disqus

segunda-feira, 11 de julho de 2016

CAPÍTULO 49

CENA 1: Suzanne segue a olhar ameaçadoramente para Raquel, que não se deixa intimidar pela filha.
-Fala de uma vez o que você anda aprontando, mãe!
-Quem você pensa que é pra me tomar desse jeito, Suzanne?
-Sua única filha, quem sabe? O que é que você tá escondendo de mim?
-Já te passou pela cabeça que eu não esteja te escondendo nada? Quem costuma esconder as coisas e eu acabo descobrindo depois é você, minha filha.
-Que papel ridículo esse, mamãe... tentando virar o jogo!
-Fale por você, Suzanne. Impressionante que em trinta e cinco anos você não mudou... sempre achando que tudo nessa vida é um jogo...
-Você tá querendo me enrolar. Anda saindo todos os dias da semana, praticamente sempre no mesmo horário. Achou mesmo que eu acreditei nessa desculpinha de passeio?
-Você não tem que acreditar em nada do que eu digo, se não quiser, Suzanne. Parece que você não percebe que eu deixei toda uma vida lá em Curicica pra ficar aqui, mofando nesse apartamento de luxo. Não tenho obrigação de ficar presa aqui dentro, porque ao contrário do que você mente para as suas amiguinhas socialites, eu não sou sua empregada. Eu sou sua mãe.
-Você fica com essas justificativas... sempre as mesmas. Parece que foi ontem que ficou sabendo das regras desse jogo. Você aceitou cada uma delas, não venha se queixar agora. Eu sei que você tá escondendo algo de mim. O babaca do Márcio é quem fica te defendendo... esse sim deveria ser seu filho, não eu.
-Tá certo, Suzanne. Você quer a verdade? Eu digo...
-Estou esperando... vamos ver se me convence.
-Tenho andado deprimida, é isso. Eu realmente não tenho saído para dar passeios. Na verdade, tenho saído para me consultar com um psiquiatra. Se você quiser eu te mostro o cartão dele, pra você não achar que tou inventando história. O nome dele é Valentim.
-Sei... já ouvi falar dele. Minhas conhecidas da alta sociedade elogiam ele. Algumas já fizeram tratamento.
-Tá vendo como não é mentira?
-Tou quase acreditando. Só acho estranho esse papo de depressão...
-Não tem nada de estranho. Pode acontecer com qualquer pessoa, sabia disso?
-Não... disso eu sei, mãe. Só acho estranho que a senhora tenha depressão assim, do nada.
-Ela acontece sem dar aviso prévio. Não precisa de razão ou motivo, pode acometer qualquer pessoa, de qualquer idade e qualquer classe social.
-Onde é que você aprendeu a falar bonito assim, dona Raquel?
-Na terapia com o psiquiatra. Ele me explica várias coisas, em todas as consultas. Te peço desculpa por não ter falado antes, minha filha. Não queria te ocupar com meus problemas. Minhas saídas são quase sempre pra isso. Mas às vezes também passeio, ele disse que isso faz bem... tomar um ar, ver a vida, você sabe...
Suzanne acredita na justificativa da mãe. CORTA A CENA.

