CENA 1: Marcelo tenta acalmar
Cláudio.
-Viado, para com isso! Que
close errado, mulher! Sou eu, teu melhor amigo, porra! Que merda é
essa?
-Será que é tão amigo
assim? Um melhor amigo não deixa o outro praticamente falando
sozinho quando esse amigo precisa mais que nunca desabafar!
-Cláudio, você só tá
olhando pras coisas do seu ponto de vista... será que você não
entende que estamos em fusos horários completamente diferentes? Ou
será que você prefere ignorar isso e se sentir sempre a eterna
vítima do mundo, das pessoas e das circunstâncias?
-Você tá me chamando de
vitimista? Eu não acredito nisso, Marcelo!
-Tou falando alguma mentira,
Cláudio? Toda vez que acontece alguma merda contigo você fica como
se o mundo inteiro tivesse desabado na sua cabeça. Cara, eu sei que
não é nada fácil perder os pais do coração de repente, num
acidente tão estúpido. Eu sei o quanto te doeu isso naquela época.
Eu estive lá pra te ajudar. Eu e a Laura!
-Ah, tou entendendo: então
você tá me jogando essas coisas na cara pra que eu tenha eterna
gratidão por isso? Quer que eu estenda um tapete vermelho, senhor?
Você tá mesmo deslumbrado por essa vida. Ainda se sente brasileiro
ou já tá sentindo o sangue australiano bater aí? Ou será que você
quer ser europeu? Você diz que sou vitimista, mas você sempre fez
questão de jogar seu inglês fluente na minha cara, seu metido!
-Como é que é? Cláudio,
você sabe que eu sou a última pessoa nesse mundo a me sentir maior
que alguém por causa das coisas que eu sei. Se esqueceu que eu
estudei inglês por conta própria desde criança porque eu tinha
problema com gagueira e a minha mãe não tinha a porra do dinheiro
pra pagar uma fonoaudióloga? Mas fico satisfeito de saber o que você
pensa de mim, seu ingrato. É na hora da raiva, da adrenalina
correndo que as verdades saem a rodo!
-Não me venha com essas
justificativas, Marcelo. Você sempre se sentiu melhor que os outros.
Sempre com esse complexo de diferentona! Você não passa de um vira
lata! Quer ser europeu? Pois saiba que você é brasileiro. Latino
americano. Vai ser sempre isso, seu bosta!
-Eu não sei de onde você
tirou que eu não gosto de ser brasileiro. Pro seu governo, Cláudio,
eu jamais trocaria meu Brasil por lugar nenhum nesse mundo. É pecado
agora ser fluente num segundo idioma? Devo pedir mil desculpas por
poder viajar pro exterior? Tenho que omitir minhas vivências das
pessoas pra não machucar o pobre coração medíocre de quem vier a
se sentir agredido por coisas que eu vivi? Será que eu digo que eu
comprei minhas roupas novas numa passagem por São Paulo, onde
resolvi visitar a 25 de março, pra não correr o risco das pessoas
pensarem que eu tou me exibindo? Me poupe, Cláudio! Eu nunca
esperava tanta mediocridade vindo de você.
-Agora eu sou medíocre, né?
O dinheiro mudou você, Marcelo. Acho que esse é o fim da linha pra
gente. Eu não sirvo mais pra ser o seu melhor amigo. Não preencho o
requisito.
-Cláudio... você não está
no seu juízo perfeito. Tá fora de si. Outra hora conversamos
melhor.
-Não vai ter outra hora,
Marcelo. Nossa amizade acaba aqui. - fala Cláudio, desligando a
chamada e bloqueando Marcelo. Guilherme e Bruno, que ouviram tudo da
cozinha, vão a Cláudio, que começa a chorar. CORTA A CENA.
CENA 2: No quarto de hotel em
Melbourne, Rafael tenta acalmar Marcelo, que começa a tremer de
raiva da situação.
-Rafa... você viu essa
situação toda? Até agora tou tremendo... sem entender como o meu
melhor amigo foi capaz de falar essas barbaridades pra mim! Meu Deus
do céu! Será que ele não entende que a gente veio passar um mês
aqui na Austrália?
-Amor... eu nem sei o que te
dizer. Mas tenta não julgar o Cláudio. Ele tá fora de si... eu não
ouvi tudo que ele te contou porque tava tentando respeitar a
privacidade da conversa de vocês, mas pelo que entendi, ele tá
sobrecarregado... também... pudera: ele tá tendo que esconder uma
verdade escabrosa da melhor amiga dele, isso não é pouca coisa... e
no meio disso, por causa desse maldito segredo, ele acaba terminando
com o cara que ele ama. Tem noção da confusão que tá passando
pela cabeça dele?
