CENA 1: Márcio permanece atônito
diante da revelação da gravidez de Riva, que está apreensiva pela
reação do namorado.
-Fala alguma coisa, Márcio! Eu
acabei de falar que tou esperando um filho seu e você fica com essa
cara de tacho?
-Eu... não sei por onde começar.
Nunca imaginei que fosse ser pai tão jovem! Faço dezenove anos mês
que vem... e você, Riva? Já parou pra pensar que vai ser mãe aos
dezesseis?
-Já parei pra pensar nisso sim,
amor. Tou disposta a arranjar um emprego antes da barriga aparecer,
pra ajudar nas despesas e na preparação do enxoval do bebê. Só
que tem uma coisa que eu preciso te contar... uma verdade que te
escondi no dia que a gente se conheceu...
Márcio fica apreensivo.
-Fala logo, Riva... tá me
assustando.
-Eu menti a minha idade. Na verdade
eu não vou fazer dezesseis anos em maio... eu vou fazer quinze.
Desculpa ter mentido, é que desde o primeiro momento eu me encantei
por você e pelo seu heroísmo, achei que você não ia dar bola pra
uma garota de catorze anos...
-Você tem noção da gravidade
disso? Você ainda tem catorze anos e está carregando uma criança
aí dentro!
-Qual é a diferença? Catorze,
quinze... só menti a minha idade por um ano. Por favor, amor... me
perdoa! Agora vamos ter um filho! Não quero nem pensar o que vai ser
de mim se eu ficar sozinha no mundo pra cuidar de um bebê.
-Tudo bem, Riva... pode ficar
tranquila que eu não vou te deixar sozinha. Vamos assumir essa
criança juntos. Depois, você faz quinze em maio mesmo, já falta
pouco...
-Me abraça, Márcio?
Márcio abraça Riva, que suspira
aliviada. Márcio mostra uma expressão apavorada, como se estivesse
buscando uma maneira de escapar de tudo aquilo. Olha fixamente para a
gaveta do móvel onde Riva guarda a pequena herança. Riva divaga.
-Fico pensando na cara que esse
bebê vai ter, se vai parecer comigo ou com você. Se for menino e
puxar você, vai ser lindo! E se for menina? Fico pensando se ela vai
parecer comigo ou com minha falecida mãe. Você tinha que ter
conhecido dona Marinete, pena que ela morreu há quase quatro anos...
ela era linda!
-Você não acha cedo demais pra
gente ficar falando disso, Riva?
-Cedo? Daqui uns nove meses vamos
ter um filho, não acho cedo não. A não ser que você esteja
pensando em...
-Desistir? Nem pensar, meu amor.
Não te disse que assumo essa criança? Depois eu já tou quase
arranjando um bom emprego, nossa vida vai melhorar, Riva!
Riva permanece a divagar sobre o
bebê e Márcio mostra claro desconforto, buscando disfarçar diante
da namorada. CORTA A CENA.
CENA 2: Na manhã seguinte, Riva se
acorda e percebe que Márcio não dorme ao seu lado. Vai até a
cozinha esperando encontrá-lo.
-Márcio? Amor, onde cê tá?
Riva olha as horas no relógio.
-Se bem que já são oito da
manhã... quem sabe ele já saiu pra trabalhar...
Riva volta para o quarto e percebe
que os calçados de Márcio não estão ao lado da cama. Intrigada,
ela resolve olhar o roupeiro e não encontra uma única peça de
roupa de Márcio.
-Desgraçado! Não acredito que
você fugiu, Márcio!
Riva então abre a gaveta do móvel
onde guarda a herança de sua mãe e, no lugar do dinheiro, encontra
um bilhete escrito por Márcio.
“Riva, eu andei pensando
melhor e resolvi te deixar. Sabe aquelas desconfianças da sua tia de
eu ser infiel? Ela tinha razão. Eu tenho outra namorada em Niterói
e é pra lá que eu vou. Mas não adianta nem me procurar, com o
dinheiro da sua herança eu e ela vamos viajar para longe. Você vai
aprender a se virar sem mim. Quanto ao apartamento, eu deixei o
aluguel do mês que vem pago. Depois disso, você vai ter que dar um
jeito de sair daí. Dá um jeito, se vira. Sou muito jovem pra
estragar minha vida cuidando de um bebê chorão. Depois, mentira por
mentira, você também mentiu a idade pra mim quando a gente se
conheceu. Estamos quites agora. Ah, nesse momento já deve ter ficado
claro que eu levei a herança da sua mãe, então dê um jeito de não
passar fome, porque eu vou usar esse dinheiro pra me divertir.
Adeus,
Márcio.”
