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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

CAPÍTULO 137

CENA 1: Suzanne permanece sem reação diante de Cláudio.
-E aí, dona Suzanne? Quer dizer que a valentona que aplica golpe em todo mundo e abandona o próprio filho agora não sabe nem como reagir?
-Realmente não esperava que você viesse aqui. Era a última pessoa que eu esperava que fosse me procurar.
-Não pense que estou tentando resgatar qualquer coisa, Suzanne. Você nunca foi minha mãe e eu quero deixar isso bem claro.
-Então por que você está aqui na minha casa, garoto? Criatura bizarra que deve ser você...
-Bizarro ou não, eu só vim aqui por insistência do meu pai. Ele e meu irmão insistiram que eu devia pelo menos uma vez na vida sentar pra conversar com você. Saber de tudo.
-Você quer saber o que, rapaz? Não deu pra perceber que a sua inconveniência me tirou do meu sono de beleza? Tava aqui, dormindo no meu cafofo e vem você me acordando e me metendo o dedo na cara. Na boa, Cláudio, dá o fora daqui. A gente não tem o que conversar.
-A gente tem muito o que conversar, sim. Querendo ou não, o fato é que você me abandonou num orfanato e obrigou meu pai a aceitar tudo isso. Ele sempre foi cego de amor por você e não teve escolha. Me conta mais sobre isso, Suzanne. Quero ouvir da sua boca.
-Tá preparado pra ouvir, fedelho? A história não é bonita. Não tem nada de romântico, nada de especial. Eu te abandonei sim. Te abandonaria de qualquer maneira, mesmo que eu não tivesse engravidado adolescente, sabe por que? Porque um filho nunca esteve nos meus planos. Eu não nasci pro ofício de ser mãe. Mesmo que eu tivesse engravidado de você aos vinte e tantos, eu teria feito a mesma coisa. Isso se eu quisesse realmente levar a gravidez adiante, porque com o dinheiro que eu tenho hoje eu poderia ir a qualquer lugar desse mundo onde o aborto é legalizado e meu problema estaria resolvido. Você só veio atrapalhar meus planos, Cláudio. Um filho só me ocuparia tempo e dinheiro e eu tinha um plano de crescimento pessoal. Esse plano não envolvia filhos. Não te abortei porque é proibido aqui no Brasil e eu era pobre. Se eu vivesse em outra realidade, você nem teria nascido.
-Como é que você tem capacidade de me dizer tudo isso olhando nos meus olhos, mulher?
-E você esperava o que? Que eu fosse tomada por um súbito instinto materno que eu nunca quis ter? Ai, Cláudio... seja menos viado sentimentalóide, na boa.
-Eu não esperava que você me chamasse de filho, Suzanne. Quanto a isso fique bem tranquila que nem eu te reconheceria como mãe. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Mas sabe o que me choca? A sua capacidade de ser fria.
-O que me choca é você esperar alguma coisa de mim, rapaz.
-Não espero nada de você. E vejo que estou fazendo a coisa certa.
-Então você podia sair da minha casa, não podia?
-Claro que posso. Mas esse apartamento nem é seu. É alugado... isso aqui é um hotel, esqueceu? Ou será que a maluquice é maior que eu pensava?
-Você pensa que é quem pra me tomar desse jeito, garoto? Some da minha frente, some da minha vida. Eu nunca devia ter te reencontrado. Você devia me agradecer por ter salvado a sua vida.
-Do que cê tá falando, Suzanne?
-Esquece. Some da minha casa.
Cláudio vai embora perplexo com a frieza de Suzanne e Suzanne desaba em um choro sentido assim que a porta é fechada.
-É melhor que seja assim, meu filho. Você longe de mim vai ficar sempre mais seguro.
Suzanne chora mais um pouco e resolve reagir.
-Chega, mulher. Você escolheu não sentir. Agora aguenta! - reafirma Suzanne a si mesma.
CORTA A CENA.

