CENA 1: Raquel encara Suzanne
com firmeza e cobra postura e palavra da filha.
-E aí, como é que vai ser?
Vai ficar me olhando com essa cara ou vai conseguir me dizer alguma
coisa?
-Nem sei o que te dizer. A
última pessoa que eu esperava que me dissesse uma coisa dessas era
você. Quer dizer que agora você me quer longe?
-Já
que não tem outra saída... da lei você sempre escapa. Pelo menos
longe não causa mais estrago a ninguém.
-Você
tá dizendo que causo estragos, mas não sabe da missa a metade.
-Pelo
visto vou continuar sem saber de nada, você nunca se abriu mesmo! Já
nem espero mais por isso, Suzanne. Você pode até ser minha filha,
mas eu não sei quem é você. Nunca vou saber e já me conformei com
esse fato.
-Eu
só pensei que a gente podia tentar resgatar uma relação de mãe e
filha... mas pelo visto me enganei.
-Não
venha com esse papo furado pra cima de mim agora, Suzanne. Resgatar o
que? Resgatar algo que nunca existiu? Você nunca permitiu que essa
relação entre nós fosse de mãe e filha! Durante anos eu me
sujeitei a uma série de humilhações pra ficar perto de você, até
perceber que você não tem sentimento por ninguém, muito menos por
mim.
-Você
não sabe de nada, mãe. A vida foi mais dura comigo do que com você.
-Foi
você mesma que fez com que a vida fosse mais dura com você! Foi
você que matou aquele que diz ter sido o único que amou. Ele era
seu pai! Você escolheu esse caminho, é a única responsável por
isso. Não ouse tentar me culpar por nada porque eu não caio nesse
jogo! De você, eu só quero a certeza de que te resta um pingo de
dignidade: honre sua palavra.
-Mas
o que você quer que eu faça? Que eu suma de uma vez por todas?
-Exatamente.
Por perto você só causou estragos e danos, durante esses anos
todos. Escondeu uma gravidez de mim, obrigou o Márcio a jogar seu
jogo usando ele, se aproveitando do amor cego que ele sempre teve por
você. A culpa é toda sua, Suzanne! Por sua causa eu e o Márcio
perdemos de conviver com o Cláudio por vinte e dois anos! Você tem
alguma noção da gravidade disso? Não! Porque desde pequenina a
única pessoa que importou a você foi você mesma! Então a única
coisa que eu espero de você é que você vá embora... que suma de
uma vez. De preferência, pra sempre. Fique longe de mim, do Márcio,
do meu neto, de qualquer pessoa que você tenha prejudicado nessa sua
cruzada insana pelo poder.
-Eu
vou embora do país, se essa é a sua grande preocupação comigo,
“mamãe”.
-Quando?
-Agora
eu não posso.
-O
que te impede? Olha aqui, Suzanne Farina Lopes: eu ainda sou sua mãe
e tenho força pra te dar uma surra pior que a surra que a Riva te
deu se você fizer qualquer coisa pra prejudicar ela ou a família
dela. Esquece que ela é tia do Cláudio? Querendo ou não, ele é
seu filho! Fique longe de nós, tá me ouvindo?
-Mãe,
eu preciso que você me dê pelo menos um último voto de confiança
nessa vida. Nunca te pedi nada!
-O
pior é que vejo alguma sinceridade nos seus olhos. Não sei se você
realmente está sendo sincera ou se aprendeu a ser excelente atriz
nesses anos todos de golpe...
-Eu
tou falando a verdade. Não posso ir embora agora... porque se eu for
embora agora, uma tragédia pode acontecer. Eu tenho como evitar essa
tragédia e é exatamente isso que eu vou fazer.
-Do
que você tá falando?
-Não
posso te explicar nada além do que eu já falei, mãe. Desculpa...
eu realmente não posso.
-Então
resolva o que tem que resolver de uma vez. E depois suma das nossas
vidas, pra não voltar mais.
-Está
certo. É exatamente isso que eu vou fazer. Só te peço pra torcer
por mim, porque vou precisar de sorte dessa vez. Me deseja boa sorte?
-Boa
sorte, Suzanne. Agora pode ir embora da minha casa?
-Não
vou mais fazer você perder seu tempo comigo. A gente se fala,
ainda...
Suzanne
vai embora e Raquel fica intrigada. CORTA A CENA.
CENA
2: No dia seguinte, Cláudio está saindo para o intervalo de seu
ensaio na companhia de teatro e Procópio o chama rapidamente.
