CENA
1: Suzanne encara Valentim e começa a gargalhar.
-Ai,
você é mesmo um cara muito cheio de si! O que você espera que eu
diga a você? Nem temos mais o que falar, afinal de contas eu tou
livre das acusações que foram feitas contra mim.
-Você
sabe que esconde o jogo, Suzanne. Eu não estou aqui como
investigador, estou aqui como pessoa.
-Piorou
mais ainda a situação. Me surpreende um sujeito como você,
aparentemente tão inteligente, vir atrás de mim pra “conversar”.
Tenho mais o que fazer da minha vida, viu? A não ser que você
queira aproveitar o tempo comigo de outra forma...
-Não
é preciso se jogar pra cima de mim, Suzanne. Sou fiel à Mara. Você
sabe porque eu vim aqui.
-Acho
que não sei, não... poderia ser mais claro, por favor? Ainda não
chegou a minha bola de cristal que mandei vir da Índia...
-Você
nunca perde uma oportunidade de ser irônica, impressionante...
enfim, eu vim aqui pra saber o que você esconde. E nem adianta me
negar que eu sei que você esconde muita coisa e sei que você está
sim por trás da fuga do Guilherme do país. Quanto você conseguiu
de dinheiro pra ele falsificar identidade e dar o fora daqui, hein?
-Cê
tá bem louco achando que eu vou falar alguma coisa, né? Você não
sabe de nada, Valentim. Tá só jogando verde pra ver se consegue
colher maduro. Que papelão, Valentim... que papelão! Um cara com
trinta anos de profissão agindo dessa maneira tão primária. Fez
escola onde? Na loucademia de polícia? Ou será que fez curso de
dramaturgia numa escola mexicana? Que sujeitinho bem cheio de si que
você é, pelo amor de Deus...
-Você
não precisa me esconder nada, Suzanne. Estou aqui como cidadão, eu
prometo que tudo o que a gente conversar aqui vai ficar entre nós...
-Quem
não te conhece que te compre, cara... como cidadão você pode me
denunciar e o inquérito seria reaberto. Eu conheço meus direitos,
sabia? Quer me denunciar? Tenta! Mas sem eu te dizer nada, isso
novamente vai terminar do mesmo jeito. Vai querer perder seu tempo
com isso? Acho que não, né? Agora, se você puder me dar licença,
eu ainda tenho muito o que fazer hoje.
-Esse
jogo ainda não acabou, Suzanne. Disso você pode ter certeza. Hoje
você acha que tá por cima da carne seca, mas amanhã ou depois tudo
pode mudar...
-Sai
daqui, cara! Esse seu mexicanismo chega a me embrulhar o estômago.
Quer que eu chame os seguranças pra te convidarem a se retirar ou
vai facilitar minha vida?
-Eu
vou... mas estou de olho vivo em você, Suzanne.
-Ui,
eu estou tremendo de medo! Vaza, Valentim...
CORTA
A CENA.
CENA
2: Adelaide está abrindo as portas da ONG quando uma garota
aparentando ter dezesseis anos a aborda, chorando.
-Menina...
o que está acontecendo?
-O
pastor da minha igreja, dona! Ele me estuprou!
-Por
favor, entre querida. Estou aqui pra te ajudar. Sou Adelaide. Qual
seu nome?
-Juliana.
-Você
está em condições de me contar o que aconteceu ou quer um copo
d'água antes?
-Consigo
falar, dona Adelaide. Esse homem é o pastor da igreja que eu e meus
pais vão. Homem de confiança da minha família, acima de qualquer
suspeita.
-Como
ele se chama?
-Etevaldo.
-E
como exatamente aconteceu esse estupro?
-Eu
e meus amigos do grupo jovem da igreja fomos em retiro espiritual. O
pastor que liderava esse retiro era justamente o Etevaldo. Eu já
vinha tentando alertar meus pais que ele parecia dar em cima de mim,
mas meus pais falaram que isso tudo era mentira minha e que era eu
que estava me oferecendo pra ele, desejando me envolver com ele para
alguma coisa. Desisti de conversar com meus pais sobre isso. Eu não
queria ir nesse retiro espiritual, mas meus pais me disseram que todo
jovem de igreja deveria ir. Não tive escolha... eu fui ao retiro.
Hoje bem cedinho, ao me acordar, ele estava em cima de mim. Não tive
como reagir... ele disse que se eu gritasse, ele me enforcava. Não
consegui escapar. Assim que ele terminou o serviço, ele saiu da
barraca que eu dormia. Eu esperei passar uns quinze minutos e fugi do
retiro.
-Onde
foi esse retiro?
-Em
São Gonçalo. Eu vim até aqui pedindo carona pra quem podia me dar.
