CENA
1: É Guilherme que está do outro lado da linha.
-Você
deveria ser mais gentil comigo, Suzanne.
-Não
vejo nenhum motivo pra isso. Você não disse que não voltava tão
cedo ao Brasil? Se você pensa que vai fazer alguma coisa contra o
meu filho, vai ter que passar por cima do meu cadáver e você sabe
que não é fácil me deter, Gui...
-Nem
continua. Agora eu sou Henrique, esqueceu desse detalhe? Você pode
estar sendo gravada, sua anta.
-Que
seja. Veja bem, “Henrique”: eu não vou permitir que nada de mal
aconteça nem a ele nem a ninguém, tá registrando bem o que eu tou
dizendo?
-Ui,
estou morrendo de medo dessa sua versão bravinha. Eu tou te ligando
porque tou precisando de grana.
-Mais?
Eu não acredito que você torrou tudo o que eu te dei em tão pouco
tempo.
-Ah,
você sabe como é... eu aproveitei pra dar uma visitada em outros
países.
-Você
não recebeu esse dinheiro todo pra ficar passeando. Tinha que ter
sossegado esse seu cu na Índia! Você não disse que queria começar
uma nova vida? Pois que comece, mas longe daqui! Longe do meu menino!
Você é o único culpado de eu mesma não ter me mandado dessa
republiqueta das bananas. Por sua causa eu ainda tenho que ficar
nessa merda de país, nessa merda de continente... se não fosse por
você, eu já teria ido embora, porque não tem mais nada que me
prenda aqui. Agora, se você fizer qualquer coisa contra Cláudio,
você é um homem morto. Morto, tá me ouvindo? A única coisa que me
impede de ir embora imediatamente desse país de merda é que eu
preciso me certificar que meu filho vai estar a salvo, só isso.
-Não
venha com ameaças que você não pode cumprir, Suzanne. Você sabe
perfeitamente que não seria capaz de matar ninguém. Só matou seu
pai e lentamente... não tem o sangue frio que mente ter.
-Ah,
mas você realmente não sabe do que eu sou capaz. Você sabe há
muito tempo que eu só permiti que você ficasse perto dele porque eu
acreditei que seria melhor pra ele, ter um homem rico por perto. Mas
a sua loucura passou dos limites. Sua obsessão é doentia, Gui...
-Henrique,
por favor.
-Ah,
quer saber? Vá pro inferno!
-Você
tá muito esquentadinha, Suzanne. Isso não faz bem pra esse seu
coraçãozinho de gelo, sabia? Não vai infartar agora, né? Ainda
tem muito pato pra cair no seu charme barato. Outra hora a gente se
fala, ainda tenho uma grana aqui guardada. Até mais, queridinha.
-Vá
à merda!
Suzanne
desliga, enfurecida. CORTA A CENA.
CENA
2: Vicente está checando a iluminação dos estúdios da produtora
para iniciar as gravações de mais um episódio da série de Rafael,
quando Riva o chama.
-Amor,
eu sei que você tá ocupado aqui, mas tem uma pessoa querendo
conversar com você na sala.
-Quem,
Riva?
-Você
vai ver quando a gente chegar à sala.
Riva
leva Vicente à sala e Vicente se surpreende.
-Leandro
César Martins! Que ventos auspiciosos são esses que te trazem aqui?
Faz anos que não te vejo, rapaz! Meu melhor trabalho foi numa novela
que você escreveu...
-E
você foi um dos atores mais dedicados e que mais compreenderam a
essência do meu texto.
-Confesso
que estou surpreso que você tenha vindo na minha casa. O que te
trouxe aqui?
-Fiquei
sabendo do sucesso que Fermata Visual anda fazendo. E vim dizer que
me desliguei da emissora.
-Que?
Você tá falando sério? Só pode ser uma pegadinha, isso... onde
estão as câmeras?
-Nunca
falei tão sério. Eu tenho uma sinopse de uma novela... e queria que
ela fosse produzida pela Fermata Visual.
-Mas
eu nem tenho o aparato necessário pra tudo isso ainda!
-Eu
sei disso, Vicente. Estou oferecendo meu trabalho, mas compreendo que
está tudo no começo.
-Inclusive
que você, caso seja contratado, não receberia salário de imediato?
-Sim.
Eu acredito no crescimento desse projeto... de verdade. Agora preciso
ir... mas pense na minha proposta... eu posso ajudar no crescimento
da Fermata Visual. Fique com meu cartão, assim você me retorna a
qualquer momento.
CORTA
A CENA.