-Desculpa
chamar, sei que você deve estar morrendo de fome, mas você está
impressionante nesse ensaio de hoje!
-Ah,
que isso, Procópio. Os créditos são todos da Mara, que me preparou
muito bem pra encarar esse desafio.
-Não
se subestime, Cláudio. Sem sua dedicação nem mesmo a preparação
da Mara surtiria efeito. Você está entrando de corpo e alma nesse
monólogo que a gente tá preparando e isso só demonstra que você
tem um talento imenso pro drama. É impossível não se comover com a
maneira que você encarna o texto. Vira outra pessoa, como se
estivesse incorporado.
-Ih,
sai pra lá que eu não sou médium, sou ator!
-Bobo!
Tou falando sério. Se o monólogo não for sucesso de público, pelo
menos de crítica eu tenho certeza que vai ser.
-Falando
nisso, eu queria saber quando que a gente vai estrear.
-Falta
eu falar com a Mara, com o Ivan e com o pessoal responsável pelo
patrocínio. Eu te mantenho informado quando tiver alguma resposta.
Se tudo der certo, ainda hoje eu já posso dar uma posição
definitiva a respeito disso.
-Só
espero que não caia em cima da semana que tou planejando me casar
com Bruno. Afinal de contas, já adiei uma vez meu casamento com ele,
mas né... as situações nem se comparam, ele tinha de salvar a mãe
dele...
-Vamos
ver como as coisas vão ser. Mas caso caia em cima do casamento de
vocês, não vejo problema, afinal de contas, uma coisa não impede a
outra.
-Como
que não impede? Eu vou querer pelo menos uma semana aproveitando com
ele, né... sabe como é... mas enfim, a gente fala sobre isso depois
que eu tou morto de fome.
CORTA
A CENA.
CENA
3: Vicente comenta com Riva sobre empresas que entraram em contato
com ele.
-É,
Riva... parece que a Fermata Visual logo vai tomar proporções
maiores que a gente sonhou.
-Por
que você tá dizendo isso, amor?
-Só
hoje foram três empresas oferecendo patrocínio, cê pode com uma
coisa dessas?
-Não
brinca! É sério isso?
-Seríssimo!
-Gente,
isso é maravilhoso! Em pouquíssimo tempo a gente já tá a caminho
de expansão... acho que a velha mídia tem muito a temer a partir de
agora.
-Você
acha, amor? Eu tenho certeza!
-Mas
você sabe que a partir de agora a reação deles vai piorar, não
sabe, Vicente?
-Que
os cães ladrem à vontade. É um direito deles, não é?
-Só
que isso pode acabar prejudicando futuramente a Fermata...
-Nem
continua, Riva. Quem se queima é a velha mídia. Se o nosso trabalho
está se destacando e despertando o interesse das empresas em
investir no nosos negócio, isso tem a ver única e exclusivamente
com o nosso trabalho.
-É,
mas você sabe que a concorrência pode ser uma pedra no sapato.
-Nem
como concorrência deveriam ser classificados...
-Olhando
por esse lado, faz sentido... afinal de contas, são um outro filão.
-Tá
vendo? Não é difícil entender. A gente tá crescendo. Óbvio que
isso vai incomodar, mas é de se esperar.
-Pior
que qualquer coisa que eles vierem a tentar contra a Fermata Visual
vai ser um tremendo tiro nos próprios pés deles. Afinal de contas,
se nós nem temos concorrência direta, uma mídia velha e caduca
tratar outro meio de mídia como ameaça, seria no mínimo primário.
-Mas
muito mais recorrente do que se imagina. Assim foi, assim é e assim
vai continuar a ser o capitalismo enquanto ele for dominante na
sociedade. Um querendo comer o outro.
-E
dessa vez nem tem o Aécio pra ser comido no meio...
Os
dois riem.
CORTA
A CENA.
CENA
4: Raquel conversa com Valentim no consultório dele sobre
possibilidade de investigarem Suzanne outra vez.
-Vai
por mim, Valentim... é intuição de mãe que tá no meio disso,
além do meu faro de investigadora. A gente precisa arranjar uma
maneira de continuar investigando Suzanne.
-Como,
Raquel? Sem amparo judicial nós nos tornamos fora da lei também.
-Não
seria a primeira vez, porque se não fosse assim, eu não faria parte
da polícia hoje.
