CENA
1: Bruno tenta acalmar Cláudio, que está ofegante.
-De
novo pesadelo, amor? Ei, se acalma... a gente tá em casa, tá tudo
bem, tá tudo seguro...
-Bruno,
vem comigo.
-Contigo
onde? Do que cê tá falando?
-Desce
comigo, amor... tou te pedindo.
Cláudio
pega Bruno pela mão e não diz nada.
-Cê
pode me explicar o que tá acontecendo? São quase duas da manhã...
a gente podia voltar a dormir...
Cláudio
chega com Bruno à edícula e vê Márcio dormindo em sua cama.
-Dá
pra explicar por que você me fez descer com você só pra ver seu
pai dormindo?
-Bruno,
eu tive um pesadelo com o dia da estreia da peça...
-De
novo?
-Sim.
Mas foi diferente. Quando a apresentação do monólogo chegava no
fim, eu recebia todos os amigos e familiares que me cumprimentavam
pela peça. Eu perguntava pelo pai pro Marcelo e ele me dizia que a
gente não tinha pai. Aquilo me desesperava, foi uma sensação de
vazio horrorosa!
-Ei,
Cláudio... fica calmo! Foi só um pesadelo, nada além disso! Você
deve ter se deixado sugestionar pela decisão do Procópio...
-Será?
Mas o que é que esse pesadelo tem a ver com a gente adiando mais uma
vez nosso casamento?
-Amor,
raciocina comigo, você estudou psicologia por anos! Não tem a ver
diretamente com nosso casamento... tem a ver com você perdendo quem
você ama. Tem a ver com os seus medos secretos.
-Nem
tão secretos assim, né Bruno... afinal de contas meus pais adotivos
morreram há oito anos... eu ainda sinto medo de perder as pessoas
que amo. Tive medo de te perder quando você doou seu rim pra sua
mãe, embora eu saiba da nobreza do seu gesto. Senti medo e sinto
medo de perder meu irmão, meu pai... faz tão pouco tempo que tenho
uma família de verdade, sabe?
-De
repente é por isso e só por isso que você fica com medo de perder.
A rapidez com que tudo aconteceu, entende? Talvez você possa estar
pensando que com a mesma rapidez que as coisas vem, elas vão... mas
sossega, amor. Essa é a sua, a minha, a nossa família. Sobe comigo,
Cláudio... não vamos perder o sono por isso, por favor...
CORTA
A CENA.
CENA
2: Na manhã do dia seguinte, Marion está em seu computador
repassando o texto que precisa decorar e resolve se distrair um pouco
navegando pela internet. Marion acaba se deparando com um artigo que
trata da maior crise já vivida pela emissora na qual trabalhou por
mais de vinte anos e clica no artigo para ler. Surpresa, chama Ivan.
-Amor,
vem ler esse artigo! Eu sabia que a situação era delicada, mas que
tava grave desse jeito, não fazia ideia....
Ivan
vai até Marion e lê o artigo por cima.
-Quem
diria, Marion... quem diria! A maior emissora do país, que um dia já
dominou inclusive a política, entrando na pior crise...
-Né
não? O artigo dá conta que tempos difíceis para as finanças da
emissora só ocorreram dessa forma antes há mais de cinquenta anos,
quando tudo ainda era o começo e ainda faltava algum tempo pra ela
alcançar a liderança...
-Pelo
visto o padrão de qualidade tá caindo, hein... bem que você fez de
se desligar dela. O barco já começava a afundar e a gente nem sabia
disso...
-Pra
você ver como as coisas são. Só lamento muito pelo meu querido
amigo João Bernardo, o pai... ele construiu essa emissora com muito
esforço. Deu o melhor de si. Por ele, ele jamais teria dado os rumos
que os antigos gestores e o filho dele acabaram dando a tudo.
-É,
mas não dá pra esquecer que, por mais gente boa que ele seja, ele
meio que “vendeu a alma ao diabo” quando fez acordos
questionáveis para manter as concessões públicas.
-Pior
disso tudo é saber que você tá coberto de razão, Ivan. Tudo isso
não deixa de ser um retorno a tudo isso. Emissoras antigas foram
sucateadas e algumas até mesmo faliram, quando as concessões foram
perdidas.
-É...
felizmente ou infelizmente, isso é um retorno justo. Mas a gente
pode pensar pelo lado positivo da coisa: durante mais de cinquenta
anos, nosso amigo viu sua empresa crescer e se expandir muito mais do
que ele sonhou na juventude.
-Verdade...
é como dizem, amor... toda estrela morre, se apaga. Acho que chegou
a vez da emissora...
CORTA
A CENA.
CENA
3: Horas depois, Cláudio ensaia na companhia de teatro e é
surpreendido pela chegada de Suzanne. Inicialmente, Cláudio a
ignora, mas Procópio chama sua atenção.
-Cláudio,
essa mulher parece realmente estar querendo falar com você. Deixa
que a gente continua o ensaio mais tarde... - fala Procópio.