-Esse
caso é grave, Juliana. Precisamos denunciar às autoridades. Você
precisa também de apoio das mulheres. Vou entrar em contato com
Larissa Gama imediatamente!
-Com
aquela comunista? Meus pais dizem que a esquerda é do demônio!
-Juliana,
me escute: seus pais estão errados. Ela pode te ajudar.
CORTA
A CENA.
CENA
3: Raquel visita Cláudio na companhia de teatro.
-Que
bom te ver aqui, vó! Tava mesmo precisando conversar com você.
-Senti
saudade, querido. Aproveitei que tenho uns minutinhos de folga e vim
te ver.
-Adorei.
-Mas
sobre o que você precisa conversar comigo, Cláudio?
-Sobre
Suzanne. Ela me procurou... aqui mesmo no teatro, tu me acredita numa
coisa dessas?
-Não
pode ser... a cara de pau dela realmente não conhece limites. Como
foi esse encontro?
-Eu
nem quis ouvir o que ela tinha a dizer. Falei eu tudo o que tava
preso na minha garganta.
-Fez
bem, meu neto... melhor botar tudo pra fora do que alimentar
negatividade...
-Mas
sabe... eu fiquei pensativo em relação ao que ela disse. Parecia
sincera.
-E
o que foi que ela disse?
-Disse
que queria me proteger do perigo. Ela parecia estar realmente
preocupada, zelosa, querendo me proteger de alguma forma.
-Deve
ter sido blefe, meu querido... nem leve a sério. Ela tá falando
isso pra mim também, pelo visto encarnou direitinho no papel de
arrependida. Mas não se force a ficar perto dela, não se force a
gostar dela...
-Eu
não saberia gostar dela de qualquer forma...
-Menos
mal, Cláudio... menos mal.
CORTA
A CENA.
CENA
4: Vicente, Marcelo, Riva e Rafael terminam de fazer as malas para
partirem ao aeroporto.
Marcelo
vai falar com Cláudio.
-É
isso então, mano... daqui dois ou três dias a gente tá de volta
dessa premiação e você se comporte e cuide bem do Bruno! Não me
inventem um casamento surpresa sem mim aqui!
-Bobo!
Claro que a gente não teria como preparar tudo assim voando. Boa
viagem, meu irmão. E boa sorte!
Cláudio
abraça Marcelo.
Rafael
se despede de Marion e Ivan.
-Não
fiquem com o coração na mão porque vocês já passaram bem mais
tempo longe de mim, viu? Dessa vez a viagem é rápida e praticamente
a trabalho. Se cuidem vocês, viu? E você, seu Ivan, nada de
aprontar joguinhos surpresa que a dona Marion não tira o olho de
cima!
Marion
e Ivan abraçam o filho.
Rafael
e Marcelo chegam à sala.
-Pronto,
gente... já nos despedimos de todo mundo. Agora é cruzar os dedos e
torcer pra que essa nossa ida à Holanda não seja em vão... - fala
Marcelo.
-Em
vão já não é. Só da gente ter sido indicado, isso já é uma
grande vitória... - fala Vicente.
Os
quatro deixam a mansão. CORTA A CENA.
CENA
5: Haroldo, Laura e Mateus gravam um vídeo para o canal falando
sobre quebra de tabus.
-Pedimos
desculpa se ficamos muito tempo sem postar vídeo novo aqui no canal,
mas vocês sabem como é... Laura grávida, a gente ainda ensaiando
pra continuar com as apresentações da nossa peça, porque apesar da
vontade dos conservadores, não paramos... enfim, vou passar a
palavra à Laura... - diz Haroldo.
-O
vídeo de hoje trata sobre a dificuldade que é propor uma quebra de
tabus nessa sociedade incrivelmente reacionária que temos vivido nos
últimos tempos. A ideia é que a gente fale sobre como nosso
cotidiano é muito mais comum e mais simples do que as pessoas
imaginam, desmistificar a ideia de que as pessoas envolvidas num
relacionamento poliamoroso são promíscuas ou fazem orgias. Como
vocês sabem, eu estou esperando um bebê, um menino por sinal. E
nesse vídeo queremos provar que podemos ser uma família como
qualquer outra: cheia de amor. - fala Laura.
-E
eu gostaria de aproveitar justamente a fama e visibilidade que tenho
pra poder falar sobre isso, mas não somente isso, como também falar
sobre a bifobia, que é uma derivação da homofobia, mas é real:
nós, bissexuais, como eu e Haroldo, somos invisibilizados o tempo
inteiro, seja pelos heteros ou mesmo por parte de gays e lésbicas.
Se estamos num relacionamento heterossexual, somos lidos como
heteros. Se estamos em um relacionamento homossexual, somos lidos
como gays. E não importa em que lado a gente esteja, a gente sempre
vai ser invisibilizado ou tido como pessoas que não servem para
relacionamento sério. Precisamos discutir sobre isso urgentemente. -
fala Mateus.
