CENA 1: Suzanne segue a olhar
ameaçadoramente para Raquel, que não se deixa intimidar pela filha.
-Fala de uma vez o que você
anda aprontando, mãe!
-Quem você pensa que é pra
me tomar desse jeito, Suzanne?
-Sua única filha, quem sabe?
O que é que você tá escondendo de mim?
-Já te passou pela cabeça
que eu não esteja te escondendo nada? Quem costuma esconder as
coisas e eu acabo descobrindo depois é você, minha filha.
-Que papel ridículo esse,
mamãe... tentando virar o jogo!
-Fale por você, Suzanne.
Impressionante que em trinta e cinco anos você não mudou... sempre
achando que tudo nessa vida é um jogo...
-Você tá querendo me
enrolar. Anda saindo todos os dias da semana, praticamente sempre no
mesmo horário. Achou mesmo que eu acreditei nessa desculpinha de
passeio?
-Você não tem que acreditar
em nada do que eu digo, se não quiser, Suzanne. Parece que você não
percebe que eu deixei toda uma vida lá em Curicica pra ficar aqui,
mofando nesse apartamento de luxo. Não tenho obrigação de ficar
presa aqui dentro, porque ao contrário do que você mente para as
suas amiguinhas socialites, eu não sou sua empregada. Eu sou sua
mãe.
-Você fica com essas
justificativas... sempre as mesmas. Parece que foi ontem que ficou
sabendo das regras desse jogo. Você aceitou cada uma delas, não
venha se queixar agora. Eu sei que você tá escondendo algo de mim.
O babaca do Márcio é quem fica te defendendo... esse sim deveria
ser seu filho, não eu.
-Tá certo, Suzanne. Você
quer a verdade? Eu digo...
-Estou esperando... vamos ver
se me convence.
-Tenho andado deprimida, é
isso. Eu realmente não tenho saído para dar passeios. Na verdade,
tenho saído para me consultar com um psiquiatra. Se você quiser eu
te mostro o cartão dele, pra você não achar que tou inventando
história. O nome dele é Valentim.
-Sei... já ouvi falar dele.
Minhas conhecidas da alta sociedade elogiam ele. Algumas já fizeram
tratamento.
-Tá vendo como não é
mentira?
-Tou quase acreditando. Só
acho estranho esse papo de depressão...
-Não tem nada de estranho.
Pode acontecer com qualquer pessoa, sabia disso?
-Não... disso eu sei, mãe.
Só acho estranho que a senhora tenha depressão assim, do nada.
-Ela acontece sem dar aviso
prévio. Não precisa de razão ou motivo, pode acometer qualquer
pessoa, de qualquer idade e qualquer classe social.
-Onde é que você aprendeu a
falar bonito assim, dona Raquel?
-Na terapia com o psiquiatra.
Ele me explica várias coisas, em todas as consultas. Te peço
desculpa por não ter falado antes, minha filha. Não queria te
ocupar com meus problemas. Minhas saídas são quase sempre pra isso.
Mas às vezes também passeio, ele disse que isso faz bem... tomar um
ar, ver a vida, você sabe...
Suzanne acredita na
justificativa da mãe. CORTA A CENA.
CENA 2: No dia seguinte,
Raquel vai ao consultório de Valentim, relatar o ocorrido na noite
anterior sobre as desconfianças de Suzanne.
-Então foi isso, Valentim...
ela deu pra desconfiar das minhas saídas justo agora.
-E você disse o que?
-Disse que estava com
depressão, que estava procurando tratamento com você por conta
dessa depressão.
-Você fez o certo. Se falasse
a verdade para a Suzanne, ela poderia simplesmente agir de maneira
controladora com você, o mínimo que ela faria seria te prender em
casa.
-Você acha que ela seria
capaz?
-Isso é pra dizer o mínimo.
Um psicopata, quando se sente acuado e ameaçado por uma pessoa, pode
fazer coisas bem piores com essa pessoa.
-Então mentir pra ela foi a
melhor saída, mesmo...
-Claro que foi, Raquel... não
se preocupe. Você se saiu muito bem, pra falar a verdade.
-Sim, ela acreditou em cada
palavra que eu disse.
-Espero que você não venha a
se sentir culpada por isso. Não se esqueça que não dá para baixar
a guarda com uma psicopata.
-O duro de tudo isso é saber
que a psicopata em questão é minha filha.
-E poderia ser qualquer outra
pessoa, Raquel. Tente não se prender muito a esse pensamento que só
vai te fazer sofrer e a se culpar por algo que jamais foi sua
responsabilidade. Psicopatas estão por toda parte, você já sabe
disso.