Marcelo começa a chorar.
-Amor, eu entendo que você
queira ser imparcial e te admiro por isso... mas não sei se agora
consigo ver as coisas desse jeito. Eu sei a barra que ele tá
passando, não é fácil. Mas o que eu poderia fazer na prática pra
ajudar ele, além de ouvir? Do nada ele começou a me jogar um monte
de coisa pesada na cara, no meio da conversa! Ele já pensava tudo
aquilo de mim, o que ele fez foi deixar escapar o que ele realmente
pensa de mim... isso me dói demais! Era meu melhor amigo! De repente
ele se revela uma pessoa recalcada, invejosa, me acusa de ter mudado
por causa do dinheiro, critica até os conhecimentos que adquiri ao
longo da vida! Olha a que ponto ele chegou, Rafael!
Rafael abraça Marcelo, que
chora copiosamente em seus braços. Rafael tenta acalmar o namorado.
-Ainda assim, Marcelo... você
acha que uma amizade de uma vida inteira acaba assim, por causa de
uma briga, de um desentendimento num momento de ânimos alterados?
-Rafa... eu te juro que nunca
vi o Cláudio desse jeito. Ele sempre foi de fato um vitimista. Ele
sempre aceitou essa condição, essa posição em que ele mesmo se
coloca como vítima do mundo, das pessoas, das circunstâncias. Ele
acha que as pessoas precisam sentir peninha dele por todas as barras,
que são realmente pesadas, que ele passou. Meu medo é que, distante
de mim e brigando com mais gente, ele fique vulnerável à pessoas de
má-fé... esse é meu maior medo. O Cláudio é um cara bom... só é
imaturo demais!
-Você me permite dizer o que
eu acho dele, amor?
-Claro, Rafa...
-Então, Marcelo... eu gosto
do Cláudio. Ele realmente é um cara bom... e também imaturo, como
você diz. Ele defende a verdade acima de tudo, mas essa defesa é
utópica. Ele só enxerga o mundo, a vida e as pessoas pelos olhos
dele mesmo, o que faz dele um pouco egoísta além da conta. Ele não
percebe que todo mundo mente. Todos nós contamos pequenas mentiras,
seja pra escaparmos de situações embaraçosas ou pra proteger
pessoas que amamos. Ele nunca parou pra pensar nisso a fundo. Quando
ele se viu confrontado diante da verdade sobre o passado do ex dele,
que envolve a melhor amiga dele, ele se viu confrontado com esse
fato: ele não apenas vai ter de omitir, mas provavelmente vai mentir
também pra proteger a amiga. Ele nunca mentiu na vida, por
convicção. Um tanto infantil, na verdade... ele não se preparou
pro momento que ele fatalmente teria que mentir, como qualquer um...
acho que é isso que tá gerando esse turbilhão todo...
-Sabe de uma coisa, amor? Você
deveria ser psicólogo. Tirou as conclusões de uma maneira mais
lúcida que eu...
Os dois se abraçam, enquanto
Marcelo tenta se tranquilizar. CORTA A CENA.
CENA 3: No dia seguinte,
Rodrigo recebe novamente uma ligação de número desconhecido e
presume ser “Chefe”.
-Fala, chefe. Tá precisando
me dizer alguma coisa? Confesso que ainda tou surpreso com essa sua
decisão de falar comigo.
-Tolinho. Você acha que essa
é a minha voz de verdade? Tenho meus meios de disfarçar... sim, tou
precisando te dizer uma coisa. Uma coisa que talvez seja justamente a
solução pros seus problemas, suas crises bestas de consciência,
você sabe... quem nasceu pra ser bundão, morre bundão...
-Delicado como um coice de
cavalo, você. Diga logo qual é a solução dos meus problemas,
chefe.
-É a coisa mais simples que
pode existir nesse mundo. Eu não preciso mais de você. A
organização não precisa mais dos seus serviços. Não é isso que
você queria? A sua carta de alforria?
-Não é bem assim, chefe...
eu estava disposto a fazer os serviços...
-Pra cima de mim, cara? Não é
de hoje que percebo você tentando escapar de fazer as coisas que eu
mando. Mas você tem um mérito nisso tudo: mesmo não suportando
essa pressão, não bateu de frente comigo. Me respeitou. E por isso
eu te respeito. Você está oficialmente fora da organização.
-Isso significa que eu posso
voltar pro Rio? Pra minha casa? Pros meus?
-Calma, Rodrigo. Não vá com
tanta sede ao pote. Encontre o seu substituto na igreja. Ele vai
estar vestindo verde, de cima a baixo, pra você não ter como se
confundir. Anote também o meu celular pra me ligar quando você
tiver passado todos os instrumentos de trabalho pro substituto aí em
São Gonçalo. Depois disso, você está liberado pra ir pra onde
você quiser.