Cláudio
vai contrariado até Suzanne.
-O
que você quer agora, mulher? Acho que a gente não tem nada pra
conversar. Você não percebeu que tá atrapalhando meu ensaio?
-Só
queria poder conversar com você, meu filho. Te conhecer melhor.
Cláudio
explode com Suzanne.
-Agora
eu sou seu filho, é? Desagraçada! Onde é que você esteve nesses
vinte e dois anos? Você tem problema de memória, infeliz? Você
escolheu me abandonar! Você fez um monte de merdas e me condenou a
muita coisa que eu vivi por egoísmo! Nunca mais, nem em pensamento,
ouse me chamar de filho! Eu não sou nada seu! Minha mãe já morreu!
Eu tenho um pai sim, mas não tenho uma mãe. Eu nunca vou reconhecer
uma psicopata golpista como mãe, tá me ouvindo bem? Eu tenho nojo
de você. Nojo e pena! De mim você só tem o desprezo!
-Você
não sabe de nada, Cláudio. Não tem ideia do motivo que me levou a
tomar as decisões que eu tomei. Eu só vim aqui pra te dizer que eu
tou sempre por perto. E que vou te proteger de qualquer perigo.
-Sai
daqui, mulher. Que perigo? Eu estou a salvo. Eu não preciso saber de
mais nada a seu respeito porque já sei o suficiente. Você não
precisa do meu perdão nem do perdão de ninguém. Assuma a
responsabilidade pelas merdas que você fez nessa vida. E me deixe em
paz. Nunca mais apareça na minha frente, tá me ouvindo? Nunca mais!
Eu te nego, te desprezo e te repudio! Some da minha vida!
CORTA
A CENA.
CENA
4: Riva conversa com Marcelo e Vicente sobre Suzanne.
-Eu
sei que vocês não gostam que eu toque no nome da Suzanne, mas...
bem ou mal, ela não deixa de ser minha irmã biológica... - fala
Riva.
-Fico
com nojo só de lembrar que tenho essa mulher como tia, mas fazer o
que... não tem remédio... - fala Marcelo.
-Mas
você não pensa em dar uma chance a ela, pensa? - questiona Vicente.
-Claro
que não. Isso nem me passa pela cabeça. Eu sei muito bem que ela
não merece a confiança de ninguém e a culpa disso é dela mesma.
Mas confesso a vocês que, depois de tudo o que já passou, todos
esses altos e baixos dos últimos tempos, eu não consigo sentir
mágoa dela. - fala Riva.
-Eu
te entendo, mãe. Guardar mágoas só envenena os nossos corações.
Você é boa demais, sempre foi... só fico com medo que cedo ou
tarde você acabe convidando ela a participar da vida da gente... -
desabafa Marcelo.
-Não...
isso não tem a mínima chance de acontecer, meu filho. Mas eu sinto
de certa forma algum afeto por ela. Mínimo, é claro... acabo me
colocando no lugar dela e pensando na criança que ela foi,
traumatizada e com sua ilusão destruída... tá certo que nada disso
justifica ela ter matado o próprio pai, mas mesmo assim eu não vou
deixar de compreender a dor que isso deve ter sido pra ela. - fala
Riva.
-Que
seja... mas a gente tem coisas melhores pra falar, não acha, amor?
Por exemplo, temos ainda muito trabalho pela frente para produzir os
próximos episódios da série, então a gente podia já ir dando uma
agilizada nisso... - sugere Vicente.
CORTA
A CENA.
CENA
5: Horas mais tarde, Rafael chama Marcelo, Cláudio, Bruno, Ivan,
Vicente, Marion e Valquíria para dar uma importante notícia
relacionada à série dele e de Marcelo produzida pela Fermata
Visual.
-Chamei
todo mundo aqui porque tenho um comunicado importantíssimo a fazer e
tem a ver com a série “Heróis Reais”: eu, Vicente, Marcelo e
Riva vamos ter de partir amanhã mesmo para a Holanda. - comunica
Rafael.
Todos
ficam sem entender nada.
-Como
é que é esse negócio? Holanda? - espanta-se Riva.
-Eu
explico: nós fomos indicados para o prêmio que ocorre lá, que
elege as melhores peroduções audiovisuais voltadas para o público
LGBT. Fomos indicados na categoria internet e precisamos estar lá
para o evento. - explica Rafael.
Todos
comemoram.
-Gente,
que delícia! Mas como é que pode uma coisa dessas? Mal estreou e já
foi indicada a um prêmio internacional? - espanta-se Marion.
-Pois
é, mãe... a internet tem dessas vantagens. Corre o mundo! Eles
precisavam apenas de mais uma produção indicada e nós fomos os
escolhidos para essa indicação! - vibra Rafael.
-Gente
pop é outra coisa, não é mesmo? Já conheci a Austrália, agora
vou conhecer a Holanda! E nem venha você com recalque pra cima de
mim, Cláudio... isso não é close, são condições! - brinca
Marcelo.