-Eu sei, Valentim... mas não
deixa de ser aterrador, meio desesperador imaginar que várias
pessoas simpáticas que passam pela vida da gente, na verdade podem
estar escondendo essa face nada agradável de se conhecer e de se ser
vítima.
-Isso é verdade. O charme e o
carisma são características notáveis nos psiquiatras.
-E deve ser isso que os leva a
enganar muita gente. Eles sabem como manipular, como agradar, como
fazer a coisa certa na hora certa. Isso é meio assustador...
-Acredite em mim, Raquel...
deixa de ser tão assustador quando a gente já espera o que vem de
pessoas como a sua filha.
-Isso é verdade. Mas confesso
que por mais de trinta anos ela conseguiu me enganar direitinho, me
levar no papo. De uma forma ou de outra, ela sempre conseguia me
convencer a ficar do lado dela, a fazer o que ela insistia para que
fosse feito. Eu via ela fazendo coisas muito erradas e me calava.
-Psicopatas costumam fazer
isso com seus pais. Você é apenas um objeto nas mãos dela. Se
aproveitam do amor que mães e pais sentem para manipular o
sentimento de culpa deles, para que assim se protejam de punições
maiores da lei. Sabem que os pais não denunciariam tão
facilmente...
Os dois seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 3: Horas mais tarde, já
de volta do trabalho, Cláudio está em casa na companhia de Bruno e
Guilherme, quando Guilherme começa a aparentar estar em crise.
-Você tá legal? -
preocupa-se Cláudio.
-Tou de boa. Às vezes essas
tremedeiras vem, mas elas passam de uma vez. - fala Guilherme.
Entretanto, Guilherme começa
a pirar e fecha todas as janelas. Bruno estranha.
-Que isso, cara! Nem anoiteceu
ainda!
-Eles estão de olho na gente!
Os homens de preto vieram atrás de mim, preciso manter todos nós a
salvo... - fala Guilherme.
Bruno tenta acalmar Guilherme.
-Cara... isso são coisas da
sua cabeça. Tenta ficar tranquilo. Não tem nada de errado lá fora.
São só paranoias...
Guilherme reage violentamente
às palavras de Bruno e o empurra com força. Bruno despenca pra trás
e Cláudio se enfurece com Guilherme.
-O que foi isso? Você tem
ideia de que poderia ter machucado o Bruno? Você agrediu ele!
Guilherme cai em si.
-Eu preciso do meu remédio...
-Você toma medicamento? -
espanta-se Cláudio.
-Sim...
-E onde está?
-Na minha mochila. No bolso de
fora.
-Bruno, vá pegar o remédio
dele e traga um copo dágua! - ordena Cláudio.
-Eu não queria fazer o que eu
fiz com o Bruno... eu juro! - fala Guilherme, tremendo e se
encolhendo, a chorar.
Cláudio tenta tranquilizar
Guilherme afagando ele. Bruno chega com o medicamento e com o copo
dágua. Cláudio pega o medicamento e se surpreende.
-Isso aqui é Aripiprazol! É
antipsicótico! Medicamento usado para...
-Exatamente, Cláudio...
esquizofrenia. Eu sou esquizofrênico. - confessa Guilherme.
Cláudio, perplexo, fica sem
reação. CORTA A CENA.
CENA 4: Riva está preparando
o jantar sob os protestos de Vicente.
-Poxa vida, Riva, você é
mesmo uma cabeça dura! A sua avó disse que podia cozinhar pra
gente, caramba!
-Ai Vicente, nem vem! Se eu
ficar parada, aí mesmo é que eu tenho um troço e posso perder
nosso filho. Sou acostumada com o movimento e é por isso mesmo que
não vejo a mínima necessidade da gente contratar empregada ou
diarista.
-Não vai adiantar discutir
com uma taurina, já vi tudo... enfiou na cabeça uma coisa, não tem
Cristo que tire.
-Exatamente. E não é o seu
papo mole de canceriano que fica comendo pelas beiradas que vai me
fazer mudar de ideia.
-Eu sei... desculpe, querida.
Só me preocupo com nosso bebê.
-Ainda bem que sabe... mas
fique tranquilo. Nosso bebê vai vingar e vai nascer.
-Agora, mudando de alho pra
bugalho... sabe o que anda me intrigando?
-O que, querido?
-Esse chá de sumiço
repentino da Suzanne...