-Só
que agora a coisa mudou de figura, minha amiga: não havendo sequer
uma única prova contra ela, uma investigação agora nem faz
sentido.
-Mas
eu sei que lá no fundo você percebe, você sente que a Suzanne está
escondendo algo grande de nós. Vai me dizer que não sente isso?
-Sinto.
Mas de que adianta? Nesse momento temos muito trabalho pela frente e
nenhum dos casos envolve sua filha.
-Ela
disse com todas as letras que está aqui no Brasil ainda porque tem
de evitar uma tragédia. Isso me deixa assustada e aflita, porque eu
não tenho a mínima ideia do que ela possa estar falando. Já pensei
em tudo.
-Pensou
no Guilherme?
-Mas
ele não está fora do país?
-A
gente acha que ele está. Simplesmente perdemos qualquer rastro dele.
-De
qualquer forma não faz tanto sentido assim. O fato é que ela me
pareceu realmente assustada. Se não assustada, pelo menos acuada ela
estava, só não entendo a razão disso.
-O
máximo que a gente pode fazer é investigar como pessoas civis. Nada
além disso.
CORTA
A CENA.
CENA
5: Eva conta a Renata da ligação que acabou de receber.
-Amor...
você não faz ideia de quem acabou de ligar pra gente.
-Quem?
A Lady Gaga?
-Ai,
dá pra me levar a sério? O assunto é do seu interesse também.
Sabe a Wendy Martells, fundadora da “Women's Lives Matter”? Foi
ela que acabou de falar comigo.
-Não
brinca! Não pode ser! Gente do céu... isso é vida real, mesmo?
-Creia:
é! Ela disse que quer que nós viajemos primeiro pra Austrália e
depois pelo mundo, juntamente com as mulheres que já participam
desse projeto.
-Meu
Deus! Acho que nem nos meus sonhos mais delirantes eu imaginei que
isso poderia acontecer com a gente. Que lindo, Eva!
-Nem
eu, Renata. Mas sabe o que isso significa? Que a gente tem que estar
partindo pra Austrália em menos de vinte e quatro horas.
-Que?
-É
isso mesmo. Foi o que a Wendy me disse.
-Ai,
minha santa Inês Brasil... tão rápido assim?
-É
pegar ou largar. Nossas despesas serão pagas pela associação.
-Então
a gente vai! Claro que a gente vai!
CORTA
A CENA.
CENA
6: Ao final de mais um dia de ensaios, Procópio chama Cláudio, que
arruma sua mochila naquele momento.
-Tem
cinco minutos pra falar comigo, Cláudio?
-Até
dez se você precisar, Procópio. O que manda?
-Já
consegui definir quando vai ser a estreia do seu monólogo.
-É
mesmo? Que ótimo! Quando vai ser?
-Bem...
aí é que eu acho que mora o problema...
-Não
vai me dizer que...
-Vai
ser daqui duas semanas sim, querido. Não tive saída. Todos
acordaram dessa maneira e eu seria voto vencido.
-Mas
você é o dono desse teatro, cara! Não tinha como você ter um
pouco mais de voz ativa nisso? Poxa vida!
-Não
fica chateado, Cláudio... você sabe que não foi por mal...
-Como
é que não vou me chatear? Pela segunda vez eu vou ter que adiar meu
casamento com o Bruno, você não percebe?
-Isso
significa que você aceita a data de estreia?
-Eu
sou profissional, Procópio. Tenho amor ao que faço. Jamais te
deixaria na mão. Só que você percebe como isso me deixa dividido?
É praticamente como se vocês me jogassem contra a parede e me
forçassem a escolher o que eu amo mais na vida: se é o Bruno ou o
teatro. Só espero que o Bruno entenda que eu não posso abrir mão
do meu retorno aos palcos depois de tanto tempo sem me apresentar em
público...
-Não
esperava outra postura senão essa de você, Cláudio.
-Eu
sei. É pelo compomisso, pelo amor à arte e principalmente pela
nossa amizade que eu não teria como ter outra postura.
CORTA
A CENA.
CENA
7: Márcio e Marcelo percebem que Cláudio chegou em casa contrariado
e o seguem até edícula.
-O
que foi que aconteceu, mano? Normalmente você chega em casa e vai
direto pro Bruno... - observa Marcelo.
-Não
tenho nem coragem de ir falar com ele agora... - desabafa Cláudio.
-Por
que, meu filho? Tá acontecendo alguma coisa chata? - pergunta
Márcio.
