CENA 1: Suzanne se finge de
desentendida.
-Não sei do que cê tá
falando, mãe. Não acredito que você veio me perturbar a essa hora
da noite pra me falar de um absurdo desses.
-Chega, Suzanne. Não adianta
negar nada pra mim. Você foi amante do Altamir sim!
-Você já está começando a
ficar maluca, dona Raquel. O que te deu pra afirmar uma coisa dessas,
mãe? Sabia que eu podia mover um processo contra você, se você
tivesse feito essa acusação diante da polícia?
-Não vou cair no seu jogo
agora. Sabe como que eu descobri? Porque Valentim investigou e chegou
ao nome do Altamir. Descobriu que o homem que foi o responsável pelo
seu enriquecimento não passava de laranja dele. Percebe como não
existe crime perfeito, Suzanne? Você pode não ter deixado furos,
mas o laranja do Altamir deixou!
-E só por causa disso você
veio aqui, mãe? Ora, tenha paciência! Você é praticamente uma
senhora sexagenária, deveria estar na sua casa dormindo ou
tricotando, fazendo coisa de velha!
-Eu exijo que você me diga
como conheceu esse cara! Ele era o fundador da facção que o
Guilherme se tornou chefe anos depois. Você me deve explicações
sobre isso.
-Desde quando eu te devo
alguma coisa? Eu só falo diante de um juiz, isso se eu chegar a
julgamento, o que eu duvido muito. Como eu sei que você é
impulsiva, é meio previsível que você tenha vindo aqui sem sequer
um único mandado.
-Mas ainda sou sua mãe. Ou
agora deixei de ser sua mãe?
-E por qual motivo eu te
contaria qualquer coisa se eu sei que você, minha própria mãe,
está conspirando pra me colocar na cadeia?
-Não se superestime, Suzanne.
Ninguém conspira contra você. O que você chama de conspiração,
eu chamo de justiça. Conhece? Ela é pra todo mundo, não pense que
pelo fato de você estar rica algo vai mudar. Os rigores da lei são
para todos.
-Isso é lindo na teoria,
mãe... mas na prática só fica pobre na cadeia. Preto e pobre. Eu
sou branca e rica, não vou mofar na cadeia, pode apostar!
-Você não se envergonha de
nada? Não se envergonha de ser racista?
-De onde que você tirou que
eu sou racista? Só falei de como funcionam as leis nesse país. O
pobre e o preto sempre se fodem. É alguma mentira?
-Vamos mudar o foco. Você foi
ou não foi amante do Altamir?
-Fui.
-E o que exatamente você sabe
dessa facção?
-Tudo o que eu sei é que ela
foi fundada ainda nos anos setenta, quando Altamir não passava de um
jovem empresário pra sociedade.
-Ah, então quer dizer que a
empresa dele sempre serviu de fachada pra facção, é isso?
-Deve ser. Eu não era nem
nascida na época que tudo começou, então né? É aquele ditado,
vamos fazer o que?
-Aff, minha filha, você não
ouse citar Inês Brasil num momento sério como esse. Você teve ou
não teve participação nessa facção?
-Não tive, mas a senhora
parece sem a mínima disposição de acreditar em qualquer coisa que
eu diga.
-E por acaso eu teria algum
motivo pra acreditar em você depois de tantas mentiras? Eu tou te
dando a oportunidade de me falar a verdade pelo menos uma vez na
vida. Você trabalhou pra facção ou não?
-Mãe, sério: eu sei que
menti pra cacete pra senhora. Reconheço isso. Mas tou falando a
verdade quando eu digo que não tenho nada a ver com essa facção.
Só sei que existiu durante mais de quarenta anos. Isso é tudo o que
eu sei.
-E como é que você conseguiu
enriquecer tanto depois de ser amante do Altamir? Foi você que matou
ele ou mandou matar?
-Pare, dona Raquel! A única
pessoa que eu matei foi meu pai. Acabou por aí, nos meus doze anos.
-E você diz isso ainda com
essa cara lavada.
-Queria que eu dissesse como?
Com cara de lamentação? Já foi, é passado, já prescreveu o
crime. Já era.
-Você é um caso perdido,
mesmo...
-Então o que veio fazer aqui?
Jogar esse moralismo na minha cara? Dá licença que eu estou de
saída.
-Pra que? Pra aplicar mais
golpes em caras que estejam emocionalmente frágeis? Ou será que
você vai fazer a melhor amiga da madame em crise dessa vez? Hora
dessas você encontra uma pessoa mais esquentadinha e vai estar
ferrada na mão dela!
