CENA 1: Suzanne permanece sem
reação diante de Cláudio.
-E aí, dona Suzanne? Quer
dizer que a valentona que aplica golpe em todo mundo e abandona o
próprio filho agora não sabe nem como reagir?
-Realmente não esperava que
você viesse aqui. Era a última pessoa que eu esperava que fosse me
procurar.
-Não pense que estou tentando
resgatar qualquer coisa, Suzanne. Você nunca foi minha mãe e eu
quero deixar isso bem claro.
-Então por que você está
aqui na minha casa, garoto? Criatura bizarra que deve ser você...
-Bizarro ou não, eu só vim
aqui por insistência do meu pai. Ele e meu irmão insistiram que eu
devia pelo menos uma vez na vida sentar pra conversar com você.
Saber de tudo.
-Você quer saber o que,
rapaz? Não deu pra perceber que a sua inconveniência me tirou do
meu sono de beleza? Tava aqui, dormindo no meu cafofo e vem você me
acordando e me metendo o dedo na cara. Na boa, Cláudio, dá o fora
daqui. A gente não tem o que conversar.
-A gente tem muito o que
conversar, sim. Querendo ou não, o fato é que você me abandonou
num orfanato e obrigou meu pai a aceitar tudo isso. Ele sempre foi
cego de amor por você e não teve escolha. Me conta mais sobre isso,
Suzanne. Quero ouvir da sua boca.
-Tá preparado pra ouvir,
fedelho? A história não é bonita. Não tem nada de romântico,
nada de especial. Eu te abandonei sim. Te abandonaria de qualquer
maneira, mesmo que eu não tivesse engravidado adolescente, sabe por
que? Porque um filho nunca esteve nos meus planos. Eu não nasci pro
ofício de ser mãe. Mesmo que eu tivesse engravidado de você aos
vinte e tantos, eu teria feito a mesma coisa. Isso se eu quisesse
realmente levar a gravidez adiante, porque com o dinheiro que eu
tenho hoje eu poderia ir a qualquer lugar desse mundo onde o aborto é
legalizado e meu problema estaria resolvido. Você só veio
atrapalhar meus planos, Cláudio. Um filho só me ocuparia tempo e
dinheiro e eu tinha um plano de crescimento pessoal. Esse plano não
envolvia filhos. Não te abortei porque é proibido aqui no Brasil e
eu era pobre. Se eu vivesse em outra realidade, você nem teria
nascido.
-Como é que você tem
capacidade de me dizer tudo isso olhando nos meus olhos, mulher?
-E você esperava o que? Que
eu fosse tomada por um súbito instinto materno que eu nunca quis
ter? Ai, Cláudio... seja menos viado sentimentalóide, na boa.
-Eu não esperava que você me
chamasse de filho, Suzanne. Quanto a isso fique bem tranquila que nem
eu te reconheceria como mãe. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Mas
sabe o que me choca? A sua capacidade de ser fria.
-O que me choca é você
esperar alguma coisa de mim, rapaz.
-Não espero nada de você. E
vejo que estou fazendo a coisa certa.
-Então você podia sair da
minha casa, não podia?
-Claro que posso. Mas esse
apartamento nem é seu. É alugado... isso aqui é um hotel,
esqueceu? Ou será que a maluquice é maior que eu pensava?
-Você pensa que é quem pra
me tomar desse jeito, garoto? Some da minha frente, some da minha
vida. Eu nunca devia ter te reencontrado. Você devia me agradecer
por ter salvado a sua vida.
-Do que cê tá falando,
Suzanne?
-Esquece. Some da minha casa.
Cláudio vai embora perplexo
com a frieza de Suzanne e Suzanne desaba em um choro sentido assim
que a porta é fechada.
-É melhor que seja assim, meu
filho. Você longe de mim vai ficar sempre mais seguro.
Suzanne chora mais um pouco e
resolve reagir.
-Chega, mulher. Você escolheu
não sentir. Agora aguenta! - reafirma Suzanne a si mesma.
CORTA A CENA.
CENA 2: Cláudio chega em casa
e Bruno nota expressão desolada dele.
-Pelo visto a sua conversa com
a Suzanne não foi nada boa...
-Nem um pouco, Bruno. Eu
pensei que tava suficientemente preparado pra qualquer coisa. Me dei
conta de que não estava... essa mulher é fria como uma pedra de
gelo. Disse cada coisa que eu fiquei mais que chocado... eu nem sei
dizer o que senti, direito.
-Eu sinto muito, amor... de
verdade. Eu concordei com o seu pai e com o Marcelo, realmente pensei
que essa conversa poderia ser uma coisa boa.
