CENA
1: Marion chora junto do marido.
-Como
é que você permitiu que isso acontecesse outra vez de tanto tempo?
-Foi
mais forte que eu, Marion... eu sinto muito.
-Sente
muito? Você tem noção do que isso significa? Lembra que nos levou
praticamente à falência?
-Eu
lembro... eu não vou fazer isso de novo.
-Quem
me garante, Ivan? Quem? Só que agora as coisas são completamente
diferentes. O dinheiro e o sustento de muito mais gente está em
risco se você continuar com esse vício maldito, você não percebe
isso?
-Claro
que percebo...
-Não,
não percebe! Sabe qual foi meu erro, amor? Ter passado a mão na sua
cabeça... não ter insistido mais pra que você fosse aos Jogadores
Anônimos. A culpa também é minha por ter empurrado esse problema
com a barriga por mais de vinte anos. Você é viciado, precisa se
tratar. Você pode arruinar com nossos bens de novo e agora a coisa é
mais grave que antes porque o Vicente tem a Fermata Visual, será que
você não vê? Será que não percebe que você pode colocar o
dinheiro da Riva nisso também? Chega, Ivan! Chega! Essa situação
já passou de qualquer limite. Está insustentável!
-Mas
você está contra mim? Você me disse que sempre estaria ao meu
lado.
-Pelo
amor de todos os deuses, Ivan! Não seja infantil! Você tem
cinquenta e cinco ou cinco anos? Acorda pra vida, amor! Estar ao seu
lado não significa concordar sempre com tudo. Ou eu vou ter que
refrescar sua memória pra te lembrar de tudo o que o Haroldo, seu
filho, viveu de ruim por ter herdado esse vício de você? Por que
você não se espelhou nele? Ele venceu esse fantasma dentro dele. Se
ele conseguiu, por que você não consegue? Me diz!
Marion
se desespera e chora. Ivan fica arrependido.
-Eu
nem sei que palavras usar... eu realmente quero acabar com tudo isso.
-Será
que quer mesmo, Ivan? Há vinte e dois anos eu te conheço... e há
vinte e dois anos você sempre diz que vai ser a última vez. Chega,
Ivan. Você precisa parar de falar. Tem que agir mais. Você sabe
perfeitamente o que fazer. E te digo mais: por mais que eu te ame, se
você não for buscar ajuda profissional, eu peço divórcio. Tá me
ouvindo? Não me custa nada sair dessa casa e recomeçar minha vida,
por mais que eu te ame mais que tudo.
-Eu
não sei viver sem você, Marion. Você é a luz dos meus dias, a
razão pela qual eu quero viver por mais trinta anos no mínimo.
-Então
faça por onde, meu amor. Não faça isso com você mesmo, não faça
isso com nós dois. Eu estou exausta.
-Tá
certo. Eu vou procurar os Jogadores Anônimos.
-Se
for pra procurar, que seja imediatamente.
-Mas
já é de madrugada, amor.
-Ivan,
você não me enrole. Amanhã pela manhã, sem falta, você entra em
contato com eles. Se quiser eu vou com você. Você quer realmente
mudar? Então vai ter que ser do meu jeito. Senão você já sabe...
-Eu
aceito qualquer condição que você impuser.
-Não
são imposições. É pelo seu bem... você sabe disso.
-Amanhã,
sem falta... no máximo depois de amanhã, eu prometo.
-Eu
realmente espero que dessa vez você esteja disposto a se livrar
desse vício de uma vez por todas.
Marion
abraça o marido, apreensiva. CORTA A CENA.
CENA
2: Na manhã do dia seguinte, Rafael conta a Marcelo sobre seus novos
planos.
-Acredita
que eu já tenho a ideia para um novo roteiro?
-Que?
Mas amor, “Heróis Reais” mal começou...
-É
justamente por isso... pelo sucesso dessa primeira investida que nós
fizemos, juntos.
-Sei.
Sobre o que se trata essa nova ideia?
-Ainda
tá bem embrionária... sei que você vai me ajudar a desenvolver
tudo. Afinal de contas, como escritor, você é infinitamente melhor
e mais talentoso que eu.
-Não
se subestime, Rafael... se não fossem as suas ideias, eu não teria
nem como dar sequência aos diálogos e ações.