CENA 2: No dia seguinte, Raquel vai ao consultório de Valentim, relatar o ocorrido na noite anterior sobre as desconfianças de Suzanne.
-Então foi isso, Valentim... ela deu pra desconfiar das minhas saídas justo agora.
-E você disse o que?
-Disse que estava com depressão, que estava procurando tratamento com você por conta dessa depressão.
-Você fez o certo. Se falasse a verdade para a Suzanne, ela poderia simplesmente agir de maneira controladora com você, o mínimo que ela faria seria te prender em casa.
-Você acha que ela seria capaz?
-Isso é pra dizer o mínimo. Um psicopata, quando se sente acuado e ameaçado por uma pessoa, pode fazer coisas bem piores com essa pessoa.
-Então mentir pra ela foi a melhor saída, mesmo...
-Claro que foi, Raquel... não se preocupe. Você se saiu muito bem, pra falar a verdade.
-Sim, ela acreditou em cada palavra que eu disse.
-Espero que você não venha a se sentir culpada por isso. Não se esqueça que não dá para baixar a guarda com uma psicopata.
-O duro de tudo isso é saber que a psicopata em questão é minha filha.
-E poderia ser qualquer outra pessoa, Raquel. Tente não se prender muito a esse pensamento que só vai te fazer sofrer e a se culpar por algo que jamais foi sua responsabilidade. Psicopatas estão por toda parte, você já sabe disso.
-Eu sei, Valentim... mas não deixa de ser aterrador, meio desesperador imaginar que várias pessoas simpáticas que passam pela vida da gente, na verdade podem estar escondendo essa face nada agradável de se conhecer e de se ser vítima.
-Isso é verdade. O charme e o carisma são características notáveis nos psiquiatras.
-E deve ser isso que os leva a enganar muita gente. Eles sabem como manipular, como agradar, como fazer a coisa certa na hora certa. Isso é meio assustador...
-Acredite em mim, Raquel... deixa de ser tão assustador quando a gente já espera o que vem de pessoas como a sua filha.
-Isso é verdade. Mas confesso que por mais de trinta anos ela conseguiu me enganar direitinho, me levar no papo. De uma forma ou de outra, ela sempre conseguia me convencer a ficar do lado dela, a fazer o que ela insistia para que fosse feito. Eu via ela fazendo coisas muito erradas e me calava.
-Psicopatas costumam fazer isso com seus pais. Você é apenas um objeto nas mãos dela. Se aproveitam do amor que mães e pais sentem para manipular o sentimento de culpa deles, para que assim se protejam de punições maiores da lei. Sabem que os pais não denunciariam tão facilmente...
Os dois seguem conversando. CORTA A CENA.

CENA 3: Horas mais tarde, já de volta do trabalho, Cláudio está em casa na companhia de Bruno e Guilherme, quando Guilherme começa a aparentar estar em crise.
-Você tá legal? - preocupa-se Cláudio.
-Tou de boa. Às vezes essas tremedeiras vem, mas elas passam de uma vez. - fala Guilherme.
Entretanto, Guilherme começa a pirar e fecha todas as janelas. Bruno estranha.
-Que isso, cara! Nem anoiteceu ainda!
-Eles estão de olho na gente! Os homens de preto vieram atrás de mim, preciso manter todos nós a salvo... - fala Guilherme.
Bruno tenta acalmar Guilherme.
-Cara... isso são coisas da sua cabeça. Tenta ficar tranquilo. Não tem nada de errado lá fora. São só paranoias...
Guilherme reage violentamente às palavras de Bruno e o empurra com força. Bruno despenca pra trás e Cláudio se enfurece com Guilherme.
-O que foi isso? Você tem ideia de que poderia ter machucado o Bruno? Você agrediu ele!
Guilherme cai em si.
-Eu preciso do meu remédio...
-Você toma medicamento? - espanta-se Cláudio.
-Sim...
-E onde está?
-Na minha mochila. No bolso de fora.
-Bruno, vá pegar o remédio dele e traga um copo dágua! - ordena Cláudio.
-Eu não queria fazer o que eu fiz com o Bruno... eu juro! - fala Guilherme, tremendo e se encolhendo, a chorar.
Cláudio tenta tranquilizar Guilherme afagando ele. Bruno chega com o medicamento e com o copo dágua. Cláudio pega o medicamento e se surpreende.
-Isso aqui é Aripiprazol! É antipsicótico! Medicamento usado para...
-Exatamente, Cláudio... esquizofrenia. Eu sou esquizofrênico. - confessa Guilherme.
Cláudio, perplexo, fica sem reação. CORTA A CENA.

CENA 4: Riva está preparando o jantar sob os protestos de Vicente.
-Poxa vida, Riva, você é mesmo uma cabeça dura! A sua avó disse que podia cozinhar pra gente, caramba!
-Ai Vicente, nem vem! Se eu ficar parada, aí mesmo é que eu tenho um troço e posso perder nosso filho. Sou acostumada com o movimento e é por isso mesmo que não vejo a mínima necessidade da gente contratar empregada ou diarista.
-Não vai adiantar discutir com uma taurina, já vi tudo... enfiou na cabeça uma coisa, não tem Cristo que tire.
-Exatamente. E não é o seu papo mole de canceriano que fica comendo pelas beiradas que vai me fazer mudar de ideia.
-Eu sei... desculpe, querida. Só me preocupo com nosso bebê.
-Ainda bem que sabe... mas fique tranquilo. Nosso bebê vai vingar e vai nascer.
-Agora, mudando de alho pra bugalho... sabe o que anda me intrigando?
-O que, querido?
-Esse chá de sumiço repentino da Suzanne...
-E não é, Vicente? Dessa vez vou concordar com você. A mulher sumiu depois do jantar que ela fez pra gente... que por sinal, estava divino!
-Você não acha estranho ela ter sumido logo depois? Ela prepara o jantar, você passa mal e quase aborta por causa do coentro, depois ela some...
-Ih, Vicente. Nem começa com suas insinuações, por favor.
-Não tou insinuando nada, Riva... só achei estranho.
-Quer saber? Eu também achei...
Riva segue cozinhando com o auxílio de Vicente. CORTA A CENA.