-Não te interessa o que eu
vou fazer ou deixar de fazer. O que você chama de golpe eu chamo de
trabalho. E tem mais: bem ou mal, eu sou consultora de etiqueta e
tenho isso a meu favor. Então faz um favor, dona Raquel? Vai embora
pra sua casa tricotar, fazer palavra cruzada ou caducar, mas me deixa
sair.
-Eu só saio depois que você
me garantir que nunca trabalhou pela facção.
-Você acha mesmo que eu vou
te garantir alguma coisa? Pode esquecer. Eu já disse que não
trabalhei pra essa gente. Podia ter trabalhado? Claro que podia!
Convites nunca faltaram. Mas eu jamais aceitaria por um único
motivo, sabe qual?
-Qual?
-Lá naquela merdinha, todo
mundo aceitava ordens, era submisso. Eu nasci pra liderar, pra
mandar, não pra obedecer. Espero que esteja satisfeita com minhas
respostas. Agora me deixa em paz.
-Eu vou embora, mas você vai
acabar sendo pega. Essa informação que o Valentim descobriu vai
direto pro seu inquérito.
-Ui, tou tremendo de medo!
-Dispenso seu deboche. Aguarde
e verá.
-Vai embora de uma vez!
-Não precisa pedir duas
vezes.
Raquel vai embora e Suzanne
ri, debochada. CORTA A CENA.
CENA 2: No dia seguinte,
Márcio visita a mansão dos Bittencourt e conversa com Marcelo.
-Pena, filho... achei que ia
encontrar seu irmão aqui.
-Nada! Aquele ali não para
quieto. Deixou o Bruno e os pais dele aqui e foi correr atrás de
emprego.
-Só ele, mesmo... nem precisa
trabalhar com essa urgência toda, mas mesmo assim procura...
-É que ele é bem orgulhoso,
sabe? Então melhor nem tentar dissuadir Cláudio de qualquer coisa
quando ele enfia na cabeça que vai fazer. De um jeito ou de outro,
ele faz.
-Você fala como se não fosse
orgulhoso também, né? Vocês puxaram um pouco isso de mim,
admito...
-Enfim... sabe, pai... eu
fiquei sabendo pelo Valentim que a Suzanne foi amante do pai do
Guilherme. É até bom que o Cláudio não esteja aqui agora...
-Verdade, filho. Seu irmão
não tolera que seja tocado no nome da mãe biológica dele e com
toda a razão, diga-se de passagem, porque ela realmente não presta,
mas... por que esse assunto, agora?
-Então, pai... eu nem sei
como te dizer, mas a verdade é que eu... bem, eu...
-Você quer saber o que eu sei
sobre isso?
-É... quer dizer, não é bem
isso. Não é só isso.
-E o que seria, filho?
-Eu queria saber primeiro tudo
o que você sabe sobre ela ter sido amante desse pai do Guilherme...
depois, se puder me dizer o que sabe a mais sobre o passado dela,
sobre a maneira que ela enriqueceu, pode falar, tá?
-Filho, não me leva a mal...
mas tem certas coisas que eu nem sei como dizer. Não consigo dizer
algumas coisas e outras eu ainda não quero dizer. Não entenda isso
como se eu estivesse escondendo alguma coisa de você, não é
isso...
-Você ainda ama essa mulher,
não ama? Pai, você devia ter entendido que não adianta nada
disso...
-Eu sei que chega a ser
atrevido da minha parte te pedir pra me respeitar, mas eu não
gostaria de falar sobre ela agora, sério.
-Que isso... você tem todo o
direito de me pedir que eu te respeite. Só não entendo porque você
ainda insiste em proteger quem só te ferrou.
-Um dia, meu filho, eu vou
conseguir falar tudo o que sei sem me sentir imensamente culpado. Até
lá eu peço respeito e paciência...
CORTA A CENA.
CENA 3: Vicente acompanha a
finalização das obras do complexo de estúdios de sua futura
produtora e conversa com Riva a respeito.
-Estou impressionado com a
competência desses profissionais que a gente contratou. Ágeis,
seguiram o projeto e a planta à risca e ainda vão entregar a obra
pronta amanhã! É bom demais ver o sonho da gente se tornar
realidade tão rápido desse jeito... - divaga Vicente, satisfeito
com tudo.