Os
três seguem falando em frente à câmera. CORTA A CENA.
CENA
6: Marion procura Vânia e Setembrino para uma conversa entre eles.
-Não
entendi porque você chamou a gente pra conversar só entre nós... -
fala Vânia.
-Nem
eu... - fala Setembrino.
-É
que eu sei que vocês querem uma festa maravilhosa pro casamento do
filho de vocês, não querem? Eu vi como você ficou empolgado de
escolher o repertório pra festa do Victor com o Diogo, Setembrino...
- fala Marion.
-Isso
é verdade. O Bino simplesmente fica que nem criança quando se trata
de escolher repertório, nunca vi coisa igual... - fala Vânia.
-Então
isso é ótimo. Eu chamei vocês aqui porque sei que o Cláudio e o
Bruno pretendem se casar logo. E queria saber se vocês me ajudariam
a idealizar uma festa que fosse a cara deles... assim, meio de
surpresa. O que acham? - propõe Marion.
-Tou
amando a ideia! Eu sei de tudo o que o Bruno gosta e arrisco dizer
que já entendi muito sobre as coisas que meu genro gosta também! -
fala Vânia.
-Maravilhosa
a ideia, definitivamente. Conheço os gostos musicais do meu filho,
só vai ser duro saber sobre o Cláudio... - fala Setembrino.
-Sobre
a música, a gente pode deixar isso pra depois. Eu tou mais focada em
descobrir quais itens de decoração pro salão teriam mais a ver com
os meninos, coisas que fizessem os dois se identificarem, tanto
individualmente quando como coisas que façam eles se identificar
como casal, pela história do amor deles, essas coisas... - fala
Marion.
Os
três permanecem a conversar animados com as ideias para os
preparativos do casamento de Cláudio e Bruno.
CORTA
A CENA.
CENA
7: Márcio decide procurar Suzanne e Suzanne se surpreende ao abrir a
porta e se deparar com ele.
-Mas
eu devo ter dançado pole dance na cruz e depois ter jogado a cruz
numa fogueira, não é possível. Já não basta o monte de gente que
anda aparecendo aqui, agora você tem a pachorra de vir aqui? Mas é
muita cara de pau pra quem foi capaz de me denunciar à polícia...
-Você
sabe que precisamos acertar nossos ponteiros, Suzanne. Eu fugi desse
momento por mais de vinte anos.
-Nós
não temos nenhum ponteiro pra acertar. Não sei de onde você tirou
essa ideia absurda. O que precisava ser dito já foi dito.
-Eu
só queria saber uma coisa de você, Suzanne.
-Rápido,
Márcio... eu não tenho todo o tempo do mundo pra ficar jogando
conversa fora com um rato feito você.
-Eu
quero saber se um dia nessa vida você me amou... nem que fosse por
um segundo.
-Ah,
que bonitinho, ele! Tão bobinho, tão ingênuo... você mesmo admite
que eu só te usei. Por que quer saber disso logo agora?
-Pra
quem sabe assim terminar de te superar...
-Você
nunca vai me superar. Aceite isso. Mas eu não vou te responder...
não importa mais se eu fui ou não capaz de te amar. Acabou. E o
melhor que você tem a fazer agora é sumir da minha frente. Aliás...
agora não, mas sempre. Eu não quero mais te ver... nunca mais.
-Mas
eu tenho o direito de saber se você me amou ou não.
-Não
me venha com seus choramingos, Márcio... não seja piegas, isso nem
combina você.
-Você
realmente nunca me conheceu.
-Que
pena, não é mesmo? Vaza daqui. Vai ser melhor pra todo mundo.
Suzanne
fecha a porta e Márcio sofre. CORTA A CENA.
CENA
8: Na Holanda, Marcelo, Vicente, Rafael e Riva estão no evento que
premiará as melhores produções LGBT do ano, aguardando pelos
resultados. Vicente está aflito.
-Calma,
Vicente... essa aflição já vai passar. Podia ser pior... eles
poderiam não estar falando em inglês e aí sim, nós precisaríamos
de intérprete... - fala Riva.
-Dá
um desconto pra ele, mãe... tá todo mundo com o coração na mão
aqui. Eu tou que não me aguento de ansiedade por esse resultado, mal
vejo a hora de anunciarem a categoria de produção audiovisual
estrangeira pra internet... - fala Marcelo.
-Gente,
prestem atenção em vez de ficar conversando? Eu tou ficando bugado
aqui com essa mistura de inglês com português! - repreende Rafael.
A
apresentadora do evento anuncia a próxima categoria.
-Now,
we'll see the four nominations for best foreign production of the
year for the internet. - fala a apresentadora.
-É
agora! - fala Vicente.
FIM
DO CAPÍTULO 144.
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