Todos
riem. CORTA A CENA.
CENA
6: Raquel conversa com Valentim.
-Você
tem certeza que não existe nenhuma maneira da gente encontrar
brechas pra continuar investigando Suzanne?
-Brechas
a gente tem, Raquel. A questão aqui é avaliar se vale a pena esse
esforço.
-Qualquer
esforço em busca da verdade sempre é válido.
-Acontece
que sendo válido ou não, nesse momento nós temos impedimentos
judiciais.
-Isso
é o que me deixa inconformada. Eu sei que não havia maneira nenhuma
de manter aberto um inquérito por tanto tempo, mas isso ainda me
frustra demais. Porque nada tira da minha cabeça que Suzanne se
envolveu sim em crimes graves. Essa falta de provas só indica que
ela soube se esconder bem e teve laranjas e testas de ferro
suficientes para levarem a culpa das coisas que ela tramou.
-Sim,
mas como é que a gente vai chegar nessas informações se todos os
criminosos suspeitos de terem trabalhado pra ela não colaboram?
Delação premiada não compensa, porque em muitos casos a redução
da pena é mínima.
-Eu
insisto, Valentim. Você precisa conversar com Suzanne. Se eu tentar,
vai ser chover no molhado. Se você for conversar com ela, pelo
menos, é possível que ela se sinta à vontade de te dizer algo, se
você der a certeza para ela de que ela não vai ser penalizada por
nada disso. Ela pode acabar falando demais e aí a armadilha já vai
estar feita.
-Isso
é um tiro no escuro, Raquel. Não tem como saber se isso vai dar
certo. Ademais, seria uma conversa informal. Necessitaria de nova
denúncia para que o inquérito pudesse ser reaberto.
-E
você não poderia ser o denunciante? Antes de ser investigador, você
é um cidadão. Acho que você se esqueceu desse pequeno detalhe.
-Bem,
está certo... você me convenceu. Ainda hoje eu procuro sua filha.
CORTA
A CENA.
CENA
7: Regina está ajustando algumas informações úteis no site da ONG
quando recebe um vídeo gravado por Eva e Renata, para ser colocado
no site.
-Adelaide,
Cleiton, Geraldo! Venham ver o que as meninas mandaram pra colocar no
site!
Todos
vão assistir ao vídeo. Regina dá o play.
-Bem,
queridas e queridos que apoiam a nossa causa. Como vocês já sabem,
tivemos de viajar à Austrália e ainda vamos passar por vários
lugares e países desse mundo juntamente com a “Women's Lives
Matter”. Primeiramente, como vocês podem perceber, chegamos
inteiras e bem! - fala Renata.
-E
gostaríamos imensamente de agradecer todo o apoio que temos
recebido, todas as doações espontâneas de quem acredita no nosso
projeto. Nós estamos longe, mas estamos ao mesmo tempo sempre por
perto. Deixamos nossa ONG aos cuidados de nossos pais e sempre que
possível, vamos encontrar tempo de atualizar nosso site. A todas as
mulheres do Brasil e do mundo, gostaria de dizer que vocês nunca vão
estar sozinhas enquanto houver resistência e luta. O patriarcado um
dia há de ruir! Só que esse será um processo lento e contínuo.
Precisamos de união, precisamos estar todas alinhadas a favor desse
mesmo ideal. - fala Eva.
-É
exatamente como a Eva falou, minhas amigas e meus amigos. Mulheres,
cis ou trans e homens trans sofrem cotidianamente com o machismo
estrutural e isso, infelizmente, não está restrito ao Brasil. É um
problema mundial. É justamente por conta disso que aceitamos sem
pestanejar o convite para fazermos parte do “Women's Lives Matter”,
para que possamos estender nossas lutas e quem sabe, num futuro
próximo, trazer mais gente pra essa nossa causa. Feminismo é luta.
Lutar pelo feminismo é lutar pela equidade de direitos. - fala
Renata.
Adelaide,
Regina, Geraldo e Cleiton se emocionam com o vídeo gravado pelas
filhas. CORTA A CENA.
CENA
8: Suzanne está saindo de seu banho e se preparando para mais uma
noite tentando aplicar pequenos golpes, quando toca sua campainha.
-Mas
que inferno! Será que esse hotel virou a casa da mãe Joana agora?
Já dispensei o serviço de quarto hoje, mas que droga! - esbraveja
Suzanne.
A
campainha persiste tocando.
-Já
vai, inferno! Não dá pra esperar um minuto? Que merda! - grita
Suzanne, impaciente.
Suzanne
abre a porta e se depara com Valentim.
-Você
aqui? Mas que milagre é esse? Será que tem unicórnios voando pelo
céu do Rio de Janeiro e eu não vi?
-Dispenso
suas gracinhas, Suzanne. Eu vim aqui para termos uma conversa séria
sobre o que você realmente esconde.
Suzanne
se espanta. FIM DO CAPÍTULO 143.
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