CENA 1: Setembrino se apavora e
Cláudio tenta manter o sogro calmo.
-Calma, Setembrino... o médico
não disse nada ainda. - fala Cláudio.
-Fala, doutor! Como foi a
cirurgia? - pergunta Setembrino, aflito.
-A cirurgia foi demorada, não
por conta do Bruno, mas por conta da dona Vânia, cuja sedação
demorou a fazer efeito. A cirurgia foi um sucesso! - fala doutor
Rogério.
Cláudio e Setembrino se
abraçam, aliviados.
-Vamos poder visitar eles? -
pergunta Setembrino.
-Ainda não, pois eles estão
na sala de recuperação. Sua esposa está salva e vai ficar apenas
mais dois dias aqui no hospital em observação. Se eu fosse vocês,
iria para casa, descansar. Eles só vão pode receber visitas bem
mais tarde. - fala Rogério.
-Quantas horas ainda faltam
pra que a gente possa falar com eles? - pergunta Cláudio.
-De três a quatro horas. -
esclarece o médico.
-Por mim eu fico aqui no
aguardo. E você, seu Setembrino? - pergunta Cláudio.
-Claro que eu fico. Afinal de
conta, é a minha mulher e o meu filho que estão lá... - fala
Setembrino.
-Sua esposa teve sorte, seu
Setembrino. Se essa cirurgia de transplante levasse mais duas semanas
para ser realizada, talvez ela não tivesse resistido à espera,
afinal de contas já tinha passado por três paradas cardíacas. -
fala Rogério.
-Ainda bem que nosso filho
pode fazer isso pela Vânia. Agora é vida nova! - comemora
Setembrino.
-Bem, vocês me deem licença
que eu preciso acompanhar outro procedimento cirúrgico. - fala o
médico, indo embora corredor adentro.
-É, meu sogro... temos um
problema a menos agora.
-Sabe, Cláudio... eu tive
muito medo. Queria ter podido fazer mais pela minha mulher, só que
eu fiquei meio imprestável depois do infarto...
-Pare com isso, Setembrino.
Você não pode achar sempre que carrega o mundo nas costas. Foi por
isso que você infartou e o Bruno me disse. Sempre pegando o problema
de todo mundo, tomando pra si e tentando resolver o que nem
responsabilidade sua era. Pensa que a vida te deu essa oportunidade
há anos atrás de colocar o pé no freio pra reavaliar essas coisas.
Não é preciso deixar de ser bom e generoso, só não dá pra se
esquecer de si mesmo, sabe? Tou vivendo esse aprendizado todos os
dias, meu sogro... já fui um sujeitinho muito mais mimado do que
possa parecer ser. E ainda tenho muito a melhorar em mim, pra parar
de me sentir vítima do mundo ou achar que eu devo alguma coisa às
pessoas mais que a mim mesmo.
-Sabe, Cláudio... você é
como um filho pra mim, mesmo eu te conhecendo há tão pouco tempo.
Você pode não saber sempre do valor que tem, mas ajuda muito a
gente quando senta pra conversar com a gente. Eu me senti muito
impotente quando pouco tempo depois do meu infarto, a Vânia começou
a sofrer dos rins... fiquei pensando que eu podia fazer tanta coisa a
mais e simplesmente não podia mais sem que o meu médico me
trucidasse...
-Pensa na sorte que a gente
teve. No final das contas, cada coisinha mínima que aconteceu e que
ainda vai acontecer é porque tinha de ser. E já que a gente vai
ficar aqui esperando até a hora de pode visitar os dois, acho que a
gente tá merecendo fazer um lanche e tomar um café, não?
-Por favor, meu querido...
agora que a ansiedade passou eu percebi que passei o dia inteiro sem
comer nada!
-Viu? Daqui a pouco ia acabar
ficando fraco...
Os dois partem para fazer um
lanche. CORTA A CENA.
CENA 2: Horas depois, Cláudio
e Setembrino visitam Bruno e Vânia no quarto do hospital.
-Que bom te ver assim,
acordada e serena outra vez, meu amor... - fala Setembrino.
-Serena eu já tava procurando
ficar, mas agora a sensação é de alívio... acabou aquele
pesadelo. Acabaram os anos de dúvidas e incertezas. E devo tudo isso
ao nosso filho, nosso bem mais precioso... ele salvou minha vida. -
emociona-se Vânia.
-É, amor... tá vendo como a
gratidão é linda? O que você fez pela sua mãe é a coisa mais
linda que eu já testemunhei nesses vinte e poucos anos de vida... -
fala Cláudio.