CENA 2: Cláudio chega em casa e Bruno nota expressão desolada dele.
-Pelo visto a sua conversa com a Suzanne não foi nada boa...
-Nem um pouco, Bruno. Eu pensei que tava suficientemente preparado pra qualquer coisa. Me dei conta de que não estava... essa mulher é fria como uma pedra de gelo. Disse cada coisa que eu fiquei mais que chocado... eu nem sei dizer o que senti, direito.
-Eu sinto muito, amor... de verdade. Eu concordei com o seu pai e com o Marcelo, realmente pensei que essa conversa poderia ser uma coisa boa.
-Mas foi boa sim, Bruno. Sem essa confirmação eu viveria na dúvida. Agora não tenho mais dúvida nenhuma sobre quem é essa mulher que me colocou no mundo.
-Só que ainda assim... você poderia estar melhor agora.
-Eu preciso colocar essas lágrimas pra fora, amor.
-Quer falar sobre a conversa, se isso não for piorar as coisas?
-Claro que quero... eu preciso terminar de exorcizar essa urucubaca toda. Suzanne não é uma pessoa normal... ela não tem sentimentos. Disse na cara dura que nunca quis ser mãe e que se fosse mais velha e mais rica em noventa e cinco, teria me abortado. Ainda teve a capacidade de me dizer que eu deveria agradecer ela por ela ter salvo a minha vida. Posso com uma coisa dessas? Ela não fez mais que a obrigação dela. Mas se bem que eu fiquei intrigado com isso que ela disse por último.
-Intrigado por que? Pra mim ficou bem claro, Cláudio.
-Mas não pra mim. Eu não entendi a localização temporal da fala dela.
-Oi? Quem ficou sem entender nada agora fui eu...
-Eu não entendi se ela se referiu ao passado, pelo fato de eu ter tido a sorte de ter os pais adotivos que tive ou se ela se referiu a algum evento mais recente.
-Só pode ter sido sobre quando você foi adotado, amor. Que evento mais recente seria esse? Não faz o mínimo sentido imaginar que justo uma pessoa fria como ela te salvaria de alguma coisa.
-Né? Confesso que por um momento eu senti uma espécie de esperança de que ela tivesse algo bom naquele coração. Nem que fosse pra me pedir perdão. Mas ela não se arrepende de nada. Melhor coisa que fiz na vida foi ter certeza de que não tenho como reconhecer uma sujeita como a Suzanne como mãe.
-Verdade, amor. Mas agora chega desse assunto. A gente tem que pensar nas coisas boas... hoje a produtora começa a ser transmitida pela internet, semana que vem vamos ser testemunhas de um casamento, ainda por cima tem o seu monólogo que tá com tudo pra ser um sucesso assim que tudo estiver acertado. Nem preciso falar que a gente ainda precisa agilizar as coisas pro nosso próprio casamento, né?
-Ai, quer saber, Bruno? Você tá coberto de razão. Foi importante esse encontro com a Suzanne, mas a única finalidade dele foi mesmo pra virar a página. Agora chega de lamúria e, como diria Inês Brasil: Deus disse “faça por onde que eu o ajudarei, então bora fazendo”.
-Assim que é bom de te ver, amor... cheio de vontade, de gás, com esse humor delicioso cheio de memes...
CORTA A CENA.

CENA 3: Horas depois, Vicente chama Rafael, Marcelo, Riva, Marion e Valquíria para comentar o primeiro dia de exibição das produções de Fermata Visual.
-Bem, queridos, eu chamei vocês aqui porque as notícias são ótimas, muito melhores do que a gente podia imaginar. Os vídeos com cada um dos personagens foram muito bem recebidos, mas o primeiro episódio da sua série, Rafael, foi um verdadeiro estouro. Em poucas horas, já ultrapassou setecentos mil acessos e o número não para de crescer. A recepção do público também tá aparentemente positiva, inclusive com muitos espectadores elegendo seus personagens preferidos, alguns até já estão querendo adivinhar bordões... é, minha gente... esse tiro no escuro que a gente deu tá começando a dar muito certo! - fala Vicente, empolgado.
-Quer dizer que eu estou aprovado como autor? - pergunta Rafael.
-Aprovadíssimo! Não param de pipocar elogios à sua trama original. “Heróis Reais” já pode ser considerada um sucesso. - fala Vicente.
-É, mas a gente ainda tem que esperar pra ver como vai ser quando o segundo episódio for ao ar semana que vem... - fala Marcelo.
-Eu acredito muito que vá continuar a ser sucesso... - fala Riva.
Todos seguem empolgados a conversar sobre o sucesso do primeiro dia das transmissões da Fermata Visual. CORTA A CENA.