-Você me garante?
-Meu querido, minha palavra é
uma só. Não sou de voltar atrás. Você terá sua liberdade, sob
algumas condições que ainda serão discutidas mais pra frente.
Agora preciso desligar. Feliz alforria!
Rodrigo vibra por se livrar
das obrigações com “Chefe”. CORTA A CENA.
CENA 4: Horas depois, Cláudio
vai à casa de Guilherme depois de sua aula, para agradecer o novo
amigo.
-Oi, Guilherme... atrapalho?
-Imagina, querido! Não
atrapalha nunca!
-É que eu vim sem avisar...
desculpe. Podia ter ligado pro seu celular, pelo menos...
-Para com isso, Cláudio. Você
pode vir sempre que quiser, de verdade.
-Obrigado... aliás, eu queria
agradecer pelo apoio que você tem me dado. Você e o Bruno, apesar
de tudo, não me abandonaram nesse momento difícil. Você tá se
mostrando uma pessoa maravilhosa, Guilherme. Agora eu sei que quando
a gente estudou junto, era esse seu potencial maravilhoso que eu
enxergava.
Guilherme se emociona.
-Cláudio... você não sabe
como me faz feliz por me dizer essas coisas.
Guilherme tenta beijar
Cláudio, que se assusta e se esquiva.
-Guilherme... você me
prometeu...
-Eu sei. Desculpe... é que eu
nunca te beijei. Senti vontade de sentir o gosto da sua boca...
-Eu preciso de tempo... pra
pensar, pra colar os meus cacos. Me desculpe por não poder te
oferecer o que você deseja de mim... eu preciso ir. Mas você é bem
vindo na minha casa a qualquer hora. Você está se mostrando um
amigo leal. Até mais, amigo...
Cláudio deixa rapidamente o
apartamento de Guilherme, visivelmente atordoado. CORTA A CENA.
CENA 5: Raquel está novamente
no consultório de Valentim, a relatar o comportamento de Suzanne sem
revelar que ela é sua filha.
-Sabe, doutor Valentim... essa
menina, melhor dizendo, essa mulher, a filha da minha conhecida, está
me dando cada vez mais certeza de que é psicopata. Andei conversando
com essa conhecida, claro... sem falar pra ela de minhas suspeitas.
Como somos conhecidas de longa data, ela foi me contando algumas
coisas de acordo com as perguntas que fiz.
-Sei, Raquel. E que perguntas
seriam essas?
-Bem, perguntei como havia
sido a infância da filha dela.
-E o que você obteve como
resposta?
-Coisas no mínimo
perturbadoras, doutor...
-Como o que, por exemplo?
-Minha conhecida relatou que
desde pequena, sua filha tinha uns comportamentos não apenas
esquisitos, mas acima de tudo, mórbidos. Pra você ter uma ideia do
nível disso, ela relatou que a filha dela, quando tinha seis anos,
dissecou um gato da vizinhança, que ela mesma, de algum jeito, matou
e... bem, depois pendurou a carcaça desse gato morto no varal do
quintal de sua casa.
-Interessante você me relatar
isso. Quase sempre a infância dos psicopatas é cercada de eventos
parecidos com esse. Só acho meio estranho que você, Raquel, parece
um tanto abalada ao falar de tudo isso... ou é só impressão minha?
Raquel tenta se esquivar da
suspeita de Valentim.
-Que isso, doutor! Não é que
eu me abale... mas fico chocada de alguma maneira com o que minha
conhecida contou pra mim. Essa frieza, pra interromper uma vida
inocente, que nem de longe representava ameaça... ainda mais essa
menina sendo uma criança na época... torna isso mais mórbido
ainda.
-Será que é só isso, mesmo,
Raquel? Eu podia jurar que essa história que você me contou não é
nenhuma novidade pra você. Está claro que essas coisas te chocam,
mas sua expressão corporal demonstra alguma naturalidade ao falar
disso...
-Você está enganado, doutor
Valentim... é que já vi e vivi muita coisa nessa vida.
-Sei. Siga falando, essa
história está interessante...
Raquel segue relatando
lembranças a Valentim. CORTA A CENA.
CENA 6: Rodrigo liga para
“Chefe”.
-Fala, Rodrigo. Já entregou
tudo pro seu substituto?
-Fiz tudo como combinado.
-Se certificou que ninguém
observou ou seguiu vocês?
-Com certeza, chefe. Pode
ficar tranquilo.
