CENA
1: Ainda durante sonho, Cláudio se preocupa com as palavras de
misteriosa senhora.
-Forte
pra que, Dona Velha? Desculpe, mas eu fiquei assustado.
-Você
é forte, Cláudio. Você sabe o quanto... superou a morte dos seus
pais adotivos, lutou para se reerguer, aprendeu desde cedo que o que
vale nessa vida é o amor, apesar dos tropeços e dos egoísmos.
-Eu
sei. Luto pra ser menos egoísta e menos exigente...
-Você
tem conseguido grandes progressos, nunca esqueça disso.
-Vou
tentar não esquecer, mas estou assustado. A senhora disse que eu
preciso ser forte...
-Sim,
você precisa, Cláudio. Precisa manter, acima de tudo, a
tranquilidade e a força pra encarar o que virá.
-Eu
quero me casar com o Bruno. Não vai acontecer nenhum mal a ele, vai?
-Vocês
vão se casar, sim... e vão ser muito felizes pelo resto do tempo de
vida... vocês realmente nasceram um para o outro, para somar, para
um fazer ao outro mais feliz. Vocês não se completam: vocês se
somam. Um sempre encontra um jeito de ajudar o outro. Não se
preocupe, vocês dois ainda tem um longo e belo caminho pela frente.
Vocês ainda vão encontrar muita felicidade pelo caminho, inúmeras
razões para sentir gratidão.
-Mas
então por que eu preciso ser forte? Desculpe, Dona Velha... mas eu
não entendo. Tenho medo de perder as pessoas que eu amo.
-Você
nunca vai perder quem você ama. Mesmo que alguém importante pra
você desencarne. Não se perde jamais quem se ama. O amor é vida,
lembre-se disso quando os tempos difíceis te atrapalharem a visão.
-Mas
o que seriam esses tempos difíceis? A senhora pode me falar?
Desculpe perguntar tanto, mas é que fico com medo de perder todas as
coisas bonitas que tenho na vida, essa família que tenho agora, que
é de verdade... meu pai, meu irmão, minha tia, enfim... tudo isso é
lindo demais pra mim. Não consigo nem mais me imaginar sem eles.
-Você
nunca está só e sabe disso. Seus pais adotivos estão sempre com
você em pensamento.
-Mas
eles estão mortos, Dona Velha.
-A
morte não existe. Os corpos carnais perecem... a alma é imortal.
-Desse
jeito que a senhora fala, fico até me sentindo mais confiante e
tranquilo.
-Tá
vendo, meu querido? Tudo isso está dentro de você. Você apenas
percebe o significado de tudo através de mim, mas não sou eu que
trago a serenidade que você precisa, porque ela parte do seu
interior...
-Eu
me sinto grato pela nossa conversa. Queria te ver mais vezes.
-Não
posso aparecer sempre, meu querido. Tenho muitas coisas a resolver
pra quem precisa e, acredite: tem muita gente nesse mundo precisando
de um conforto, mais do que você possa imaginar. Eu preciso ir
agora. Você sabe que isso aqui é um sonho. Siga dormindo tranquilo,
pois o amanhã a Deus pertence e sempre há um facho luminoso na mais
profunda escuridão.
Misteriosa
senhora desaparece das vistas de Cláudio. CORTA A CENA.
CENA
2: No dia seguinte, Bruno e Cláudio chegam em casa depois de ir ao
cartório.
-É...
agora já tá definido.
-Ainda
assim, Bruno... você não achava mais prudente esperar acabar a
primeira temporada do meu monólogo?
-Pra
que? A gente já sabe quando vai acabar, amor.
-Tá
certo. Mas é que um mês, diante de tudo o que ainda tenho a fazer,
talvez seja um tempo curto demais.
-A
gente vai conseguir casar. Não me importa se não houver festança.
Isso é mais coisa do meu pai, você sabe.
-De
qualquer maneira, fico com receio de isso acabar atrapalhando os
planos do seu irmão e do Rafael.
-Besteira.
Eles mesmos disseram que só viajam por aí outra vez quando tiverem
certeza que não tem mais nenhuma pendência e como eles vão ser as
nossas testemunha,s tá super favorável, não?
-Você
tá certo. É que por um lado fica difícil de acreditar que depois
de tanta coisa, depois de tanto a gente adiar tudo, a gente
finalmente vai conseguir oficializar diante da lei o nosso casamento.
-Antes
tarde do que nunca. Eu mesmo cheguei a pensar que isso ia demorar um
monte pra acontecer ainda.
-Verdade,
amor... mas vamos falar de coisa boa? Bruno, a Mara e o Procópio
estão se rasgando em elogios a mim. Desse jeito eu até acredito
quando me dizem que tou arrasando.