CENA 5: Eva e Renata estão na casa de Eva, no quarto dela, quando o celular de Renata toca.
-Ih, Eva... é a minha mãe ligando. O que será que ela quer numa hora dessas? Espero que não seja pra me criticar por ter posado praquela foto com você no site da revista...
-Você não vai saber se não atender, boba.
Renata atende o celular.
-Fala, mãe. Tá precisando falar comigo?
-Tou sim, minha filha... na verdade eu até peço desculpa por não ter ligado mais cedo, sei que agora já é meio em cima da hora, mas adoraria que vocês viessem pra jantar aqui com a gente hoje. Vocês podem inclusive ficar para dormir... arrumei o seu quarto do jeitinho que ele era antes de você sair de casa...
-Ai, mãe... ainda tou me acostumando com essa versão 2016 de dona Adelaide. É sério isso? Se a gente for, a gente realmente pode ficar pra dormir? Você não vai ficar incomodada com a gente?
-Eu dou a minha palavra, filha. Se você aceitar, pode dizer isso pra Eva...
-Eu vou aceitar sim, mãe. Agora vou desligando e vou dizer pra Eva. Até mais tarde, beijo, te amo.
Renata desliga e Eva a encara sem entender a conversa.
-O que você e sua mãe estavam falando?
-Eva, ela acabou de convidar a gente pra jantar lá e disse que tá tudo bem se a gente dormir lá! Você quer ir?
-Claro que eu quero, amor! Isso é maravilhoso!
As duas comemoram e começam a arrumar as coisas. CORTA A CENA.

CENA 6: Cláudio resolve ir sozinho à companhia de teatro visitar os amigos e é recebido com alegria por Procópio, Mara, Valentim, Laura e pelos demais atores.
-É maravilhoso ser recebido por vocês desse jeito. Dessa forma parece que nunca me afastei de tudo aqui. Vocês me fazem sentir como se estivesse em casa, sempre... - fala Cláudio, feliz por ser bem recebido.
-A gente sente sua falta, Cláudio. Você é um dos talentos mais promissores e me surpreende que você não tenha seguido no teatro. - fala Procópio.
-Ah, Procópio... são as atribulações e obrigações da vida. Tenho de sobreviver. Por conta do trabalho, andei totalmente sem tempo.
-E por que tá agora aqui? - estranha Laura.
-Eu nem tive coragem de contar ao Bruno ou ao Guilherme, mas eu fui demitido hoje. Disseram que não perdoariam minhas duas faltas injustificadas. Pelo menos fui demitido com direito a tudo, seguro desemprego, FGTS... vai tudo cair na minha conta. Vou ter um tempo de conforto antes de ir à luta de novo.
-E por que você não volta pro nosso grupo? - propõe Procópio.
-Eu adoraria, Procópio. Mas posso saber como é que vou pagar minhas contas?
-Pra cima de mim, Cláudio? Sua casa está quitada, os impostos em dia, tudo no seu nome... você pode perfeitamente voltar pro nosso grupo que, cedo ou tarde, acabamos faturando com nossas apresentações! - fala Laura.
-Desse jeito convidativo... acho que só me resta aceitar. Vocês não tem noção do quanto eu quis voltar pra cá nesse tempo todo que fiquei fora! - vibra Cláudio.
Todos abraçam alegremente Cláudio. CORTA A CENA.