-Perfeito. Você pode voltar
pra sua casa. Digo, para o Rio... o que você vai fazer no Rio não é
mais do meu interesse.
-Hoje mesmo?
-Sim. Mas tenho um último
pedido a te fazer: encontre com Mateus antes. Você sabe, ele é
melhor como estrategista do que em ação. É meio covardão como
você, quando se trata de combate. Ele vai te substituir nessa parte
estratégica. Passe ele todas as instruções que puder. Procure um
lugar neutro, que não desperte suspeitas, certo?
-Acho que essa é a coisa mais
simples de se fazer nesses anos todos, ainda mais sabendo que será
minha despedida dessa organização. Muito obrigado por me libertar
disso tudo...
-Não venha com
sentimentalismos. Não estou te fazendo favor nenhum... você apenas
deixou de ser útil pra mim, me deu mais prejuízo nesses últimos
meses do que qualquer coisa. De qualquer forma, boa sorte.
“Chefe” desliga e Rodrigo
começa a arrumar suas malas para voltar ao Rio. CORTA A CENA.
CENA 7: Horas mais tarde,
Laura aproveita que Mateus saiu e em vez de seguir o namorado,
resolve vasculhar seu notebook.
-Ah... só o que me faltava...
tem senha! Mas convenhamos que o Mateus não é a pessoa mais
criativa quando se trata de criar senhas... deve ter colocado a data
de nascimento...
Laura digita a data de
nascimento de Mateus no campo da senha e consegue acessar o notebook
do namorado.
-Sabia!
Laura segue tentando descobrir
informações pelos arquivos, até que o programa de chamadas em
vídeo abre automaticamente no computador. Curiosa, Laura, decide
vasculhar a lista de contatos de Mateus e se surpreende ao encontrar
ali Bruno.
-Pera... esse não é o
namorado ou ex namorado do Cláudio? O que o Bruno tá fazendo aqui?
Laura abre a caixa de conversa
entre Mateus e descobre que eles conversavam por texto e não por
vídeo. Ao recuar para conversas mais antigas, Laura fica chocada.
-Eles tiveram um caso!
Namoraram! Taí as saídas misteriosas do Mateus! Ele me traiu
durante esse tempo! Mas faz meses que eles não se falam... bem,
devem ter terminado.
Laura fica perplexa e chocada
diante do que constata.
-Ele me enganou! Eles me
enganaram! Se bem que o coitado do Bruno não tem culpa pela vida
dupla que o Mateus resolveu levar. Devem ter se amado... meu Deus do
céu! Tá tudo começando a fazer sentido agora... a implicância com
o Claudinho não é e nunca foi gratuita... Mateus se sentia
insultado, agredido pela liberdade do meu melhor amigo... meu Deus,
que covarde!
Laura chora e treme de raiva
de Mateus. CORTA A CENA.
CENA 8: Marion finalmente
consegue fazer uma chamada para o filho.
-Meu filho... que saudade! As
coisas estão indo bem aí na Austrália?
-Melhores impossíveis... a
prima e o Vicente chegaram a te contar que falaram comigo e com o
Marcelo?
-Não chegaram a dizer... não
deve ter dado tempo, ou esqueceram, mesmo...
-Enfim... não tem problema.
-Mas então isso significa que
provavelmente você já sabe que eu fui chamada pra próxima novela
das nove...
-Sim, mãe. Mas não foi
porque eles me contaram. A gente leu na internet, antes deles
falarem. Nunca pensei que íamos interpretar na TV o que somos na
vida real, mãe e filho...
-Não é ótimo, filho? Pra
mim esse tá começando a ser um grande retorno!
-Fico muito feliz, mãe. Mais
feliz por você, acima de tudo. Sei o tanto que você sentiu falta de
trabalhar.
-Verdade. Mas tem mais coisa
nessa sua expressão feliz, não tem?
-Ah, muitas coisas boas tem
acontecido nesses dias aqui em Melbourne...
Rafael segue contando as
novidades para sua mãe. CORTA A CENA.
CENA 9: Mateus chega em casa
de seu encontro secreto com Rodrigo e percebe que Laura não está na
sala.
-Ué... será que ela saiu sem
me avisar? Estranho...
Mateus caminha pelo corredor e
encontra Laura no quarto.
-Oi, amor... resolveu dormir
cedo?
-Eu tou com cara de quem tá
indo dormir, Mateus?
Mateus estranha a fala ríspida
de Laura.
-Ei... que bicho te mordeu?
-Você me responde... o que
você fez com o nosso namoro nesses últimos anos? Me enganou! Não
adianta negar nada. Olha bem no meu olho e diz que você não teve um
caso com Bruno!
Mateus gela. FIM DO CAPÍTULO
35.
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