Riva chora desesperada, de raiva e
desamparo.
-Nunca mais nenhum homem vai me
passar a perna nessa vida. Nunca mais! CORTA A CENA.
CENA 3: Marion percebe que o
enteado Haroldo está apreensivo.
-Oi pra você também, Haroldo!
-Desculpe, tia Marion, ando com
dificuldade na escola, nem vi que você tava aqui na sala.
-Engraçado, porque mesmo você
estando com o uniforme da escola, eu não vejo mochila nenhuma nas
suas costas.
Haroldo percebe que esqueceu da
mochila antes de sair pela manhã.
-É que... bem... hoje a aula
era... era oral!
-Demorou muito pra responder,
rapazinho. Veja bem, querido... Não estou contra você, mas você
sabe muito bem que seu pai é viciado em apostas e jogos de azar e
vive te pedindo pra manter distância de tudo isso. Se você me
contar a verdade eu prometo que não conto nada pro seu pai, tudo
bem? Só que eu preciso saber o que está acontecendo pra quem sabe
te ajudar, pode ser?
-Tudo bem, tia Marion... eu gosto
de você. Sei que dá pra confiar. Eu não fui à aula de novo. Fui
fazer apostas.
Marion fica apreensiva.
-Se o Ivan te pega no pulo, não
quero nem estar aqui pra ver a surra que ele vai te dar. Haroldo,
você precisa me prometer que vai ir à aula e não ficar apostando.
Já pensou se seu pai dá por falta do dinheiro que você anda
pegando escondido?
-Tá certo. Prometo que vou me
esforçar. Ei, você não é boa em geografia? Podia me ajudar...
-Claro, querido! Mas você precisa
prometer que vai levar os estudos a sério.
Ivan chega em casa naquele momento
e Marion fica com medo de que ele tenha escutado a conversa entre ela
e o enteado.
-Oi, amor! Como foi a reunião com
diretor da novela?
-Marion... ótimas notícias! Sua
personagem na novela das seis é um sucesso e você foi indicada ao
prêmio de atriz revelação!
Marion vibra com a notícia e sente
uma forte tontura, sendo acudida pelo marido.
-O que foi isso, amor?
-Ando sentindo essas tonturas...
-Será que você tá grávida? -
empolga-se Ivan. CORTA A CENA.
CENA 4: Novembro de 1996.
Riva está terminando de atender um
cliente na lanchonete do seu Anacleto, que a acolheu no cômodo do
andar de cima da lanchonete, quando sente-se desconfortável.
-Gente, que calor infernal é esse?
O verão nem começou...
-Querida, isso é o Rio de Janeiro.
-Eu sei, seu Anacleto, mas você
não tá aguentando esse calor com um barrigão de nove meses.
-Já te falei que não precisava
trabalhar até o fim da gravidez, Riva! Eu ia continuar te pagando de
qualquer jeito...
-Faço questão, seu Anacleto!
Trabalhar me motiva e me faz esquecer de todo mundo que me traiu na
vida.
Seu Anacleto liga a televisão e
nela está sendo transmitida a premiação dos melhores do ano.
Ouve-se o som da TV
“E quem leva o prêmio de
atriz revelação de 1996 é... Marion Bittencourt!”
Riva se revolta.
-Desliga essa TV, seu Anacleto! Só
de ouvir o nome dessa vendida já começo a passar mal!
-Deixe de pirraça com a sua tia,
menina! Ela é uma mulher batalhadora, uma grande atriz que está
sendo reconhecida pelo trabalho em todo o Brasil! Depois, o povo ama
Marion Bittencourt!
-Tá certo. Sou voto vencido nessa
lanchonete, né? Então vamos ver a grande vendida sendo premiada por
ter se vendido pro playboy mais baladado da cidade!
-Você e sua implicância, Riva...
-Olha que ridícula, ela indo
receber a premiação com esse barrigão...
-Como se você não estivesse
grávida também, né?
-Dá um tempo, seu Anacleto! Pelo
menos eu não tou fingindo ser toda chiquetosa e achando que um
vestido daqueles cai bem com um barrigão quase estourando, né! Olha
lá, parece que vai explodir, a coitada. Quer ver que vão falar mal
do figurino dela nas revistas depois? Tá ridícula...
Anacleto ri de Riva. CORTA A CENA.
CENA 5: Marion está muito
emocionada por ser premiada atriz revelação de 1996 e sobe ao palco
para dar seu discurso de vitória.