-E eu fico muito realizada de
ver tudo isso acontecendo na vida da gente. De verdade. Imaginar que
até menos de dois anos, eu era uma vendedora de quentinha que ralava
de sol a sol pra não obrigar meu filho a trabalhar enquanto ele
estudava pra ser alguém nessa vida. E veja onde eu tou agora... essa
vida, esse seu amor, o nosso Lúcio que só nos enche de alegria.
Tudo isso é lindo demais, sabe? Não é pelo dinheiro, porque pouco
me importa ser rica ou ser pobre. É ter a sorte de um amor tranquilo
com uma família que eu amo ao meu lado. Todas as contas do passado
zeradas...
-Menos a conta da Suzanne, mas
essa daí é caso perdido. E duvido que você considere essa sujeita
como parte da família.
-Não considero e nunca vou
considerar. Somos irmãs por puro acidente biológico, nada além
disso. Ela nunca vai saber o que é amar, nem o que é ser mãe. Ela
jogou tudo isso fora porque quis e fez tudo errado.
Os dois seguem a conversar.
CORTA A CENA.
CENA 4: Horas depois, Rafael e
Marcelo estão no quarto e Rafael lê uma notícia em um site.
-Olha isso, amor! Vem cá ver
essa notícia!
-O que foi, Rafa? Prenderam o
usurpador, foi?
-Antes fosse. Mas não é algo
bom.
Marcelo lê a notícia em voz
alta.
-“Defensores da maior
emissora do país se revoltam contra Marion Bittencourt e sua
família, postando nas redes sociais ameaças de depredação à
mansão da família. Em uma das mensagens deixadas na página oficial
da emissora, um usuário diz que sabe o endereço da mansão dos
Bittencourt e convoca os defensores da emissora a vandalizar a mansão
de Marion e sua família. Os usuários mais exaltados justificam que
antes amavam Marion Bittencourt, mas que agora a odeiam porque ela
teria difamado a emissora por despeito. Alegam também que a família
de Marion só a apoia nisso porque alguém os deve ter comprado”...
ai, amor, fecha essa notícia, não quero nem continuar a ler. Que
coisa horrorosa! Que gente é essa? Eles estão realmente defendendo
uma empresa capitalista que sequer dá espaço para negros e
minorias? Ai, meu edy...
-Teve mais coisa que você não
leu. Tem prints dessas mensagens de ódio na notícia e... bem, teve
um grupo de pessoas que falou merda sobre a gente, dizendo que gay é
do inferno, que o salário do pecado é a morte, aquela ladainha
toda.
-Ai, nem precisava ter dito
isso, amor, pra não me deixar mais revoltado ainda. Gente bem a
toa... vamos ouvir uma música, esquecer dessas coisas, por favor...
CORTA A CENA.
CENA 5: Mara conta a Valentim
sobre reação furiosa de defensores da emissora e conservadores.
-Cê viu que situação
absurda? Não bastasse a Marion ter passado por aquele desgaste de
ter quase sido processada pelo filho do dono da emissora, agora mais
essa: os defensores da emissora estão ameaçando vandalizar,
depredar a mansão, vê se pode!
-Tinha lido a respeito disso
mais cedo. Isso já ultrapassa todos os limites do absurdo,
definitivamente
-Se bem que nesses casos,
esses cães ficam só a ladrar mesmo... morder, que é bom, nada.
-Mas não se esqueça que há
mais gente no meio disso.
-Tinha que ter esses
religiosos conservadores, pra variar. Sobrou até pros meninos o
discurso de ódio. Homofobia da maneira mais nojenta de ser mostrada.
-Então você começou a
perceber a dimensão da gravidade disso...
-Na verdade, não vejo onde
que essa situação possa se tornar grave, Valentim. Sinceramente eu
não sei.
-Você não percebe que uma
multidão cheia de ódio pode realmente fazer coisas horríveis?
-Mas não acredito que seja o
caso dessa vez, Valentim.
-Parece que o jogo virou, não
é mesmo? Dessa vez sou eu que tou sentindo que é melhor proteger
todos.
-Posso saber como?
-Solicitando proteção
policial, simples assim.
-Você tá pensando em manter
a mansão cercada de policiais e vigiada por causa de ameaças de
internet, Valentim? Francamente...
-Francamente digo eu, parece
que você não sabe do poder da internet.
-Continuo achando tudo isso um
exagero sem tamanho, mas se você acha mais prudente, vai fundo.
-É exatamente isso que eu vou
fazer amanhã: solicitar proteção para eles.
CORTA A CENA.
CENA 6: Horas depois, Haroldo
vai à mansão e conversa com o pai.
-Nossa, pensei que tinha
esquecido que tinha uma família aqui. - brinca Ivan.