-Não chega a tanto, Cláudio.
Não fiz mais que minha obrigação. Não mereço aplausos.
-Mas merece todo o amor e toda
a gratidão do mundo por conta desse gesto, pode apostar.
-A minha maior recompensa é
saber que minha mãe está salva e vai poder viver bem até ficar bem
velhinha. E ao nosso lado, já tá decidido!
-Ih, dona Vânia, tá ouvindo
seu filho? - fala Cláudio, marotamente.
-Se a gente não der trabalho
demais a vocês, acho melhor a gente ficar no Rio. Mas não pensem
vocês que não vamos procurar pelo nosso cantinho. - fala Vânia.
-A gente pensa nisso depois,
querida. Agora que é mais certo que a gente não volta mais pra
Coroados, vamos ter que ainda dar uma passada por lá em algum
momento, colocar nossa casa a venda, falar com um corretor de
imóveis... esses trâmites meio chatos e demorados, mas a gente vai
pensar nisso bem pra frente. O que importa é que de agora em diante
é vida nova pra você, meu amor. Vida nova pra todos nós. - fala
Setembrino.
-Só fico chateada que por
conta dessa emergência toda você tenha tido que adiar seu casamento
com Cláudio, filho... - lamenta Vânia.
-Você só pode estar de
brincadeira comigo, mãe... por você eu faria qualquer coisa. Aliás,
não só por você, mas pelo pai também. - fala Bruno.
-Ah, meu filho... palavras não
podem expressar o tamanho do orgulho que eu sinto de você. Orgulho e
gratidão, pelo homem generoso e maravilhoso que você se tornou... -
fala Setembrino.
-Vocês três se juntaram
mesmo em complô pra me fazer chorar, hein? Mais respeito pelo
convalescente porque eu também estou sem um rim! - descontrai Bruno.
Todos riem.
-Amor... eu e o seu pai viemos
ver como vocês estavam, mas a gente ainda vai precisar passar lá em
casa. Como já tá ficando meio tarde, a gente dorme por lá. Mas
amanhã a gente volta assim que der. - fala Cláudio.
-Relaxem, queridos. A gente
aguenta esses dois ou três dias antes da gente voltar pra casa. Não
precisam madrugar pra ver a gente, agora nada de mal pode me
acontecer... - fala Vânia, otimista.
-A mãe tá certíssima. E
você precisa cuidar da alimentação e descansar bem, pai... seu
coração já te pregou uma peça antes, lembra? Não dá pra brincar
de testar os próprios limites. Vão pra casa, descansem que no
máximo em três dias a gente tá de volta pra infernizar a vida de
vocês. - fala Bruno.
-Fiquem com Deus. Amo vocês.
- fala Setembrino.
Cláudio e Setembrino deixam o
quarto de hospital. Setembrino nota olhar zeloso de Cláudio.
-Ih, menino... nem me olha com
essa cara que eu vou me cuidar direitinho sim!
-Sei, seu Setembrino... sei!
Os dois deixam o hospital.
CORTA A CENA.
CENA 3: Eva chama Renata,
antes que elas durmam.
-Amor, você não sabe quem
acabou de doar vinte e cinco mil reais pro nosso projeto!
-Quem, Eva? A Dilma?
-Boba... claro que não! O
Marcelo, cê acredita?
-Sério? Mas quanta
generosidade! Bem, se bem que vindo do Marcelo não se podia esperar
outra coisa.
-Mesmo assim, Renata... é uma
quantia maravilhosa pra quem recém tá começando o projeto. Somado
às outras doações, anônimas ou não, já estamos arrecadando uma
quantia considerável e só falta escolher o local a comprar. Porque
com o dinheiro que tá entrando, não vai ser nem necessário alugel
de peça ou terreno nenhum... vai ser comprado, mesmo. Vai ser nosso
e de todas as mulheres e homens trans que precisarem de apoio e
auxílio.
Renata começa a chorar.
-O que foi, amor?
-Imaginar que tudo isso
começou com aquela tragédia que aconteceu com a gente. Eu fico
confusa aqui, num sentimento que é misto de gratidão com dor. Ainda
me fere muito tudo o que nos aconteceu... a forma como aqueles homens
violaram a gente... a maneira como eu me senti vulnerável naquele
momento. Pensei que ia morrer. Às vezes cansa ser forte o tempo
inteiro e fingir que nada disso aconteceu.
-Calma, Renata... nós não
estamos e nunca vamos estar sozinhas nisso. Conheço a sua dor porque
infelizmente a gente viveu esse trauma juntas. Mas pensei que você
estivesse mais forte que eu, depois desse tempo todo. Nunca mais
tocou no assunto...