-Eu sinceramente não sei nem
encontrar as palavras certas pra agradecer! Há um ano, eu estava na
companhia de teatro e apareceu o homem da minha vida, Ivan. Mal sabia
eu que minha vida ia mudar pra sempre e que todos os meus sonhos
virariam realidade. Desde criança eu sonhei em ser atriz, então
hoje eu estou realizando acima de tudo um sonho que acalento desde a
minha mais tenra infância. Ainda tenho a sorte de ter no meu marido
o meu melhor amigo, parceiro, amante e empresário. Minha vida se
divide entre antes e depois de Ivan Bittencourt e a ele devo
inclusive o sobrenome que me fez famosa na novela. Esse prêmio que
recebo hoje só me dá a certeza de que todos os percalços pelos
quais passei, todas as lutas até chegar aqui valeram absolutamente a
pena. Hoje sou uma mulher realizada, profissional e amorosamente. E
ainda estou prestes a realizar meu sonho de ser mãe. É uma loucura!
Nunca me imaginei sendo mãe tão jovem. Mas posso dizer com muita
certeza que meus poucos 20 anos foram muito bem vividos. E que venham
mais 20, 30, 40 anos! Minha realização maior na vida é ver o
Brasil sonhar e acreditar numa vida melhor e sei que hoje cumpro meu
papel, como atriz, de representante do nosso povo sofrido, que apesar
de todos os percalços da vida ainda insiste em sorrir, em ser
otimista, em ser guerreiro. Se os deuses do teatro me ouvirem, meu
filho também há de encantar a todos nós um dia, na televisão,
ajudando toda nossa gente a acreditar num futuro mais bonito, a
sonhar, a viver nas nuvens das novelas que nosso país produz e que a
cada dia mais são reconhecidas internacionalmente.
Ao terminar o discurso, Marion
sente uma forte contração e entra em trabalho de parto. CORTA A
CENA.
CENA 6: Durante a madrugada quase
ao amanhecer, acomodada na peça cedida por seu Anacleto, Riva
sente-se desconfortável e vai ao banheiro. Ao rumar em direção ao
banheiro, percebe que a sua bolsa rompeu e fica apreensiva.
-Seu Anacleto! Minha bolsa
estourou! Meu filho vai nascer! Acuda, seu Anacleto!
Seu Anacleto, ainda grogue de sono,
vai até o quarto de Riva.
-Segura firme, mocinha. Eu vou
chamar um táxi pra gente ir pro hospital público!
-Rápido, seu Anacleto!
Minutos depois, o táxi chega. Seu
Anacleto acompanha Riva, que está tendo fortes contrações.
-Rápido, seu taxista! A moça está
quase parindo!
Tarde demais. O bebê de Riva nasce
dentro do táxi, emocionando seu Anacleto e o taxista.
Em outro ponto da cidade, em um
hospital particular, naquele mesmo exato momento, nasce o filho de
Marion, também de parto natural. Ivan se emociona ao ver o filho ser
entregue nos braços da mãe.
-Nosso filho é lindo, Marion!
-Vai se chamar Rafael. Sempre quis
dar nome de anjo pro meu primeiro filho.
-Todo esse mistério em torno do
nome só por causa disso, amor? Eu teria aceitado sem nem pensar duas
vezes!
Marion e Ivan afagam o filho.
No hospital público, instantes
depois, Riva e seu filho estão acomodados. Seu Anacleto observa os
dois admirado.
-É um milagre que vocês dois
estejam bem, Riva. Você é uma menina forte!
-E meu filho também, seu Anacleto!
-Como ele vai chamar, Riva?
-Vai chamar Marcelo. Sempre gostei
desse nome.
-Não é muito parecido com o nome
do cafajeste do pai dele?
-Nem um pouco, seu Anacleto.
Depois, eu nem lembro mais daquele imprestável, meu filho não tem
pai, só tem mãe.
-Então está certo, não está
mais aqui quem falou... CORTA A CENA.
CENA 7: Rio de Janeiro. Bairro
Santa Tereza, 2016.
Riva está na cozinha logo cedo
pela manhã, preparando seus salgados para vender. Seu filho Marcelo,
agora um jovem de 19 anos, observa a mãe.
-A senhora sempre nessa coisa de
madrugar pra preparar suas quentinhas, né?
-Bom dia pra você também, filho!
Caiu da cama? Achei que hoje não tinha aula na faculdade.
-Bom dia, mãe. Você tá certa,
não tem aula hoje. Mas eu ainda acho que a senhora não precisava
vender quentinha todo dia.
-E eu vou me virar como, me
explica? Não tenho estudo, falo as coisa tudo errado, nem pros
telemarquiti iam me contratar!
-Mas a senhora trabalha demais,
mãe! Depois, eu já cansei de te dizer que não me custa nada
arranjar qualquer emprego pra ajudar nas despesas aqui de casa.