-E não é, Vicente? Dessa vez
vou concordar com você. A mulher sumiu depois do jantar que ela fez
pra gente... que por sinal, estava divino!
-Você não acha estranho ela
ter sumido logo depois? Ela prepara o jantar, você passa mal e quase
aborta por causa do coentro, depois ela some...
-Ih, Vicente. Nem começa com
suas insinuações, por favor.
-Não tou insinuando nada,
Riva... só achei estranho.
-Quer saber? Eu também
achei...
Riva segue cozinhando com o
auxílio de Vicente. CORTA A CENA.
CENA 5: Eva e Renata estão na
casa de Eva, no quarto dela, quando o celular de Renata toca.
-Ih, Eva... é a minha mãe
ligando. O que será que ela quer numa hora dessas? Espero que não
seja pra me criticar por ter posado praquela foto com você no site
da revista...
-Você não vai saber se não
atender, boba.
Renata atende o celular.
-Fala, mãe. Tá precisando
falar comigo?
-Tou sim, minha filha... na
verdade eu até peço desculpa por não ter ligado mais cedo, sei que
agora já é meio em cima da hora, mas adoraria que vocês viessem
pra jantar aqui com a gente hoje. Vocês podem inclusive ficar para
dormir... arrumei o seu quarto do jeitinho que ele era antes de você
sair de casa...
-Ai, mãe... ainda tou me
acostumando com essa versão 2016 de dona Adelaide. É sério isso?
Se a gente for, a gente realmente pode ficar pra dormir? Você não
vai ficar incomodada com a gente?
-Eu dou a minha palavra,
filha. Se você aceitar, pode dizer isso pra Eva...
-Eu vou aceitar sim, mãe.
Agora vou desligando e vou dizer pra Eva. Até mais tarde, beijo, te
amo.
Renata desliga e Eva a encara
sem entender a conversa.
-O que você e sua mãe
estavam falando?
-Eva, ela acabou de convidar a
gente pra jantar lá e disse que tá tudo bem se a gente dormir lá!
Você quer ir?
-Claro que eu quero, amor!
Isso é maravilhoso!
As duas comemoram e começam a
arrumar as coisas. CORTA A CENA.
CENA 6: Cláudio resolve ir
sozinho à companhia de teatro visitar os amigos e é recebido com
alegria por Procópio, Mara, Valentim, Laura e pelos demais atores.
-É maravilhoso ser recebido
por vocês desse jeito. Dessa forma parece que nunca me afastei de
tudo aqui. Vocês me fazem sentir como se estivesse em casa,
sempre... - fala Cláudio, feliz por ser bem recebido.
-A gente sente sua falta,
Cláudio. Você é um dos talentos mais promissores e me surpreende
que você não tenha seguido no teatro. - fala Procópio.
-Ah, Procópio... são as
atribulações e obrigações da vida. Tenho de sobreviver. Por conta
do trabalho, andei totalmente sem tempo.
-E por que tá agora aqui? -
estranha Laura.
-Eu nem tive coragem de contar
ao Bruno ou ao Guilherme, mas eu fui demitido hoje. Disseram que não
perdoariam minhas duas faltas injustificadas. Pelo menos fui demitido
com direito a tudo, seguro desemprego, FGTS... vai tudo cair na minha
conta. Vou ter um tempo de conforto antes de ir à luta de novo.
-E por que você não volta
pro nosso grupo? - propõe Procópio.
-Eu adoraria, Procópio. Mas
posso saber como é que vou pagar minhas contas?
-Pra cima de mim, Cláudio?
Sua casa está quitada, os impostos em dia, tudo no seu nome... você
pode perfeitamente voltar pro nosso grupo que, cedo ou tarde,
acabamos faturando com nossas apresentações! - fala Laura.
-Desse jeito convidativo...
acho que só me resta aceitar. Vocês não tem noção do quanto eu
quis voltar pra cá nesse tempo todo que fiquei fora! - vibra
Cláudio.
Todos abraçam alegremente
Cláudio. CORTA A CENA.
CENA 7: Horas depois, Mara e
Valentim estão de saída quando Valentim recebe uma chamada de
Victor e atende.
-O que foi, Victor? Estranhei
você me ligar uma hora dessas.
-Eu fiz besteira, doutor. Me
desculpe, eu fraquejei.
-Mas sua voz parece calma
agora. Você está melhor?
-Sim. Depois do desespero, caí
em mim a tempo.
-O que você fez, pode me
dizer?
-Eu tentei me matar.
-Como foi isso? E Diogo, não
está por perto para te ajudar?