-Mas foi boa sim, Bruno. Sem
essa confirmação eu viveria na dúvida. Agora não tenho mais
dúvida nenhuma sobre quem é essa mulher que me colocou no mundo.
-Só que ainda assim... você
poderia estar melhor agora.
-Eu preciso colocar essas
lágrimas pra fora, amor.
-Quer falar sobre a conversa,
se isso não for piorar as coisas?
-Claro que quero... eu preciso
terminar de exorcizar essa urucubaca toda. Suzanne não é uma pessoa
normal... ela não tem sentimentos. Disse na cara dura que nunca quis
ser mãe e que se fosse mais velha e mais rica em noventa e cinco,
teria me abortado. Ainda teve a capacidade de me dizer que eu deveria
agradecer ela por ela ter salvo a minha vida. Posso com uma coisa
dessas? Ela não fez mais que a obrigação dela. Mas se bem que eu
fiquei intrigado com isso que ela disse por último.
-Intrigado por que? Pra mim
ficou bem claro, Cláudio.
-Mas não pra mim. Eu não
entendi a localização temporal da fala dela.
-Oi? Quem ficou sem entender
nada agora fui eu...
-Eu não entendi se ela se
referiu ao passado, pelo fato de eu ter tido a sorte de ter os pais
adotivos que tive ou se ela se referiu a algum evento mais recente.
-Só pode ter sido sobre
quando você foi adotado, amor. Que evento mais recente seria esse?
Não faz o mínimo sentido imaginar que justo uma pessoa fria como
ela te salvaria de alguma coisa.
-Né? Confesso que por um
momento eu senti uma espécie de esperança de que ela tivesse algo
bom naquele coração. Nem que fosse pra me pedir perdão. Mas ela
não se arrepende de nada. Melhor coisa que fiz na vida foi ter
certeza de que não tenho como reconhecer uma sujeita como a Suzanne
como mãe.
-Verdade, amor. Mas agora
chega desse assunto. A gente tem que pensar nas coisas boas... hoje a
produtora começa a ser transmitida pela internet, semana que vem
vamos ser testemunhas de um casamento, ainda por cima tem o seu
monólogo que tá com tudo pra ser um sucesso assim que tudo estiver
acertado. Nem preciso falar que a gente ainda precisa agilizar as
coisas pro nosso próprio casamento, né?
-Ai, quer saber, Bruno? Você
tá coberto de razão. Foi importante esse encontro com a Suzanne,
mas a única finalidade dele foi mesmo pra virar a página. Agora
chega de lamúria e, como diria Inês Brasil: Deus disse “faça por
onde que eu o ajudarei, então bora fazendo”.
-Assim que é bom de te ver,
amor... cheio de vontade, de gás, com esse humor delicioso cheio de
memes...
CORTA A CENA.
CENA 3: Horas depois, Vicente
chama Rafael, Marcelo, Riva, Marion e Valquíria para comentar o
primeiro dia de exibição das produções de Fermata Visual.
-Bem, queridos, eu chamei
vocês aqui porque as notícias são ótimas, muito melhores do que a
gente podia imaginar. Os vídeos com cada um dos personagens foram
muito bem recebidos, mas o primeiro episódio da sua série, Rafael,
foi um verdadeiro estouro. Em poucas horas, já ultrapassou
setecentos mil acessos e o número não para de crescer. A recepção
do público também tá aparentemente positiva, inclusive com muitos
espectadores elegendo seus personagens preferidos, alguns até já
estão querendo adivinhar bordões... é, minha gente... esse tiro no
escuro que a gente deu tá começando a dar muito certo! - fala
Vicente, empolgado.
-Quer dizer que eu estou
aprovado como autor? - pergunta Rafael.
-Aprovadíssimo! Não param de
pipocar elogios à sua trama original. “Heróis Reais” já pode
ser considerada um sucesso. - fala Vicente.
-É, mas a gente ainda tem que
esperar pra ver como vai ser quando o segundo episódio for ao ar
semana que vem... - fala Marcelo.
-Eu acredito muito que vá
continuar a ser sucesso... - fala Riva.
Todos seguem empolgados a
conversar sobre o sucesso do primeiro dia das transmissões da
Fermata Visual. CORTA A CENA.
CENA 4: Raquel procura
Suzanne.
-Não era pra você estar no
seu trabalho agora, mãe?
-Estou sendo liberada mais
cedo. Falta pouco pra minha efetivação após o período probatório.
Vim aqui porque eu soube da conversa que você teve com o Cláudio.
-Como é que é? Eu nem sabia
que você falava com seu neto.