-Sabe
o que é, gente? Foi definido que a estreia da minha peça vai
acontecer justamente na semana que eu ia me casar com o Bruno, bem na
semana que a gente tinha combinado tudo, só faltava acertar isso com
o cartório. Agora eu não sei com que cara eu chego pra ele dizendo
que mais uma vez a gente vai precisar adiar... - fala Cláudio.
-Que
bobeira se preocupar com isso, Cláudio. Vocês não se amam? Claro
que se amam! Já provaram isso de tantas formas um pro outro! Você
acha que ele não vai entender? Ele sabe o quanto o teatro é
importante na sua vida. Tenho certeza que ele não te julgaria por
isso... - fala Marcelo.
-Seu
irmão não poderia estar mais certo nisso tudo, filho. Você tá
dando importância demais a uma coisa que não deve ter esse tamanho
todo... tenta relaxar, confia no que existe entre vocês... - fala
Márcio.
-Sabe
de uma coisa? Vocês dois tem toda razão. Eu preciso me livrar dessa
mania de fazer um cavalo de batalha pra tudo na vida, como se tudo
fosse definitivo e dramático. Preciso vencer esses meus pequenos
egoísmos de quando as coisas não saem exatamente do jeito que eu
espero que elas aconteçam... - fala Cláudio.
-Até
que enfim, Cláudio. Sabe, filho... você é muito jovem pra buscar
sofrimento. Não cometa o mesmo erro que eu... tou aqui, com
provavelmente mais da metade da vida já vivida e desperdiçada
amando Suzanne. Pior de tudo é que não consigo superar tudo isso
ainda... - desabafa Márcio.
Os
três seguem a conversa. CORTA A CENA.
CENA
8: Adelaide, Regina, Cleiton e Geraldo vão à casa de Eva e Renata
se despedir de suas filhas.
-Desculpa
não ter avisado antes, mas a notícia pegou a nós mesmas de
surpresa. Nem a gente esperava que fosse acontecer e que tivéssemos
que partir assim, tão rapidamente... - fala Renata.
-Deixa
disso, filha. A gente sabe o quanto essa luta é importante. A luta
também é nossa e você não precisa se preocupar... aliás, vocês
duas podem ir tranquilas viajar por esse mundão que a gente cuida da
ONG do jeito que tem que ser... - fala Adelaide.
-Vou
sentir saudade de tudo, de coração. Vocês são os melhores pais do
mundo e se não fosse pela força que vocês sempre encontram pra
doar pra gente, não sei se eu teria tanta garra nessa vida... -
emociona-se Eva.
-Ô,
filha... a força não vem da gente, não. A gente só ajudou você a
perceber o que sempre esteve aí dentro... - fala Geraldo.
-Se
cuidem, queridas. E cuidem das mulheres que estiverem precisando de
apoio, de ajuda, pra elas saberem que nunca vão estar sozinhas nem
desamparadas. Toda sorte do mundo pra todas nós! - fala Regina.
-Agora
vocês querem parar com essa melação antes que eu termine de
desidratar de tanto chorar? Vou sentir sua falta, minha filha... -
fala Cleiton.
Renata
abraça Cleiton e Adelaide e Eva abraça Regina e Geraldo.
-A
gente já precisa ir. Não podemos perder o voo... - fala Eva.
-Pode
deixar que a gente cuida direitinho da ONG... - fala Adelaide.
CORTA
A CENA.
CENA
9: Cláudio dorme ao lado de Bruno e imagens de seu sonho começam a
aparecer.
No
sonho, já é dia da estreia de seu monólogo na companhia de teatro
e Cláudio se vê em cena no palco, sob os olhares atentos da
plateia. Na plateia, ele vê todos os familiares e amigos, incluindo
Marcelo, Márcio, Laura, Haroldo, Mateus, Diogo e Victor. Ao final da
apresentação em seu sonho, Cláudio é abraçado por todos e
elogiado por seu desempenho.
-Ah,
gente... eu nem sei se fui tão bem assim, mas se vocês dizem que
fui bem, acredito... - fala Cláudio.
Cláudio
percebe que seu pai não está ali e se volta para Marcelo.
-Mano,
cadê o pai? Eu vi que ele tava na plateia...
-Que
pai, Cláudio? Tá doido? A gente não tem pai...
Cláudio
se desespera e se acorda do sonho.
-Eu
tenho pai sim! - grita Cláudio ao se acordar, assustando Bruno.
FIM
DO CAPÍTULO 142.
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