-Nós brigamos, doutor. Quer
dizer... eu causei a briga. Entrei naquelas minhas paranoias de
culpar o mundo e as pessoas pelos hábitos do Diogo. Já tinha
entrado nessa viagem antes, mas voltei a mim a tempo. Dessa última
vez eu falei coisas pesadas pra ele. Ele ficou ofendido, com toda a
razão. Por causa disso, saiu pra respirar um pouco. E tá certo de
ter saído... no outro dia eu proibi ele de se divertir...
-E o que motivou essa
tentativa de suicídio? Como foi que você tentou?
-O que me motivou foi me
sentir um bosta, um nada, um peso na vida dele e das pessoas que me
conhecem. Senti muita vergonha de ser eu mesmo, de estar na minha
pele. Quis me livrar disso. Foi então que eu fui à cozinha...
peguei uma faca e cravei ela na barriga. Estranhei não sentir
nenhuma forte dor por dentro e retirei a faca. O sangue começou a
jorrar e eu me desesperei. Achei que ia morrer. Mas consegui estancar
o sangramento a tempo e percebi que nada demais tinha me acontecido.
E agora tenho vergonha, me arrependo do que fiz. Não quero que Diogo
saiba que tentei me matar. Tenho medo que ele pense que foi por causa
dele, mas o único causador disso tudo sou eu mesmo.
-Você ainda está meio
agitado, Victor. Tente se acalmar. Amanhã nós conversamos melhor
sobre isso. Acho melhor você falar tudo o que me disse ao Diogo...
ele vai entender. Vai compreender que não foi por causa dele que
você cometeu esse deslize.
-Prefiro deixar pra decidir
isso depois que a gente conversar amanhã... espero que me entenda.
-Se você prefere assim,
respeito sua decisão. Amanhã você me conta tudo melhor na
consulta.
Valentim desliga. CORTA A
CENA.
CENA 8: Depois do jantar,
Cleiton vai dormir e Adelaide fica a sós na sala com Eva e Renata.
-Meninas... eu vou ser sincera
com vocês, posso? - fala Adelaide.
-E por que não poderia? A
senhora está dentro da sua casa e está sendo muito gentil com a
gente... - fala Eva.
-Eu espero que vocês não
levem a mal o que vou dizer...
-Olha lá o que você vai
falar, mãe... - preocupa-se Renata
-Preciso abrir meu coração...
não tem sido fácil pra mim aprender a conviver, me adaptar a tudo
isso. Eu sei que pra vocês é normal porque é o que vocês são...
não é isso que questiono. Mas confesso que por um momento fiquei
preocupada com que iriam pensar de mim lá na igreja, quando vi no
site da revista a foto de vocês duas juntas, a Eva te apresentando
como namorada, minha filha... me desculpem, queridas. Eu sei que
vocês não merecem ouvir isso tudo... mas tudo isso ainda é um
mundo novo pra mim. É como se eu estivesse renascendo, reaprendendo
a andar, falar... resignificando as coisas no meu mundo. Peço que
tenham paciência comigo se por um acaso eu acabar fazendo algum
comentário infeliz...
Renata se comove com a postura
de sua mãe.
-Na verdade a senhora tá
dando é motivo pra eu me orgulhar de te ter como mãe. Deus sabe o
que faz, no fim das contas... sabia o que tava fazendo quando te fez
escolher a mim na fila de adoção. Eu só tenho a agradecer, apesar
dos percalços que passamos. No fim, eles serviram para que nós
pudéssemos amadurecer através deles...
-E a senhora pode ficar
tranquila... nós vamos te ajudar nesse processo de desconstrução,
pode deixar. - complementa Eva.
As três se abraçam, selando
definitivamente a harmonia entre elas. CORTA A CENA.
CENA 9: Na mansão dos
Bittencourt, todos estão conversando tranquilamente na sala quando a
campainha toca.
-Ih... será que a Suzanne
resolveu aparecer de sopetão depois do sumiço? - questiona Riva.
-Não acho que uma pessoa fina
como ela cometeria essa deselegância de aparecer na casa dos outros
quando já passou das nove... - alfineta, sutilmente, Valquíria.
-Que tal vocês pararem de
especular sobre quem é que tá batendo na nossa casa e alguém for
atender a porta? - fala Marcelo.
-Então vai você, filho... -
fala Riva.
Marcelo vai até a porta e se
surpreende com quem vê.
-Laura? O que é que você
veio fazer aqui numa hora dessas? FIM DO CAPÍTULO 49.
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