-Ainda não tive a
oportunidade de encontrar com ele. Mas o Márcio me contou que ele te
procuraria.
-Sempre o Márcio. Nunca vi,
esse sujeito passou a vida inteira apaixonado por mim e agora tá
contra mim.
-A única pessoa que está
contra você é você mesma, Suzanne.
-Ih, nem vem com esse papinho
de psicologia barata que comigo isso não cola. Sério mesmo que você
veio aqui só pra saber como foi a conversa?
-Não é só por isso. É
sobre o seu inquérito.
-Ah, o que é agora? Vai ficar
jogando aquela ladainha na minha cara de que eu vou acabar pagando
pelos meus crimes e bla bla bla? Porque se for isso, perdeu a viagem
e eu prefiro que você vá embora.
-Vim aqui porque tenho
esperança que te reste uma fagulha de dignidade. O seu inquérito
está para ser aquivado a qualquer momento se nada for provado.
-E o que você espera que eu
faça? Que eu confesse alguma coisa em depoimento? Cê tá bem louca
que eu ia fazer isso, né?
-Tou vendo que realmente não
resta nada de dignidade em você.
-Pra que dignidade, se eu
tenho dinheiro? Mãe, acredita em mim: eu não sou esse monstro todo.
Mas também não vou assumir essa bronca. Assim que esse processo
todo acabar e, se Deus quiser, vai acabar logo, eu vou embora. Dessa
vez vai ser pra nunca mais voltar. Eu sei que não fui a filha que
você merecia. Sei que acabei com a vida do Márcio. Sinto muito por
tudo isso, mas foi assim que teve de ser. Agora, por favor... vai
embora, mãe. Vai ser melhor assim.
Raquel vai embora sem entender
nada. CORTA A CENA.
CENA 5: Eva e Renata terminam
de gravar, na mansão dos Bittencourt, a participação de Márcio em
documentário LGBT que estão produzindo.
-Muito obrigada pela sua
contribuição, Márcio. Ficou excelente a sua fala! - fala Renata.
-Espero que não tenha sido um
horror. Só mesmo o Marcelo pra me convencer a entrar nessa coisa...
- fala Márcio.
-Vai por mim, Márcio... foi
excelente sua participação. Você falou com muita propriedade sobre
ser pai de dois filhos LGBTs... - fala Eva.
-É, mas ainda assim eu não
sei se falei as coisas certas. Se utilizei os termos corretos,
entendem, meninas? E nem é só por isso, mas pelo fato de que eu não
vi nenhum dos dois crescer. Só me entendi como pai deles há
relativamente pouco tempo... - desabafa Márcio.
-Nada disso tem importância,
seu bobo. Nosso documentário vai tratar sobre o amor, sobre como
pais e mães superam suas próprias dificuldades para acolher com
amor seus filhos LGBTs. Sua participação vai ser muito proveitosa
no sentido de que você simplesmente encarou tudo isso com a
naturalidade que todos os pais do mundo deveriam encarar, sem
estranhar ou achar que era algo diferente, de outro mundo... você
trata o amor simplesmente como ele é: amor. Isso vai enriquecer
demais o nosso documentário. - fala Eva.
-Concordo com tudo o que disse
a Eva. Você tem uma visão muito natural e até mesmo otimista em
relação a tudo. Se isso não servir de inspiração a pais que
estão lidando com filhos saindo do armário, então não sei de mais
nada... - fala Renata.
-Vocês que são generosas e
gentis, meninas. Bem que o Marcelo falou que vocês são ótimas. E
ele está coberto de razão, porque vocês tem um dom maravilhoso de
extrair o que a gente tem de melhor. Não que eu tenha muito a
oferecer, mas mesmo assim, vocês foram ótimas comigo. - fala
Márcio.
-A gente precisa ir agora, mas
te mantemos informados sobre a data do lançamento do documentário...
- fala Renata.
CORTA A CENA.
CENA 6: Rafael é entrevistado
por jornalistas através de uma chamada de vídeo.
-Você esperava por todo esse
sucesso do seu primeiro roteiro? - pergunta uma jornalista.
-De forma alguma! Na
realidade, ainda não estou contando com o sucesso garantido de
“Heróis Reais” porque começou agora... talvez o público perca
o interesse nos próximos episódios, o que nem de longe vai me
surpreender. Mas confesso que confio muito mais no texto que meu
marido Marcelo escreve do que no meu próprio. Eu vim com a ideia,
mas quem tem escrito a maioria das falas é ele. Ele é quem mais
merece os louros por esse sucesso momentâneo.
-Chegou mais cedo uma
informação à nossa redação de que o filho do dono da emissora
está tentando mobilizar um boicote à Fermata Visual, lançando uma
ofensiva nos dispositivos de internet da emissora nos próximos dias.