-Amor, eu queria te poupar de
relembrar tudo, por isso não falei nada. Mas aquelas cenas ainda
aparecem em flashes na minha mente. Como se estivessem acontecendo
ainda...
-Nunca mais se violente dessa
forma, meu amor... nunca mais. Sempre que se sentir assombrada por
essas lembranças, pode falar comigo. Desabafa o quanto for
necessário. Se mesmo assim a gente não encontrar uma saída pra
superar de uma vez por todas esse trauma, a gente procura terapia. O
que a gente não pode fazer é nos silenciarmos diante dessa dor.
Jamais!
Eva afaga Renata. CORTA A
CENA.
CENA 4: Na manhã do dia
seguinte, Márcio bate cedo na casa de Cláudio.
-Que surpresa te ver aqui tão
cedo, pai! Entra, por favor!
-Não estou atrapalhando nada?
Se você e o Setembrino já estiverem de saída pro hospital visitar
Vânia e Bruno, eu vou entender...
-Nada disso, pai. Estamos
tranquilos aqui, tomando café da manhã sem a mínima pressa. Ainda
mais que esse teimoso do seu Setembrino andou se alimentando muito
mal ontem e precisa cuidar disso...
-Ih, cês nem olhem pra mim
que eu tou fazendo tudo direitinho! - fala Setembrino.
-Senta com a gente, pai. Gosta
de geleia de pimenta?
-É a minha preferida!
-Viu? Alguma coisa eu puxei de
você além do rutilismo recessivo!
-Sabe, Cláudio... eu olho pra
você e pro seu irmão e como vocês se tornaram homens dignos,
retos, de conduta irrepreensível. Sinto muito orgulho de vocês,
sabia? Sinto muito orgulho de você, principalmente.
-Ih, seu Márcio. Que isso
agora? Tá querendo me emocionar logo no começo do dia?
-Não tou falando mentira
alguma, meu filho. Você tem uma força imensa... passou por tudo o
que passou, mesmo antes de ter consciência da própria existência,
depois perdeu seus pais adotivos que tanto te amaram quando era pouco
mais que uma criança mais crescida... e chegou aqui. Está onde
está. É um guerreiro nato... isso me deixa orgulhoso demais de
você, meu filho... de coração.
-Ai, pai... obrigado, de
coração... mas não sei se sou tudo isso. Já fui muito mimado e
ainda sou... e o pior é que é sem motivo aparente. Aceitava fácil
a posição de vítima, sabe? Fui muito intolerante com muitas
pessoas que passaram pela minha vida, acredite. Demorei a compreender
que todo mundo mente, custei a ver minhas próprias mentiras... mas
estou buscando me melhorar.
-Enfim... se você continuar a
falar quem vai se emocionar sou eu com essa maturidade toda...
-Isso é tão relativo, pai.
Acho que nunca vamos ser maduros o suficiente. Mas tá certo, vamos
falar de coisa boa... e a minha avó, como está?
-Tá ótima, trabalhando
demais na polícia, encontrou a vocação dela por lá, mesmo. Você
devia se apressar em conhecer dona Raquel. Melhor pessoa!
-Quer muito ter essa
oportunidade, mas no meio dessa loucura toda tá difícil encontrar
tempo.
Setembrino, Cláudio e Márcio
seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA 5: Suzanne, frustrada por
suas últimas tentativas de golpe não surtirem o efeito desejado,
fica pensativa.
-Não entendo... os meus
métodos sempre funcionaram. Sempre fui uma observadora! Agora eu não
tou conseguindo nem mais identificar quando um cara é hetero ou
gay... o que há comigo?
Suzanne permanece pensativa.
-Agir sozinha é foda, cara...
mais complicado do que imaginei que seria. Mas não entendo como eu
não consigo mais identificar os patos certos. Sempre consegui! O
tonto do Márcio e os outros que me ajudaram em algum momento só
faziam o que eu man... ÓBVIO! É ISSO! Eu preciso dar um jeito de
ter alguém de novo ao meu lado, mas quem? Depois daquela palhaçada
armada pela Riva com a ajuda da minha mãe, fiquei queimada com
grande parte da alta sociedade... e não tou podendo sair do país,
por culpa daquele banana que resolveu me denunciar... mas espera
aí... ele sempre foi louco por mim. Se eu chegar de mansinho,
fazendo a arrependida diante dele e da minha mãe, aos poucos eu
posso trazer ele de volta pro meu lado. Claro! Como é que eu não
pensei nisso antes? Por um tempo eu faço pose de madalena
arrependida e depois eu vou envolvendo o banana de novo nos meus
planos. Isso já funcionou depois que ele saiu da prisão, não teria
porque não funcionar agora...