CENA
3: Eva e Renata mandam notícias em vídeo gravado para seus pais.
Regina, Cleiton, Adelaide e Geraldo assistem o vídeo gravado por
elas.
-Mãe,
pai... nós estamos bem, embora tudo seja bastante cansativo, mas
prazeroso. Partimos daqui dois dias para alguns países da África
onde precisamos pressionar as autoridades sobre os direitos básicos
da mulher que são negados. Nos desejem sorte! - fala Renata.
-Vai
ser um momento simbólico pra gente ter a dimensão exata do que
significa toda essa nossa militância feminista. Nossa luta pelos
direitos das mulheres está só começando. Ainda vamos viajar para
vários países antes de encontrar algum tempo pra podermos voltar ao
Brasil. Mas assim que a gente voltar, eu quero uma macarronada
daquelas que só você sabe fazer, pai... - fala Eva.
-A
gente não tem muito tempo pra continuar gravando esse vídeo, mas
morremos de saudade de vocês e do Brasil... principalmente da
comida. Amamos vocês. - fala Renata.
O
vídeo é encerrado e Regina fica encantada.
-É
impressionante ver como elas estão cada vez mais maduras. A Renata
fez a Eva crescer tudo o que ela precisava... - fala Regina.
-De
fato, minha amiga... a Renata ensinou muita coisa a mim também. Fico
feliz pelo rumo que nossas vidas estão tomando depois que entendemos
o valor dessa luta... - fala Adelaide.
CORTA
A CENA.
CENA
4: Laura, Haroldo e Mateus conversam sobre os rumos da peça.
-Eu
sei que não devia reclamar, porque o público que nos assiste adora
a peça, mas confesso que não vejo a hora da gente voltar a viajar
pelo país com a peça sem encontrar problemas com esses
conservadores que aparentemente não tem vida própria... - fala
Haroldo.
-Nem
fale, amor. Eu que passei tanto tempo me escondendo por medo de ter
minha carreira prejudicada fico mais frustrado ainda. Justo quando a
gente dá esse passo adiante, a gente fica meio refém desses
cagadores de regra... - desabafa Mateus.
-Ah,
meninos... querendo ou não tudo isso já era previsível. Vocês
sabem que esses crentes gostam é de fazer barulho. São mais
closeiros do que toda a comunidade LGBT junta. Mas vocês vão ver
como logo o foco deles muda... estão sempre à caça de algum
assunto que gere “polêmica” pra que assim eles possam falar
besteira à vontade, cheios daquele falso moralismo, que prega uma
vida não mundana, mas que esconde por debaixo dos panos muito mais
sujeira do que a gente possa sequer supor... - fala Laura.
-É
frustrante mesmo assim... se bem que com sua gravidez avançando,
essa pausa na turnê não chega a ser tão problemática. A gente
pode acabar voltando depois que o bebê nascer... - fala Mateus.
Laura
percebe que o bebê se mexe.
-E
pelo visto ele tá gostando desse papo, viu? Acabou de mexer! - fala
Laura, emocionada.
Haroldo
coloca a mão na barriga de Laura e se derrete ao perceber a
movimentação do filho.
-Gente...
é verdade. Meu filho tá se mexendo!
Todos
se emocionam. CORTA A CENA.
CENA
5: Marion estranha saída repentina de Ivan e desabafa com Rafael.
-Tou
com um pressentimento nada bom em relação a essa demora do seu pai
em aparecer...
-Ah,
mãe... nem começa! Você sabe que tem mais de três anos que o pai
tá controlado, nunca mais foi nesses lugares.
-Mas
também nesse tempo todo ele nunca saiu sem dizer pra onde ia. Você
lembra do que isso significa.
-Vamos
torcer pra que ele só tenha ido espairecer, mãe...
-Não
dá pra ser otimista em relação a isso. Se ele tivesse aceitado
minha sugestão aquela vez que falei sobre os Jogadores Anônimos,
talvez ele não estivesse tendo recaídas.
-Como
é que você pode afirmar que ele foi jogar, mãe? Tenta ter um olhar
mais generoso com ele, por favor... ele só não disse onde ia. Nem
deu hora pra voltar. Às vezes a pessoa só precisa de um tempo de
solidão tendo uma família tão grande... não fica assim, mãe. O
pai não merece essa sua má vontade.
-Rafael...
você sabe que não é má vontade. Nós, só nós e seu irmão
Haroldo sabemos o que nós passamos com o vício deles. O Ivan é um
caso crônico... diferente do seu irmão, que conseguiu superar pela
força de vontade.