O que você tem a dizer sobre isso? - pergunta um jornalista.
-Nem de longe isso é uma
surpresa pra mim. Nem pra mim, muito menos pro Vicente. O que eu
posso dizer sobre tudo isso é que ele, tendo a posição que tem
dentro da emissora, pode fazer o que quiser, pois está no seu
direito. No entanto, se houver de fato uma tentativa de boicote à
Fermata Visual por parte dele, lamento informar que esse tipo de
ação, em vez de prejudicar, ajuda no nosso crescimento. Talvez se
ele tivesse estudado um pouco da história da própria televisão,
soubesse que um dia foram os radialistas que fizeram boicotes à TV.
E deu no que deu. O movimento natural das coisas nessa vida é pra
frente. A renovação é algo implacável... assim como hoje é a
internet que ganha espaço, futuramente outro formato poderá vir. E
nada vai poder deter qualquer avanço. Mas o que mais me revolta
nisso tudo é saber que essas empresas, lideradas por mentes
antiquadas, visam apenas o lucro acima de tudo. Na teoria, defendem a
livre concorrência, mas na prática, praticam o capitalismo
selvagem. Se estiver de fato acontecendo essa tentativa de boicote,
isso só pode significar que de alguma forma a velha mídia está se
sentindo cada vez mais ameaçada pela internet, porque essa já se
provou ser uma mídia muito mais presente na vida das pessoas
atualmente. Acaba-se com isso a velha manipulação dos fatos. Ainda
há um longo caminho a ser percorrido, mas essa luta está apenas
começando.
A entrevista segue. CORTA A
CENA.
CENA 7: Marion conversa com
Rafael logo após a entrevista que ele concedeu a diversos
jornalistas pela internet.
-E então, filho? Te
massacraram muito? Te deixaram falar ou te interromperam muito?
-Foi bem tranquilo, mãe...
consegui expressar tudo sem maiores problemas. Só que eu preciso te
contar uma coisa antes que a minha entrevista seja publicada nos
sites...
-O que? Foi algo que você
disse e acha que não devia ter dito?
-Não, mãe... eu sempre
assumo o que digo e nunca retiro uma palavra. O problema é outro.
-Do que se trata? Não vai
dizer que algum dos jornalistas te desrespeitou...
-Nada disso. Foram
supertranquilos e gentis. O problema é algo que a gente meio que já
esperava que pudesse acontecer... ainda que restasse a esperança de
que tudo fosse apenas excesso de medo.
-Não sei por que, mas só
pelo tom da sua fala eu sei que tem algum dedo podre do João
Bernardo Salinas Filho nisso...
-Ele mesmo. Tá armando um
boicote à Fermata Visual. Você sabe que esse cara usa dos meios
mais execráveis pra desqualificar a concorrência. Agora inventou de
focar nas mídias virtuais da emissora.
-É um coitado, mesmo. Tirando
uma coisinha aqui e outra ali, as plataformas virtuais da emissora
são péssimas, sem falar que censuram comentários...
-Verdade. Mas acho que a gente
precisa fazer algo em relação a isso.
-Deixa comigo, filho. Esse
sujeito vai ouvir poucas e boas.
-No que cê tá pensando?
-Deixa comigo, Rafael. Aliás,
vem comigo que você vai ver com os próprios olhos.
CORTA A CENA.
CENA 8: Poucas horas depois,
Marion, Riva, Rafael e Valquíria chegam à emissora e são barradas
por um segurança.
-Vocês não podem entrar. São
ordens da chefia. - fala o segurança.
-Enfia as ordens da chefia no
meio do seu... - fala Marion, sendo interrompida por Rafael.
-Menos, mãe. Olha aqui, você
sabe perfeitamente quem nós somos e nós precisamos conversar
pessoalmente com o João Bernardo Salinas Filho. Sabemos que ele tá
aqui. - fala Rafael.
-Sinto muito, mas estou
obedecendo ordens. Foi ele mesmo que disse para não permitir que
vocês entrassem na emissora. - esclarece o segurança.
-Olha aqui, seu segurança, eu
detesto carteiraço, mas você sabe muito bem quem a gente é. Ou
deixa a gente passar, ou a gente chama toda a imprensa aqui sem
pensar duas vezes. - pressiona Riva.
João Bernardo surge em meio à
confusão que se forma.
-Deixe eles passarem,
segurança. Tou curioso pra saber o que esses perdedores tem a
dizer... - fala João Bernardo, debochado.
FIM DO CAPÍTULO 137.
Nenhum comentário:
Postar um comentário