CENA 7: Horas depois, Mara e Valentim estão de saída quando Valentim recebe uma chamada de Victor e atende.
-O que foi, Victor? Estranhei você me ligar uma hora dessas.
-Eu fiz besteira, doutor. Me desculpe, eu fraquejei.
-Mas sua voz parece calma agora. Você está melhor?
-Sim. Depois do desespero, caí em mim a tempo.
-O que você fez, pode me dizer?
-Eu tentei me matar.
-Como foi isso? E Diogo, não está por perto para te ajudar?
-Nós brigamos, doutor. Quer dizer... eu causei a briga. Entrei naquelas minhas paranoias de culpar o mundo e as pessoas pelos hábitos do Diogo. Já tinha entrado nessa viagem antes, mas voltei a mim a tempo. Dessa última vez eu falei coisas pesadas pra ele. Ele ficou ofendido, com toda a razão. Por causa disso, saiu pra respirar um pouco. E tá certo de ter saído... no outro dia eu proibi ele de se divertir...
-E o que motivou essa tentativa de suicídio? Como foi que você tentou?
-O que me motivou foi me sentir um bosta, um nada, um peso na vida dele e das pessoas que me conhecem. Senti muita vergonha de ser eu mesmo, de estar na minha pele. Quis me livrar disso. Foi então que eu fui à cozinha... peguei uma faca e cravei ela na barriga. Estranhei não sentir nenhuma forte dor por dentro e retirei a faca. O sangue começou a jorrar e eu me desesperei. Achei que ia morrer. Mas consegui estancar o sangramento a tempo e percebi que nada demais tinha me acontecido. E agora tenho vergonha, me arrependo do que fiz. Não quero que Diogo saiba que tentei me matar. Tenho medo que ele pense que foi por causa dele, mas o único causador disso tudo sou eu mesmo.
-Você ainda está meio agitado, Victor. Tente se acalmar. Amanhã nós conversamos melhor sobre isso. Acho melhor você falar tudo o que me disse ao Diogo... ele vai entender. Vai compreender que não foi por causa dele que você cometeu esse deslize.
-Prefiro deixar pra decidir isso depois que a gente conversar amanhã... espero que me entenda.
-Se você prefere assim, respeito sua decisão. Amanhã você me conta tudo melhor na consulta.
Valentim desliga. CORTA A CENA.

CENA 8: Depois do jantar, Cleiton vai dormir e Adelaide fica a sós na sala com Eva e Renata.
-Meninas... eu vou ser sincera com vocês, posso? - fala Adelaide.
-E por que não poderia? A senhora está dentro da sua casa e está sendo muito gentil com a gente... - fala Eva.
-Eu espero que vocês não levem a mal o que vou dizer...
-Olha lá o que você vai falar, mãe... - preocupa-se Renata
-Preciso abrir meu coração... não tem sido fácil pra mim aprender a conviver, me adaptar a tudo isso. Eu sei que pra vocês é normal porque é o que vocês são... não é isso que questiono. Mas confesso que por um momento fiquei preocupada com que iriam pensar de mim lá na igreja, quando vi no site da revista a foto de vocês duas juntas, a Eva te apresentando como namorada, minha filha... me desculpem, queridas. Eu sei que vocês não merecem ouvir isso tudo... mas tudo isso ainda é um mundo novo pra mim. É como se eu estivesse renascendo, reaprendendo a andar, falar... resignificando as coisas no meu mundo. Peço que tenham paciência comigo se por um acaso eu acabar fazendo algum comentário infeliz...
Renata se comove com a postura de sua mãe.
-Na verdade a senhora tá dando é motivo pra eu me orgulhar de te ter como mãe. Deus sabe o que faz, no fim das contas... sabia o que tava fazendo quando te fez escolher a mim na fila de adoção. Eu só tenho a agradecer, apesar dos percalços que passamos. No fim, eles serviram para que nós pudéssemos amadurecer através deles...
-E a senhora pode ficar tranquila... nós vamos te ajudar nesse processo de desconstrução, pode deixar. - complementa Eva.
As três se abraçam, selando definitivamente a harmonia entre elas. CORTA A CENA.

CENA 9: Na mansão dos Bittencourt, todos estão conversando tranquilamente na sala quando a campainha toca.
-Ih... será que a Suzanne resolveu aparecer de sopetão depois do sumiço? - questiona Riva.
-Não acho que uma pessoa fina como ela cometeria essa deselegância de aparecer na casa dos outros quando já passou das nove... - alfineta, sutilmente, Valquíria.
-Que tal vocês pararem de especular sobre quem é que tá batendo na nossa casa e alguém for atender a porta? - fala Marcelo.
-Então vai você, filho... - fala Riva.
Marcelo vai até a porta e se surpreende com quem vê.
-Laura? O que é que você veio fazer aqui numa hora dessas? FIM DO CAPÍTULO 49.

Nenhum comentário:

Postar um comentário