhum comentário:
Postar um comentário