CENA 1: Ivan segue lendo o
restante da mensagem de Guilherme.
“...Você, como velho que
é, deve estar acostumado com “textão”, então senta essa sua
bunda flácida onde estiver porque eu vou te explicar porque sua
dívida não acabou e porque você tem uma dívida comigo. Na
realidade, eu poderia até te matar se eu quisesse, mas você não
passa de um banana, como o seu filho Haroldo. Cheio de escrúpulos,
todo certinho, enfim... um saco! A única fraqueza de vocês foi o
vício na jogatina. E é nisso que você se complica: quando meu pai
morreu, assassinado por um traidor, você estava devendo setenta mil
reais à facção. Como a gestão mudou, eu perdoei algumas dívidas,
mas mantive tudo registrado. Agora eu preciso desse dinheiro pra dar
o fora desse país. E se você não conseguir esse dinheiro, adivinha
o que acontece: você e sua linda família vão pro saco. Eu ainda
não estou vencido... e posso ser bem perigoso.”
Ivan liga imediatamente para
Valentim, mantendo a calma.
-Oi, Valentim? Te atrapalho?
-Nada, meu amigo. Falávamos
sobre você ainda agora...
-Espero que não seja falando
mal...
-Sempre fanfarrão, mas diga:
por que ligou?
-Acabei de receber uma
mensagem ameaçadora do Guilherme. Ele sabe da dívida que eu tinha
com a facção antes do pai dele ser assassinado por traidores.
-Bem que a Mara me disse. Eu
tenho que aprender a ouvir mais a minha mulher, impressionante como
ela sempre acerta. Mas o que ele disse na mensagem, exatamente?
-Basicamente disse que eu
tenho de conseguir os setenta mil reais pra ele, aquele dinheiro que
eu fiquei devendo ainda em 2011. Disse que se eu não descolar essa
grana, ele mata a mim e a todos.
-Típico das ameaças dele,
Ivan. Nem se abale tanto assim. Ele disse mais alguma coisa sobre
prazos ou local que deseja receber essa quantia?
-Nada ainda, Valentim. Acho
que ele ainda torna a mandar mensagens, porque não tenho como
adivinhar essas coisas se ele não disser.
-Vai por mim, Ivan: não baixe
a guarda, mas não se apavore. Quem está apavorado depois da fuga é
Guilherme. Completamente desorientado e desnorteado, sem o prestígio
que tinha antes. A facção está acabada. É provável que ele tenha
blefado pra causar pânico.
-Pensei nisso, meu amigo. Mas
considerei prudente te comunicar.
-Fez bem. Eu vou manter os
outros investigadores e a polícia devidamente informados. Até mais.
Ivan desliga. CORTA A CENA.
CENA 2: Mara olha triunfante
para Valentim.
-O que eu tinha dito ainda
agora, mesmo?
-É, Mara... mais uma vez você
tem razão. Guilherme foi importunar Ivan... e você “previu”
isso.
-Te digo mais, Valentim: não
vai parar por aí. Guilherme vai querer cobrar a conta de todo mundo.
Sabe o que isso significa? Que ninguém está a salvo. Nem nós.
-Entendo sua cautela, mas acho
que aí já é um pouco de exagero.
-Melhor pecar pelo excesso do
que pela falta. Sempre digo isso. Mas por que você acha que isso é
um exagero, posso saber?
-Falo como psiquiatra,
entende? Por mais que você tenha uma inteligência intuitiva ímpar,
certos padrões comportamentais só eu percebo, compreende?
-Compreender eu compreendo.
Mas diga logo por que você consider a minha teoria exagerada...
-Guilherme está desesperado.
Está provavelmente num surto longo, daqueles que deixam o paciente
eufórico, manifestando os sintomas positivos, entende? Se sente
acima do bem e do mal, maior que tudo. Delírio de grandeza e poder.
Não está tendo dimensão do buraco em que está, se recusa a
enxergar a realidade que o rodeia. Se acostumou a fugir, mas encara
tudo isso como um jogo, como um teste de inteligência e agilidade.
Não está conectado com a realidade dita normal, entende?
-Entendo e concordo. Mas em
todo caso você não acha que seria mais prudente manter os olhos bem
abertos?
-Mas nossos olhos não estão
fechados pra nada disso. Cada mínimo movimento dele pode e deve ser
observado.
-O que complica nossas vidas é
que não temos a mínima ideia de onde ele anda. Que ele está na
cidade é evidente, mas onde? E tem mais, se ele chegou ao ponto de
mandar uma mensagem para Ivan, ele não está sozinho. Alguém está
ajudando ele de alguma forma, fornecendo celulares que ele descarta
depois. Afinal de contas, ele não mandaria mensagens que pudessem
ser rastreadas. Isso tá virando um jogo de gato e rato...