-Não, meu filho. Você não
precisa trabalhar agora! Minhas quentinha dão pro gasto de pagar tua
faculdade.
-Mas é muito trabalho pra uma
pessoa só, mãe! Bem, te conhecendo como eu conheço, eu sei que a
senhora não vai deixar eu trabalhar pra pagar minha faculdade, né?
-Ainda bem que me conhece pra saber
disso.
-Mas deixa eu ir com a senhora hoje
ajudar nas vendas das quentinhas?
-Tá certo. Não tenho alternativa,
né? Cê vai me atazanar até eu deixar!
Os dois se abraçam com
cumplicidade. CORTA A CENA.
CENA 8: Na mansão dos Bittencourt,
Rafael chega afoito da praia, chamando a atenção de sua mãe Marion
e sua irmã Mariana.
-O que foi, meu filho? Tá com cara
de assustado... tentaram te assaltar de novo?
-Antes fosse, mãe... antes fosse!
Cês acreditam que eu não posso nem mais ir à praia sem ser
perturbado por um bando de meninas adolescentes gritando e tentando
me agarrar a qualquer custo? Dai-me paciência!
-São suas fãs, bobinho! Depois, o
Brasil inteiro acredita que o novo galã da novela juvenil é hetero,
então as adolescentes vão enlouquecidas pra cima mesmo, maninho...
é o preço da fama! - fala Mariana, realista.
-Não fale assim com seu irmão,
Mariana! - fala Marion, defendendo o filho.
-Ah, o que foi agora, mãe? Tou
falando alguma mentira? Tudo nessa vida tem um preço, só resta
saber se o Rafa vai dar conta do preço que assumiu pagar pela fama.
-Poxa, maninha! Nós sempre fomos
tão amigos e você me critica desse jeito? Nem eu nem nossa mãe,
muito menos nosso pai concorda com essa mentirada toda que me cerca.
Até parece que você não sabe que a exigência foi da minha
assessoria de imprensa, pra eu não ficar queimado e não perder
trabalhos na TV! Você pensa que eu me sinto feliz com isso? Claro
que não! Se antes eu já precisava me esconder da sociedade
homofóbica, agora preciso me esconder dos paparazzi também!
Marion percebe que os dois estão
prestes a discutir e interrompe.
-Vocês querem fazer o favor de
parar de bater boca na frente da mãe de vocês? Ô, derrota! Vê se
coloca na sua cabeça que enquanto eu não consigo novamente um bom
trabalho na TV, o sustento da nossa casa vem do seu irmão, Mariana!
Porque se depender do pai de vocês, ele torra tudo em aposta,
jogatina e a gente estaria debaixo da ponte!
Nesse momento, Ivan desce as
escadas da mansão e escuta o que Marion acabara de dizer. CORTA A
CENA.
CENA 9: Marcelo está ajudando a
mãe a vender os salgados na beira da praia. Riva grita para chamar a
atenção de potenciais clientes.
-Quentinhas da Riva! Quentinhas da
Riva! Pode vir que é bom e barato! Quentinhas da Riva!
Marcelo observa um grupo de
turistas andando na orla.
-Mãe, vem comigo, aqueles ali são
turistas e estão com pinta de estrangeiros!
-Meu filho, eu não sei falar
inglês...
-Mas eu sei. Confia em mim, mãe!
Eu converso com eles.
-Esse meu filho que me enche de
orgulho... vai lá, querido.
Marcelo leva a caixa cheia de
salgados e convence os turistas a comprarem as quentinhas de Riva,
que o observa orgulhosa. Ao virar-se para o outro lado, avista
Ricardo, namorado do filho Marcelo, beijando outro rapaz na beira do
mar. Perplexa com a cena, Riva age rapidamente e caminha rapidamente
em direção ao filho, assim que ele termina a venda das quentinhas e
procura inventar uma desculpa para distrair o filho, de forma a
protegê-lo de ver a traição ao ar livre.
-Mais uma vez você me enche de
orgulho, Marcelo... se eu pudesse voltar no tempo ia fazer tudo
igual, porque um filho como você não existe igual...
Marcelo estranha o excesso de
melosidade da mãe, mas aceita o abraço dela. Riva pensa rápido em
uma maneira de distrair o filho e evitar que ele olhe para a beira do
mar.
-Filho, aquele não é o seu amigo
Cláudio da sua turma de psicologia?
-Não é ele não...
Marcelo acaba vendo à beira-mar
seu namorado com outro homem e se choca.
-Ih, danou-se! - lamenta Riva. FIM
DO CAPÍTULO 2.
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