-E
vai estar arrasando mesmo, tenho certeza disso.
CORTA
A CENA.
CENA
3: Ivan vai a mais uma reunião dos Jogadores Anônimos e dá seu
depoimento.
-Bem...
pra quem tá chegando hoje e ainda não me conhece, me chamo Ivan e
só por hoje eu resisti à tentação de apostar. Não foi fácil
admitir a mim mesmo que eu tenho um vício, que precisa de
tratamento. Sempre considerei que viciados fossem drogados, pessoas
que acabam à margem do que é considerado normal na nossa sociedade.
Levei mais de trinta anos para compreender que apostar pra mim é
como se fosse uma droga viciante. Comecei a jogar bastante jovem
ainda, com meus vinte ou vinte e um anos... não lembro ao certo
quando esse vício começou, mas sei dos danos que ele causou a mim e
aos meus familiares, que sofreram junto por ver o que eu mesmo não
via: que eu estava me afundando, endividado até não poder mais,
frequentando bingos quando eles ainda não eram clandestinos e mesmo
depois da criminalização, não deixei de apostar. Meu filho mais
velho quase caiu no mesmo buraco que eu, mas por alguma razão,
encontrou mais força para não viciar por completo. Por minha culpa,
eu vi a fortuna da minha família ruir. Minha família quase indo à
falência, meu filho mais novo tendo de abrir mão de quem ele
realmente é para poder garantir um sustento à vida que a gente
sempre levou. Mesmo depois que a sobrinha de minha esposa enriqueceu
e foi morar conosco, a vontade de apostar não me deixava em paz.
Durante anos eu consegui dominar, mas sem o tratamento, eu acabei
tendo a recaída. Me envergonho de não ter buscado ajuda antes,
porque nesse exato momento eu poderia estar novamente dilapidando o
patrimônio dos meus... e não sei se saberia me perdoar por isso...
Ivan,
emocionado, segue o relato. CORTA A CENA.
CENA
4: Raquel avisa a Valentim e Mara sobre liberação de escuta no
celular de Suzanne.
-Gente,
tá liberado. A operadora confirmou que a escuta pode ser feita sem
que isso gere problemas administrativos para a empresa. - fala
Raquel.
-Maravilha!
Agora é só esperar pra pegar Suzanne no pulo. Espero que não
demore. - fala Valentim.
-De
qualquer maneira, a gente não pode ficar impaciente agora. A
permissão foi concedida por todos os lados agora. Apesar de estarmos
correndo contra o tempo, é preciso que tenhamos cautela, para que
não façamos nada sem o mínimo de materialidade de provas. Para
isso, não é qualquer gravaçãozinha que vai incriminar Suzanne. E
mesmo que algo comprometedor se revele, talvez ela ainda possa não
ser incriminada por isso. - fala Mara.
-Se
pelo menos ela tivesse antecedentes criminais comprovados, a história
seria outra... - lamenta Raquel.
-Mas
não é assim que as coisas são agora. Eu sei que deveriam, mas... -
fala Valentim.
-Mas
agora é hora de você baixar a cabeça nisso, Valentim. Tanto eu
quanto a Raquel temos outros casos importantes e urgentes a resolver.
Contamos com a sua atenção inteiramente voltada pra isso. - fala
Mara.
-Pode
deixar, essa missão é toda minha. - afirma Valentim.
CORTA
A CENA.
CENA
5: DIAS DEPOIS.
Chega
o dia da estreia do monólogo de Cláudio e sua reestreia nos palcos
da companhia de teatro. Cláudio acorda-se animado, antes de Bruno e,
ao preparar seu café, se depara com Márcio já acordado tomando
café.
-Eita,
pai! Que milagre te ver acordado cedo!
-Mal
preguei o olho essa noite, meu filho. No final das contas eu acho que
absorvi um pouco do seu nervosismo com a sua estreia, vê se pode!
-Acontece.
De alguém eu tinha que puxar esse nervosismo, não é mesmo? Ainda
mais sendo filho de um pai ariano sem paciência pra lenga-lenga.
-Naquelas,
né Cláudio. Lenga-lenga por lenga-lenga, eu me deixei envolver por
uma situação insustentável por mais de vinte anos.
-Ih,
nem começa, pai. Hoje é dia de falar só de coisa boa porque tá
todo mundo meio pilhado... mas sabe, tou notando que cê tá meio
preocupado.
-Deve
ser impressão sua, meu filho. Apesar desse nervosismo pela sua
reestreia, tou tranquilo.
-Tem
certeza disso? Eu vejo um pouco de medo nos seus olhos...
-Mas
medo do que, Cláudio? Fica tranquilo, filho... eu estou bem.
-Não
é o que parece.
-Esquece
isso, meu querido. Lembra daquele velho ditado que diz que o que não
tem remédio, remediado está?