CENA 4: Raquel procura Suzanne.
-Não era pra você estar no seu trabalho agora, mãe?
-Estou sendo liberada mais cedo. Falta pouco pra minha efetivação após o período probatório. Vim aqui porque eu soube da conversa que você teve com o Cláudio.
-Como é que é? Eu nem sabia que você falava com seu neto.
-Ainda não tive a oportunidade de encontrar com ele. Mas o Márcio me contou que ele te procuraria.
-Sempre o Márcio. Nunca vi, esse sujeito passou a vida inteira apaixonado por mim e agora tá contra mim.
-A única pessoa que está contra você é você mesma, Suzanne.
-Ih, nem vem com esse papinho de psicologia barata que comigo isso não cola. Sério mesmo que você veio aqui só pra saber como foi a conversa?
-Não é só por isso. É sobre o seu inquérito.
-Ah, o que é agora? Vai ficar jogando aquela ladainha na minha cara de que eu vou acabar pagando pelos meus crimes e bla bla bla? Porque se for isso, perdeu a viagem e eu prefiro que você vá embora.
-Vim aqui porque tenho esperança que te reste uma fagulha de dignidade. O seu inquérito está para ser aquivado a qualquer momento se nada for provado.
-E o que você espera que eu faça? Que eu confesse alguma coisa em depoimento? Cê tá bem louca que eu ia fazer isso, né?
-Tou vendo que realmente não resta nada de dignidade em você.
-Pra que dignidade, se eu tenho dinheiro? Mãe, acredita em mim: eu não sou esse monstro todo. Mas também não vou assumir essa bronca. Assim que esse processo todo acabar e, se Deus quiser, vai acabar logo, eu vou embora. Dessa vez vai ser pra nunca mais voltar. Eu sei que não fui a filha que você merecia. Sei que acabei com a vida do Márcio. Sinto muito por tudo isso, mas foi assim que teve de ser. Agora, por favor... vai embora, mãe. Vai ser melhor assim.
Raquel vai embora sem entender nada. CORTA A CENA.

CENA 5: Eva e Renata terminam de gravar, na mansão dos Bittencourt, a participação de Márcio em documentário LGBT que estão produzindo.
-Muito obrigada pela sua contribuição, Márcio. Ficou excelente a sua fala! - fala Renata.
-Espero que não tenha sido um horror. Só mesmo o Marcelo pra me convencer a entrar nessa coisa... - fala Márcio.
-Vai por mim, Márcio... foi excelente sua participação. Você falou com muita propriedade sobre ser pai de dois filhos LGBTs... - fala Eva.
-É, mas ainda assim eu não sei se falei as coisas certas. Se utilizei os termos corretos, entendem, meninas? E nem é só por isso, mas pelo fato de que eu não vi nenhum dos dois crescer. Só me entendi como pai deles há relativamente pouco tempo... - desabafa Márcio.
-Nada disso tem importância, seu bobo. Nosso documentário vai tratar sobre o amor, sobre como pais e mães superam suas próprias dificuldades para acolher com amor seus filhos LGBTs. Sua participação vai ser muito proveitosa no sentido de que você simplesmente encarou tudo isso com a naturalidade que todos os pais do mundo deveriam encarar, sem estranhar ou achar que era algo diferente, de outro mundo... você trata o amor simplesmente como ele é: amor. Isso vai enriquecer demais o nosso documentário. - fala Eva.
-Concordo com tudo o que disse a Eva. Você tem uma visão muito natural e até mesmo otimista em relação a tudo. Se isso não servir de inspiração a pais que estão lidando com filhos saindo do armário, então não sei de mais nada... - fala Renata.
-Vocês que são generosas e gentis, meninas. Bem que o Marcelo falou que vocês são ótimas. E ele está coberto de razão, porque vocês tem um dom maravilhoso de extrair o que a gente tem de melhor. Não que eu tenha muito a oferecer, mas mesmo assim, vocês foram ótimas comigo. - fala Márcio.
-A gente precisa ir agora, mas te mantemos informados sobre a data do lançamento do documentário... - fala Renata.
CORTA A CENA.