-É,
mas eu jamais saberia escrever do jeito que você escreve. Reconheço
que sozinho não conseguiria... nós somos uma dupla... sem você,
nem mesmo “Heróis Reais” alcançaria o sucesso que tem
alcançado.
-Ah,
pare de me superestimar e de se subestimar. Se não fossem as suas
ideias é que nada disso seria possível. Sabe-se lá quanto tempo
levaria pro Vicente fazer a Fermata Visual ter sucesso. Nós somos
como uma equipe. Nosso trabalho em conjunto é o que tá construindo
tudo isso, mas... chega dessa rasgação de seda: será que você
pode revelar sobre essa sua nova ideia?
-Tava
pensando numa trama que abordasse as questões de gênero. Com foco
principal em atores e atrizes trans. De nada adiantaria chamar
pessoas cisgêneras para interpretarem transexuais, porque disso a TV
já tá cheia. É um projeto ambicioso, vai levar tempo ainda...
-Amei
a ideia! Sem falar que deve haver por aí muitas atrizes e muitos
atores transexuais que estão esperando justamente por uma
oportunidade de trabalho.
-É
justamente por isso que essa ideia ainda pode demorar a sair do
papel. Por mais que a Fermata Visual esteja fazendo todo o sucesso
que a gente sabe que tá fazendo, o Vicente ainda precisa expandir a
empresa...
-Verdade.
Afinal de contas, os profissionais precisam ser bem remunerados,
ninguém é relógio pra trabalhar de graça.
-Mesmo
o relógio só funciona se tiver pilha, né...
-Bobo,
você entendeu a analogia, não faz a louca da correção aqui...
Os
dois seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA
3: Suzanne bate no apartamento de Guilherme e ele se surpreende por
ela ter encontrado ele.
-Como
é que você sabia?
-Rapaz...
quando você tá indo, eu já fui, já voltei e já peguei o mapa da
mina. É óbvio que você se esconderia aqui... todo mundo pensando
que você ainda tá fugido em algum lugar do mundo, nenhuma atenção
se voltaria pro lugar mais óbvio: seu apartamento.
-Tá,
quer um biscoitinho pela sua esperteza? Tá em falta, fofa... tou sem
dinheiro e você sabe porque...
-Quanto
é que você tá precisando?
-De
uns noventa mil.
-Que?
Você tá doido?
-Você
sabe que eu sou doido, mesmo. É isso ou nada feito, daí eu não me
responsabilizo pelo que pode acontecer.
-Isso
é uma ameaça, fedelho?
-Entenda
como uma, se você preferir.
-Você
realmente acha que tem como bater de frente comigo... qual é a
garantia que eu tenho que você vai dar o fora desse país assim que
eu te der esse dinheiro?
-Garantia
nenhuma. Eu não pretendo deixar o país de imediato, você sabe
muito bem disso.
-Posso
saber o motivo?
-Tou
me divertindo sendo Henrique. É a oportunidade de andar livre na rua
sem ser pego.
-Se
você acha que essa barba e essa tinta no seu cabelo mudou muita
coisa, se engana. Dá pra te reconhecer fácil, ainda. Você não
pode ficar dando bobeira por aí.
-Ah,
Suzanne... eu quero me divertir um pouco antes. Terminar algumas
coisinhas que deixei pendentes.
-Eu
espero que você esteja falando só da facção. Se você tocar um
dedo que seja no meu filho, eu te mato! Com minhas próprias mãos!
Guilherme
percebe a fúria de Suzanne e muda de assunto.
-Não...
eu só quero mesmo é me divertir um pouco... e ver a estreia do
Cláudio no monólogo... tenho certeza que essa vidinha de ator de
merda que ele acha que pode levar não vai dar em nada. Vou gostar de
ver ele quebrando a cara.
-Se
for só isso, eu te libero a grana. Mas você tem que me prometer que
vai sumir desse país assim que puder.
-Tá...
eu prometo. Quando você vem com a grana?
-Hoje
mesmo. E não se esqueça que eu sei onde você tá se escondendo.
Acompanho cada passo seu.
CORTA
A CENA.
CENA
4: Márcio chama Marcelo e Cláudio para contar sobre sua decisão
final.
-Filhos...
eu andei pensando muito em tudo o que a gente conversou. - fala
Márcio.
-É
sobre a possibilidade de você voltar pra sua cidade natal? -
questiona Cláudio.