-Ah,
acho que entendi. Você tá pensando na demônia outra vez...
-Também.
Mas não é justo com você falar sobre isso, sabendo que é um
assunto que você evita.
-Verdade,
pai. Bem, eu vou subir com o café do Bruno, antes que ele se acorde
e estranhe eu não estar lá.
Cláudio
sobe com as xícaras de café. CORTA A CENA.
CENA
6: Instantes depois, Riva se acorda e se depara com Márcio ainda
pensativo na cozinha.
-Pelo
visto você tá nervoso pelo seu filho hoje, hein? Bom dia,
querido...
-Bom
dia, Riva. Dormiu bem?
-Dormi.
E você?
-Mal
preguei o olho...
-Por
que? Não vai me dizer que tudo isso é nervosismo pelo Cláudio.
-De
certa forma é. É a primeira vez que vou ver meu filho nos palcos,
mesmo que essa não seja a primeira vez dele. Tem um significado
especial pra mim, mas... não é só isso. Eu tive um pesadelo
assustador essa noite.
-Pesadelo?
Olha, melhor nem falar... diz que falar dá azar. Pode ser uma
superstição boba, mas a gente nunca sabe...
-Eu
preciso desabafar com alguém, pode ser com você?
-Claro
que sim, meu amigo... se quiser falar, fale.
-Nesse
pesadelo eu me via fora do meu corpo.
-Que?
Me explica isso...
-Era
como se a minha essência estivesse desgrudada do meu corpo. Fora
dele... como se meu corpo já não tivesse mais a mínima importância
ou utilidade.
-Impressão
minha ou isso é eufemismo pra me dizer que você se viu morto nesse
pesadelo?
-Basicamente
foi isso. Fiquei preocupado, claro... afinal de contas, apesar de
tudo, ainda gosto da vida. Só sigo buscando um sentido, sabe?
-Entendo...
-O
Cláudio notou que eu tava com uma cara esquisita. Eu não quis dizer
nada a ele... ele puxou o nervosismo natural de mim, sofre por
antecedência que chega a doer de ver.
-Você
fez bem de não dizer nada. Mas tenta esquecer desse pesadelo, meu
amigo. Foi só um sonho ruim, de repente foi pegadinha do seu
inconsciente...
-Assim
espero, Riva... assim espero.
CORTA
A CENA.
CENA
7: Horas depois, Suzanne liga para Guilherme.
-Oi,
Suzanne. O que manda dessa vez?
-Oi,
“Henrique”... tá tudo bem com você também, querido?
-Não
seja falsa, isso não combina com você.
-Se
não combinasse eu não teria ficado rica, então você apenas aceite
a maneira que eu escolhi te tratar, porque quem te banca sou eu.
-Eita...
ligou só pra me jogar isso na cara, foi?
-Claro
que não, seu panaca, você sabe o motivo.
-Vai
de minha babá lá na estreia do seu querido filhinho de quem você
nunca lembrou de ser mãe?
-Olha
aqui, Guilherme, chega de me apontar o dedo! Você não sabe de nada!
Óbvio que eu vou com você, seu louco. Você está proibido de dar
um único passo sem a minha companhia, tá me ouvindo bem?
-Isso,
imbecil, fala meu nome, retardada! Esqueceu que sou Henrique agora?
-Que
seja. Você quer ver o Cláudio estreando o monólogo?
-Claro
que quero. Você sabe que essa é uma das pendências que tenho.
-Então
vai ser do meu jeito, porque senão eu tomo o seu dinheiro, você
sabe que eu faço isso a hora que eu quiser. Você sequer pode abrir
uma conta corrente, então o dinheiro não está seguro. E pode ser
meu se você der um único passo em falso.
-Você
não tem mesmo noção do perigo, não é mesmo, Suzanne?
-Não
tenho medo de um maluco. Tenho mais com o que me preocupar.
-É,
mas pelo visto tá se borrando de medo de eu fazer algo com seu
filhinho.
-Cale-se!
Nos encontramos mais tarde. E vai ser do meu jeito.
-Não
tenho outra saída...
CORTA
A CENA.
CENA
8: Valentim escuta a gravação da ligação grampeada de Suzanne e
chega ao trecho em que Suzanne chama Guilherme pelo nome. Perplexo,
escuta o restante da gravação. Ao final da gravação, Valentim
olha para os lados.
-Deus
do céu! As suspeitas estavam certas o tempo inteiro... e são mais
graves do que eu pensava! O Guilherme realmente está no Rio e não
parece estar disposto a uma aproximação amigável com o Cláudio...
pensa, Valentim, pensa! Alguma coisa precisa ser feita imediatamente!
FIM
DO CAPÍTULO 153.
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