-Ainda
assim eu não acho justo tirar essas conclusões tão
precipitadamente. Vai por mim, mãe...
-Eu
queria, meu filho... mas você sabe que minha intuição não é
pouca.
-Mãe,
existe uma diferença bem grande entre intuição e estar escaldada.
-Deus
queira que o certo seja você e não eu...
-E
se for o que você tá pensando, a gente sempre encontra um jeito.
Relaxa, mãe...
Marion
segue preocupada e Rafael afaga a mãe. CORTA A CENA.
CENA
6: Cláudio chega em casa depois de outro ensaio e Márcio percebe
que filho está calado demais, seguindo ele até a cozinha.
-Desculpa
incomodar, filho, mas... notei que você está caladão... nem parece
com você normalmente...
-Ah,
pai... não é nada demais.
-Você
sabe que pode desabafar qualquer coisa comigo, não sabe?
-Sei.
Mas acho que você não pode me ajudar.
-Ajudar
eu não sei se posso, mas posso te ouvir... já é alguma coisa...
-Sabe
o que é? Quanto mais chega perto do meu retorno aos palcos, mais
nervoso eu fico.
-Isso
sempre foi assim?
-De
certa forma, pai. Só que agora é diferente.
-Mas
por que seria tão diferente? Você ainda se chateia por ter que
adiar o casamento pela segunda vez?
-Não...
isso já foi devidamente conversado com o Bruno... ele entendeu de
cara praticamente... sabe o quanto o teatro significa pra mim.
-Então
não entendo esse estado de nervos que você está. Chega a estar
mais magro, inclusive.
-É
que é a primeira vez na vida que vou encarar um monólogo. Eu sempre
quis, pai... de coração. Mas agora que esse desafio vai se tornar
real, morro de medo de não dar conta.
-Você
confia no seu talento?
-Tenho
medo de confiar, sinceramente. Sempre tive um medo monstruoso do
ego... a vaidade me apavora. Se eu achar que sou sempre bom, eu posso
me tornar um daqueles atores que fica cegado pelo ego. Não quero
isso pra minha vida...
-Só
que você também não pode permitir que o medo te paralise, né...
-É,
pai... você tem razão...
Os
dois seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA
7: Vicente liga para o autor de novelas que se demitiu da emissora.
-Boa
noite, Leandro... espero não estar incomodando.
-De
forma alguma, Vicente. Já tem um posicionamento sobre minha
proposta?
-Tenho
sim... a minha resposta final é que eu aceito que você venha para a
Fermata Visual.
-Excelente!
Quando eu posso ir aí?
-Amanhã
mesmo, se quiser. Mas você está ciente de que esse é um contrato
temporário ainda, né?
-Sim,
Vicente. Eu sei que nos primeiros meses sequer vou receber salário.
Eu já imaginava isso mesmo antes mesmo de tomar a decisão de me
desligar da emissora. Se eu resolvi entrar nesse projeto, é porque
estou disposto a investir meu próprio dinheiro nele. Eu confio muito
na qualidade da Fermata Visual. É por isso que decidi contribuir com
minha arte.
-Maravilha.
Bem, já que você está ciente de tudo, eu gostaria de te convidar a
conhecer todo o complexo de estúdios, além de acompanhar as
gravações da série que estamos produzindo no momento.
-Vou
adorar acompanhar tudo. Bem, meu amigo, agora eu preciso desligar.
Vou ver se amanhã mesmo eu já apareço pra fazer esse tour pelos
estúdios.
-Perfeito.
Até mais, Leandro!
CORTA
A CENA.
CENA
8: Horas mais tarde, já pela madrugada, Marion espera pela chegada
de Ivan, sozinha na sala.
Ivan
surge abrindo a porta e se depara com Marion.
-Posso
saber onde você andava até uma hora dessas? Vão ser duas da manhã,
Ivan!
-Eu...
resolvi andar um pouco pela praia... espairecer.
-Ivan,
não me engane. Andar na praia e espairecer embecado desse jeito?
-Você
sabe que valorizo o estilo.
-Olha
bem nos meus olhos, Ivan... me fala o que você foi fazer.
Ivan
percebe que não vai conseguir mentir à esposa e se desespera.
-Eu
juro que posso explicar. Foi só dessa vez! Eu juro que foi!
-O
que você fez, amor? Eu não acredito!
Ivan
explode em choro e Marion o abraça.
-Não
deu, Marion... foi mais forte que eu... eu juro que pensei que tava
livre de tudo isso, mas eu apostei de novo.
FIM
DO CAPÍTULO 147.
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