-Não
vai me dizer que resolveu ir embora... - preocupa-se Marcelo.
-Nada
disso, meus filhos. Eu pensei muito em todas as coisas... em tudo o
que a gente tem vivido nesses últimos tempos. Eu não tinha uma
família, mas agora eu tenho. Tudo isso é muito mais importante pra
mim, tem muito mais valor do que matar as saudades de memórias que
nem seriam tão boas assim. Minha família são vocês e a dona
Raquel, minha mãe do coração. Eu decidi ficar! - fala Márcio.
Cláudio
e Marcelo abraçam Márcio aliviados.
-Até
que enfim uma decisão acertada! Eu ia morrer de saudade de você,
pai... - fala Marcelo.
-Melhor
assim... eu não iria querer perder meu pai de vista justo agora que
a gente tem essa relação tão boa... - fala Cláudio.
-Vocês
não me perderiam, queridos. Nunca vão me perder. Eu só estaria
mais distante, mas pensei melhor e percebi que estou melhor aqui, com
vocês. E mesmo que um dia eu venha a me ausentar, nunca se esqueçam
de que eu amo vocês mais que tudo nessa vida... - fala Márcio.
-Nada
de falar essas coisas que assim fica parecendo até que você tá
morrendo, eu hein... - fala Marcelo.
Os
três seguem a conversar. CORTA A CENA.
CENA
5: Vicente chega com novos equipamentos profissionais adquiridos e
Riva se surpreende.
-Quanta
coisa, Vicente! Você disse que ia comprar só umas coisinhas...
-É,
mas agora a Fermata Visual tá tomando um rumo mais profissional.
Óbvio que precisaria de equipamentos profissionais.
-Mas
é um dinheiro incalculável que vai nisso. E se der zebra? Vai que
as emissoras realmente conseguem sabotar a Fermata Visual? O prejuízo
vai ser todo nosso...
-Com
o Leandro César Martins contratado, a coisa muda de figura. Depois,
a gente sabia que poderia perder dinheiro.
-Sim,
mas quando que a coisa vai começar a render lucros suficientes pra
pagarem tudo o que a gente tem investido? Não tenho medo de ficar
pobre de novo, meu medo é que a Fermata Visual acabe fracassando e
isso te deixe triste.
-Amor...
a gente sonha esse sonho junto. Eu, você e todo mundo nessa casa. A
gente sabe que pode não dar em muita coisa, mas também pode dar
muito certo.
-Esse
seu otimismo me encanta. Depois, a gente já foi até premiado por
causa de uma produção da Fermata...
-Eu
tava indo falar sobre isso, mas você já disse o óbvio: o
reconhecimento está vindo numa velocidade incrível!
-Agora
que me dei conta: em pouco tempo a gente pode estar produzindo a
primeira novela para internet!
-Primeira
não vai ser, mas fiel ao formato de telenovela, talvez...
Os
dois seguem a conversar, animados. CORTA A CENA.
CENA
6: Bruno e Cláudio pesquisam as canções que vão escolher para a
festa de casamento que planejam.
-Precisa
dessa antecedência toda, Cláudio? A gente nem sabe direito ainda
quando vai ser o casamento da gente...
-É,
mas é melhor escolher as músicas logo. Mesmo que eu esteja pensando
numa festinha pequena, aqui em casa mesmo.
-Pequena
pode até ser, mas quem entende como ninguém de música nessa vida é
meu pai, acho que tínhamos que falar com ele, isso sim.
-Até
parece que você não sabe que tanto o seu Setembrino quanto a dona
Vânia iriam querer uma festa daquelas, cheia de convidados... você
é filho deles e sabe melhor que eu.
-E
daí? A gente tem um monte de amigo, mesmo! Qual é o problema de
chamar todo mundo?
-Mas
com que tempo, Bruno? Assim que eu liberar da primeira temporada da
peça, a gente casa. E isso vai ser decidido às pressas... nas
coxas, entende? Não temos tempo de pensar numa coisa grande.
-Enfim...
que seja. Eu pensei que uma música que tem a sua cara de cabo a rabo
é aquela da Rumer.
-Qual?
São tantas as músicas dessa mulher que eu amo...
-Eu
acho “You Just Don't Know People” a sua cara, do começo ao fim.
-Ai,
que tudo! Também me identifico!