CORTA A CENA.
CENA 3: O dono da emissora
liga para Marion.
-Oi, João Bernardo. Alguma
novidade sobre aquele nosso assunto?
-Sim, minha amiga. Conversei
com Joãozinho. Brigamos feio, inclusive, como você deve imaginar.
Ele veio com todo aquele papo de que não é mais um moleque e eu
disse que ele deveria provar que não era mais um moleque agindo como
um homem.
-Isso fez ele mudar de ideia?
-Eu obriguei, porque se
dependesse dele e daquela desvairada da mãe dele, ele sairia
processando todo mundo que fala mal dele. E convenhamos, quem fala
mal, fala a verdade... o fato é que ele retirou a queixa. O processo
contra você vai ser arquivado e eu queria ser o primeiro a te dizer
isso.
-Eu nem tenho palavras pra te
agradecer, meu amigo! Sinto muito se acabei causando mais uma briga
entre vocês.
-Você fez a coisa certa,
Marion... já te disse isso antes. Os erros são dele. Deve assumir
as próprias responsabilidades.
-Pelo menos desse problema eu
tou livre. Mais uma vez, muito obrigada! Você é um homem correto e
eu nunca vou esquecer de tudo de bom que você já fez por mim nesses
anos todos...
-Alguém tem que parar aquele
garoto com mania de grandeza, né. Enquanto eu viver, eu faço isso.
Depois, não sei como vai ser.
-Veremos, meu amigo... veremos
como vai ser. Vou precisar desligar agora, querido. Mais uma vez,
muito obrigada por tudo. Um beijo!
-Outro!
Marion desliga, aliviada.
CORTA A CENA.
CENA 4: Victor decide ligar
para Cláudio.
-Oi, Cláudio. Tá tudo bem
com você?
-Tudo melhorando, graças a
Deus. Passamos por um sufoco com minha sogra, mas está tudo
resolvido. E você, Victor, como vai?
-Cada vez melhor. E queria te
contar uma novidade.
-Conta.
-Eu e o Diogo vamos nos casar,
acredita?
-Que coisa bem boa! Vocês
merecem toda a felicidade do mundo!
-E esse é o motivo pelo qual
tou te ligando... eu e o Diogo conversamos e chegamos na mesma
conclusão: a gente quer que você e o Bruno sejam testemunhas do
nosso casamento. Vocês topam?
-Por mim eu topo, acho que
pelo Bruno também. Mas ele tá se recuperando da cirurgia, doou um
rim pra mãe... quando vocês pretendem se casar?
-Daqui duas semanas mais ou
menos. Falta acertar isso no cartório.
-Perfeito! É bem o período
que ele e a mãe dele precisam ficar de repouso. Vamos poder ser
testemunhas sim e com todo o prazer!
-Muito obrigado por aceitar,
querido. Você não faz ideia do quanto isso significa pra mim.
-Faço sim... eu sei da sua
luta. E te admiro por isso.
-Preciso desligar agora. A
gente vai se falando. Beijão!
-Beijo.
CORTA A CENA.
CENA 5: Horas depois, Marcelo
e Rafael visitam Cláudio e Bruno.
-Achei que ia encontrar sua
mãe aqui na sala... - observa Marcelo.
-Nada! O pai não sai do
quarto e não desgruda dela. Tá cheio de precauções, evitando que
ela faça qualquer esforço nessas duas semanas. Mas é até
compreensível, afinal ela passou por anos de insuficiência renal...
eu posso repousar fora da cama mais tranquilo... - fala Bruno.
-Falando nisso, não te deu
muito medo de entrar na faca? Confesso que eu me cagaria de medo... -
fala Rafael.
-Amor! Isso é jeito de falar?
Podia ter sido mais sutil, não? - reclama Marcelo.
-Relaxem, meninos! O Bruno não
se importa. Mesmo. - fala Cláudio.
-Enfim... sabe o que eu pensei
e o Rafa também pensou? Que já que vocês adiaram o casamento de
vocês por conta dessa coisa toda e vão ser testemunhas do casamento
do Victor com o Diogo daqui duas semanas, vocês poderiam, por
exemplo, marcar o casamento de vocês pra daqui mais ou menos um mês.
O que vocês acham? - fala Marcelo.
-Eu adorei a ideia, mas o
Bruno precisa opinar mais que eu nesse caso... - fala Cláudio.