-Você sabe, pai... tá tudo
numa correria só. Eu morando com a Laura, vivendo esse
relacionamento com ela e com Mateus, nossa peça recém-saída do
forno e já virada num sucesso instantâneo...
-Aliás, da próxima vez trata
de avisar antes pra gente viajar com vocês, viu?
-Pode deixar, pai. Aviso
sim... mas basicamente é isso... muita correria, tudo acontecendo
rápido que não dá nem tempo de pensar direito, quanto mais vir
aqui visitar vocês...
-Sei. Enfim... na verdade eu
ando com outra coisa matutando na minha cabeça e eu gostaria que
você não levasse a mal minha pergunta...
-Lá vem bomba. Pode falar,
pai.
-O filho que a Laura tá
esperando... é seu ou do Mateus?
-Como é que é, sue Ivan? Por
que isso te interessa? Nós três estamos juntos, tanto faz de quem
essa criança é filha, mas se você quer saber, a criança é minha,
porque a Laura engravidou pouco antes do Mateus começar a namorar
com a gente. Satisfeito?
-Desculpa, filho... não
queria deixar você assim.
-Não fiquei bravo, só fiquei
perplexo com a sua curiosidade. Por que isso te interessaria, pai?
-Porque eu queria saber se
realmente vou ser avô, só isso.
-Você seria avô de qualquer
maneira, fosse esse filho biológico ou não.
-Desculpa, Haroldo... de
verdade, eu fui um tolo.
-Não precisa pedir desculpa,
pai... só achei desnecessária essa sua pergunta. Mas tá tudo
certo. Já foi respondida a sua dúvida.
Os dois seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 7: Riva e Marion estão
ajudando Valquíria a preparar o jantar.
-Nossa, vó... fazia um bom
tempo que eu não te via cozinhar... - fala Riva.
-Verdade, mãe... o que te deu
pra meter a barriga no fogão hoje? Geralmente somos eu e a Riva que
nos encarregamos disso... - fala Marion.
-Precisava me distrair um
pouco, meninas. Ando me sentindo esquisita. - fala Valquíria.
-É alguma coisa com o
aneurisma, vó? - preocupa-se Riva.
-Não... de saúde eu estou
maravilhosa. É um aperto no peito, mesmo. Não sei dizer porque...
parece um mau presságio, mas não sei dizer do que se trata e nem
quero deixar vocês ou qualquer um nessa casa com medo. - fala
Valquíria.
-Ih, Riva... lembra como a
dona Valquíria tinha dessas coisas o tempo todo lá em Barra de São
João? Relaxa, mãe... essas coisas estão todas na sua cabeça.
Estamos todos aqui em casa, em segurança. Nada pode nos acontecer.
Já que você decidiu fazer o jantar hoje, bora se concentrar na
comida que a gente te ajuda. - fala Marion.
-Eu queria ter essa certeza
que vocês tem de que vai ficar tudo bem... - fala Valquíria.
-Será que você não está
ansiosa pra ver o complexo de estúdios pronto? Se for isso, é até
compreensível. - fala Riva.
-Claro que estou animada pra
ver tudo pronto, minha neta... mas não é isso. Eu realmente não
sei dizer o que é. Não é uma sensação boa. - fala Valquíria.
-Ai gente, vamos esquecer
disso, vai ser melhor pra todas nós... - fala Marion.
As duas ajudam Valquíria na
cozinha. CORTA A CENA.
CENA 8: Após o jantar, estão
na sala da mansão Cláudio, Bruno, Setembrino, Marion, Mariana,
Ivan, Vicente, Riva, Valquíria, Marcelo e Rafael. Todos conversam
entre si sobre diversos assuntos quando Cláudio escuta um grito ao
longe.
-Ei, gente... pera. Vocês não
ouviram um grito lá fora? Será que assaltaram alguém? - alerta
Cláudio.
-Não ouvi nada... - fala
Bruno.
-Acho que só você ouviu,
mano... - fala Marcelo
-Cês tem que ver como o
Cláudio fica alerta com tudo. Às vezes, no meio da noite, ele dá
cada salto na cama que acaba assustando a gente junto... - fala
Bruno.
Os gritos, no entanto, ficam
mais alto e todos podem ouvir.
-Agora eu ouvi! - fala Riva,
indo à janela e se deparando com um grupo de pessoas na frente da
mansão a gritar insultos e ameaças.
-Morte aos gays! O salário do
pecado é a morte! Morte aos gays! - gritam as pessoas. FIM DO
CAPÍTULO 129.
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