Suzanne sorri maliciosamente.
-É isso. Sempre fui uma
excelente atriz. Não vai ser difícil convencer as pessoas certas
que eu sou a mais nova santa do pedaço...
CORTA A CENA.
CENA 6: Durante audiência
conciliatória, Marion tenta se manter calma diante de João
Bernardo.
-Você e eu sabemos que nada
do que eu disse é mentira. É um absurdo sem tamanho você tentar
mover um processo contra uma pessoa que não falou nada além da
verdade.
-É mesmo, Marion? As
acusações que você fez contra a emissora são graves. E eu estou
perdendo dinheiro por causa disso. Anunciantes e patrocinadores estão
rompendo conosco, com medo de terem suas marcas associadas à
emissora.
-Então é isso, né, seu João
Bernardo Salinas Filho? Nos tempos do seu pai, jamais aconteceria uma
arbitrariedade judicial dessas. Ele nunca processou ninguém que
denunciou as coisas erradas que acontecem na emissora. E todos sabem
disso. Só trouxe à superfície o que muita gente já sabia
acontecer por debaixo dos panos.
-Eu proponho um acordo,
Marion... se você topar esse acordo, eu retiro a queixa e o
processo.
-Pois fale qual é o acordo...
-Você vai ter que convocar
uma nova coletiva de imprensa, dizendo que se expressou mal e
acreditou em fofocas divulgadas pelos sites de fofoca.
-De jeito nenhum! Você está
querendo que eu peça desculpas por ter dito a verdade?
-É isso ou nada feito.
-Então voltamos à estaca
zero. Eu jamais nessa vida tive de pedir desculpas por dizer a
verdade. Se você está perdendo dinheiro, o problema é inteiramente
seu e da maneira como você anda gerindo a emissora. Seu pai sabe de
tudo isso? Porque se soubesse, aposto que nem deixaria você seguir
com essa palhaçada.
-A minha relação com meu pai
não é da sua conta. Somos pessoas completamente diferentes.
-Disso eu não tenho dúvida.
Nos vemos na próxima audiência. Passar bem.
CORTA A CENA.
CENA 7: Com a ajuda de
Marcelo, Rafael termina de gravar um vídeo para a internet.
-Temos o suficiente, amor?
-Sim. Mas você tem certeza
que quer realmente publicar esse vídeo? Isso é nitroglicerina pura,
vai ser um escândalo, Rafael!
-Sinto muito, mas ninguém
mandou o João Bernardo mover esse processo contra minha mãe. Vamos
publicar sim. Ele vai se arrepender desse mau passo...
Marcelo encara o marido,
apreensivo. CORTA A CENA.
CENA 8: Pouco tempo depois,
Marion chega em casa e Ivan está esperando pela esposa.
-Então, amor... como foi na
audiência?
-Nada feito, pra variar.
Aquele moleque, que não passa de um vândalo de grife, tá mesmo
disposto a complicar minha vida de todas as formas. Não é nem pelo
dinheiro, fico furiosa é com a crueldade dele, mesmo.
-Vai ter nova audiência?
-Vai sim. Mas se ele pensa que
eu vou retirar tudo o que eu disse, tá muito enganado. Se quer
seguir com o processo, que siga. Dinheiro não é problema...
-É, mas o problema vai ser
que você vai ficar bastante queimada na mídia, se ele tiver ganho
de causa.
-Isso, se ele divulgar. Acho
difícil... ele age no escuro, escondido. Se o pai dele soubesse
disso, aposto que não permitiria que nada disso acontecesse.
-Como é que um filho pode ser
tão diferente de um pai? Nunca vou entender isso...
-Nem eu, Ivan... nem eu.
CORTA A CENA.
CENA 9: Márcio, na casa de
Raquel, prepara o jantar e a campainha toca.
-Ué, a dona Raquel nunca
esquece a chave... será que esqueceu no trabalho?
Márcio vai atender a porta e
se depara com Suzanne.
-Você? Se estiver procurando
sua mãe, ela não voltou do trabalho. Nem sei que horas chega.
-Espera, Márcio... eu não
vim falar com ela. Vim conversar com você. Te dizer que me arrependo
de tudo o que te fiz passar.
Márcio se surpreende com fala
de Suzanne. FIM DO CAPÍTULO 123.
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