-Agora
eu tou tendo dificuldade de achar uma que fale por mim e outra que
fale por nós...
-Lá
vem brainstorm dos bravos...
CORTA
A CENA.
CENA
7: Márcio liga para Raquel.
-Tou
te atrapalhando, mãezinha?
-Nunca,
Márcio. Pra você eu sempre arranjo um tempo...
-Tava
precisando dar uma conversada com você...
-Claro,
querido, pode falar!
-Na
verdade eu queria te contar de uma decisão que tomei sobre um
assunto que eu nem tinha te contado antes pra não te deixar
chateada.
-Tem
a ver com a Suzanne?
-Felizmente,
dessa vez não. Na realidade, eu andei pensando muito seriamente em
voltar pra Barra de São João. Sabe... tentar recuperar alguma coisa
de boa que eu pudesse ter deixado de mim por lá. Mas meus filhos
acabaram se opondo e eu repensei toda minha vida. Descobri que sou
mais feliz aqui na capital, perto da minha família, perto de você,
mãezinha... então decidi ficar.
-Acho
muito bom que você não tenha decidido abandonar a sua mãe do
coração, seu menino malcriado! Agora entendi porque tava sentindo
um tom de despedida quando a gente conversou aquele dia...
-Era
isso, dona Raquel... só que não tive coragem de te dizer o que eu
tava pensando.
-E
se me dissesse, eu ia me juntar com o Cláudio e com o Marcelo.
-Sei
bem disso. Desculpa se eu pensei em largar tudo... é que nessa
vontade de recomeçar tudo às vezes eu me perco.
-Justamente
por isso, meu querido... é nesses momentos que você deve lembrar
que tem uma família e amigos com quem pode contar. Riva, Vicente e
todo mundo também não iam gostar de saber que você tá longe...
enfim, meu querido... agora eu vou precisar desligar que ainda tenho
trabalho de sobra pela frente...
CORTA
A CENA.
CENA
8: Valquíria mostra a Marion um roteiro que escreveu.
-Então,
minha filha... eu guardei esse segredo por trinta e tantos anos...
-Mamãe!
Esse roteiro é sensacional... tem um potencial dramatúrgico
imenso... e agora com o Leandro César Martins contratado pela
Fermata... gente, fico pensando coisas!
-Não
é pra tanto, Marion... acho até meio bobo esse roteiro que
escrevi... tem tanto tempo, sabe? Tudo mudou de lá pra cá...
-Mas
esse roteiro nas mãos de um autor feito o Leandro pode virar
inclusive uma novela, sabia?
-Você
acha, filha?
-Tenho
certeza, mãe. Esse roteiro é sensacional... e pode ser
perfeitamente atualizado para os tempos atuais, vai por mim.
-Se
você diz, eu até começo a acreditar que dou pra ser autora.
-Claro
que sim, dona Valquíria! Não venha você se subestimando agora...
isso aqui pode render uma obra e tanto! Vou mostrar ao Vicente e ao
Leandro, com certeza.
-Mas
já? Fico com vergonha, filha...
-Pare
com isso. Nessa vida a gente tem que colocar a cara no sol, mãe...
Valquíria
fica apreensiva, porém empolgada com a ideia.
-Ai...
será? Acho que já realizei tantos sonhos nesses últimos tempos...
-Mãe...
nenhum sonho jamais deve ser ignorado. Se a gente tiver meios de
realizar esses sonhos, por que não?
-Olha
que desse jeito eu começo a levar a sério.
-E
é pra levar mesmo!
CORTA
A CENA.
CENA
9: Haroldo, Mateus e Laura estão a caminho de casa depois de um
passeio.
-Gente,
não tem nada melhor nessa vida do que andar por aí sem rumo... acho
sempre uma delícia! - fala Laura.
Haroldo
percebe que alguém os segue e tenta disfarçar, mas Mateus percebe.
-Tá
acontecendo alguma coisa, amor? Cê ficou com uma cara fechada... -
observa Mateus.
-Nada
não... - desconversa Haroldo.
Laura,
no entanto, percebe juntamente de Mateus que uma pessoa os segue.
-Tem
alguém nos seguindo... - assusta-se Laura.
-Não
pode ser! - desespera-se Mateus.
Os
três começam a caminhar com pressa, temendo serem agredidos.
FIM
DO CAPÍTULO 148.
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