CENA 6: Rafael é entrevistado por jornalistas através de uma chamada de vídeo.
-Você esperava por todo esse sucesso do seu primeiro roteiro? - pergunta uma jornalista.
-De forma alguma! Na realidade, ainda não estou contando com o sucesso garantido de “Heróis Reais” porque começou agora... talvez o público perca o interesse nos próximos episódios, o que nem de longe vai me surpreender. Mas confesso que confio muito mais no texto que meu marido Marcelo escreve do que no meu próprio. Eu vim com a ideia, mas quem tem escrito a maioria das falas é ele. Ele é quem mais merece os louros por esse sucesso momentâneo.
-Chegou mais cedo uma informação à nossa redação de que o filho do dono da emissora está tentando mobilizar um boicote à Fermata Visual, lançando uma ofensiva nos dispositivos de internet da emissora nos próximos dias. O que você tem a dizer sobre isso? - pergunta um jornalista.
-Nem de longe isso é uma surpresa pra mim. Nem pra mim, muito menos pro Vicente. O que eu posso dizer sobre tudo isso é que ele, tendo a posição que tem dentro da emissora, pode fazer o que quiser, pois está no seu direito. No entanto, se houver de fato uma tentativa de boicote à Fermata Visual por parte dele, lamento informar que esse tipo de ação, em vez de prejudicar, ajuda no nosso crescimento. Talvez se ele tivesse estudado um pouco da história da própria televisão, soubesse que um dia foram os radialistas que fizeram boicotes à TV. E deu no que deu. O movimento natural das coisas nessa vida é pra frente. A renovação é algo implacável... assim como hoje é a internet que ganha espaço, futuramente outro formato poderá vir. E nada vai poder deter qualquer avanço. Mas o que mais me revolta nisso tudo é saber que essas empresas, lideradas por mentes antiquadas, visam apenas o lucro acima de tudo. Na teoria, defendem a livre concorrência, mas na prática, praticam o capitalismo selvagem. Se estiver de fato acontecendo essa tentativa de boicote, isso só pode significar que de alguma forma a velha mídia está se sentindo cada vez mais ameaçada pela internet, porque essa já se provou ser uma mídia muito mais presente na vida das pessoas atualmente. Acaba-se com isso a velha manipulação dos fatos. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas essa luta está apenas começando.
A entrevista segue. CORTA A CENA.

CENA 7: Marion conversa com Rafael logo após a entrevista que ele concedeu a diversos jornalistas pela internet.
-E então, filho? Te massacraram muito? Te deixaram falar ou te interromperam muito?
-Foi bem tranquilo, mãe... consegui expressar tudo sem maiores problemas. Só que eu preciso te contar uma coisa antes que a minha entrevista seja publicada nos sites...
-O que? Foi algo que você disse e acha que não devia ter dito?
-Não, mãe... eu sempre assumo o que digo e nunca retiro uma palavra. O problema é outro.
-Do que se trata? Não vai dizer que algum dos jornalistas te desrespeitou...
-Nada disso. Foram supertranquilos e gentis. O problema é algo que a gente meio que já esperava que pudesse acontecer... ainda que restasse a esperança de que tudo fosse apenas excesso de medo.
-Não sei por que, mas só pelo tom da sua fala eu sei que tem algum dedo podre do João Bernardo Salinas Filho nisso...
-Ele mesmo. Tá armando um boicote à Fermata Visual. Você sabe que esse cara usa dos meios mais execráveis pra desqualificar a concorrência. Agora inventou de focar nas mídias virtuais da emissora.
-É um coitado, mesmo. Tirando uma coisinha aqui e outra ali, as plataformas virtuais da emissora são péssimas, sem falar que censuram comentários...
-Verdade. Mas acho que a gente precisa fazer algo em relação a isso.
-Deixa comigo, filho. Esse sujeito vai ouvir poucas e boas.
-No que cê tá pensando?
-Deixa comigo, Rafael. Aliás, vem comigo que você vai ver com os próprios olhos.
CORTA A CENA.

CENA 8: Poucas horas depois, Marion, Riva, Rafael e Valquíria chegam à emissora e são barradas por um segurança.
-Vocês não podem entrar. São ordens da chefia. - fala o segurança.
-Enfia as ordens da chefia no meio do seu... - fala Marion, sendo interrompida por Rafael.
-Menos, mãe. Olha aqui, você sabe perfeitamente quem nós somos e nós precisamos conversar pessoalmente com o João Bernardo Salinas Filho. Sabemos que ele tá aqui. - fala Rafael.
-Sinto muito, mas estou obedecendo ordens. Foi ele mesmo que disse para não permitir que vocês entrassem na emissora. - esclarece o segurança.
-Olha aqui, seu segurança, eu detesto carteiraço, mas você sabe muito bem quem a gente é. Ou deixa a gente passar, ou a gente chama toda a imprensa aqui sem pensar duas vezes. - pressiona Riva.
João Bernardo surge em meio à confusão que se forma.
-Deixe eles passarem, segurança. Tou curioso pra saber o que esses perdedores tem a dizer... - fala João Bernardo, debochado.

FIM DO CAPÍTULO 137.

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