-Por mim a gente casava amanhã
e fazia tudo certinho como tinha sido combinado antes, mas né... com
essa função de doar meu rim pra minha mãe, tou aqui, praticamente
sem fazer nada por duas semanas. Mas achei bem boa a ideia sim,
porque se daqui duas semanas eu já tou liberado pra ser testemunha
de um casamento, nada me impede de ser eu o noivo duas semanas depois
desse casamento. - fala Bruno.
-Bem, meninos... isso é só
uma sugestão. Claro que a gente não quer passar por cima da vontade
de vocês próprios. - pondera Rafael.
-Relaxa, cunhadinho... a
vontade de vocês também é meio nossa. Vamos ver como é que vai
estar a dona Vânia até lá, afinal de contas ela vai querer ver o
filho se casando... - fala Cláudio.
CORTA A CENA.
CENA 6: Laura, Haroldo e
Mateus chegam à companhia de teatro e apressam Procópio.
-Anda, Procópio! Tá quase na
hora da gente chegar na rodoviária! - fala Haroldo.
-Calma, pessoal. Tem três
horas ainda pra gente chegar lá. Já chamei o táxi pelo aplicativo.
- fala Procópio.
-Mentira deslavada! Quem
chamou o táxi fui eu, que esse daí tava numa pilha de nervos que
não conseguia somar dois mais dois! - provoca Mara, marotamente.
-Como sempre ele fica mais
nervoso que nós, que somos os atores. Já vi esse filme algumas
vezes... - diverte-se Laura.
-Vocês só esperam eu ir ali
dentro rapidinho? Esqueci de pegar meu calmante... - fala Procópio.
-É, Laura... tou vendo que
ele realmente fica nervoso, já tinha até me desacostumado com essa
cena toda que ele faz toda vez antes da estreia... - fala Mateus.
O táxi chega.
-Tou falando! O Procópio
consegue ser tão azarado que vai tomar o calmante nem na hora que o
táxi chega. Procópio, corre aqui que o táxi de vocês já chegou!
Vou ajudar os meninos a colocar as malas no carro! - grita Mara.
Procópio chega correndo.
-Desculpa, gente... acho que
não vai ter uma vez nessa vida que eu não fique nervoso em dia de
estreia, ainda mais em outra cidade... - fala Procópio.
-Tá. Chega de papo, Procópio.
Deixa que eu cuido direitinho da sua companhia enquanto vocês estão
fora. - fala Mara.
Mateus, Laura, Haroldo e
Procópio entram no táxi. CORTA A CENA.
CENA 7: Horas depois, Marcelo
e Rafael estão debatendo sobre ideia de Rafael para produção.
-Ainda tou bem inseguro em
relação a tudo isso, amor...
-Pois não devia. O argumento
é maravilhoso e eu já te disse. A gente só precisa lapidar a
sinopse e tá tudo certo.
-Será que o Vicente vai topar
entrar nessa quando a produtora começar a se concretizar?
-E por que não haveria de
querer? Os começos sempre são assim, Rafa... experimentais. Você
deve saber mais sobre a história disso tudo melhor que eu.
-Cê tá falando sobre a
história da TV? Mas são plataformas completamente diferentes,
amor...
-E daí? Um dia foi a TV
desbancando o rádio. Sinal dos tempos...
-Olhando por esse lado... é
quase possível afirmar que a TV tá com os dias contados... ainda
que isso soe exagerado.
-Não acho exagerado. Mas
vamos deixar de papo furado e nos concentrar no que precisamos
desenvolver melhor aqui?
-Sim, claro... por exemplo: eu
tou achando esse personagem aqui muito desgarrado do restante. Você
acha que eu devo criar um núcleo ao redor dele?
-De preferência, porque senão
fica uma coisa solta, uma pessoa sem passado, sem história anterior,
sem nada pra justificar qualquer coisa. Acho bom criar um background
inclusive pra não passar a impressão de que é um personagem
decorativo.
-Tem razão...
Os dois seguem debruçados
sobre o projeto. CORTA A CENA.
CENA 8: Horas depois, Valentim
está preparando um jantar para ele e Mara enquanto Mara vai ao
banho. O celular de Valentim toca e ele corre para atender, mas o
celular para de tocar antes que ele atenda.
-Ué... número desconhecido?
Deve ter sido engano.
Valentim volta a preparar o
jantar e se distrai cantando a canção que toca no aparelho de som,
quando ouve novamente seu celular tocar.
-Mas que merda! Se for aqueles
serviços de call center, eu juro que meto um processo, já passou da
dez! - esbraveja Valentim.
Valentim atende o celular.
-Sentiu minha falta, super
investigador defensor dos frascos e comprimidos? Parece que você não
é tão bom em pegar foragidos, né não?
Valentim percebe que se trata
de Guilherme. FIM DO CAPÍTULO 126.
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