CENA 1: Mateus se levanta e
Rafael invade o apartamento, seguido por Marcelo. Rafael segura
Mateus pelo colarinho.
-Tá feliz agora, seu verme?
Você era o único que sabia dos meus planos, só contei pra você!
-Vai fazer o que? Me
processar? Faltei com a verdade? Sua carreira estaria acabada de
qualquer jeito! - revida Mateus, sorrindo ironicamente.
Rafael tenta agredir Mateus
novamente, mas Marcelo o contém.
-Chega! Parem com isso agora!
Tá vendo porque eu tinha de vir junto, amor? Olha só o que você
fez!
-Ah, tá! Agora o culpado sou
eu? Me poupe do seu moralismo, Marcelo!
-Não, Rafa! Perder a razão
diante desse verme não vai ajudar em nada!
Mateus olha para Laura, que
permanece parada a observar o desenrolar da situação.
-Não vai fazer nada, Laura?
Vai ficar aí parada? Pera... você abriu pra eles... foi você que
chamou eles aqui, não foi? Eu não esperava isso de você!
-Eu não concordo com o soco
que você levou, Mateus. Mas você mereceu. Sim, eu confirmei tudo
pro Rafael hoje lá no teatro. Eu te disse que faria isso.
Marcelo e Rafael sentam-se no
sofá e Mateus, na poltrona. Rafael começa a falar.
-Você não passa de um verme,
Mateus. O que você acha que ganhou com isso? A sua novela prestes a
estrear, você cheio de trabalho e ainda encontra tempo pra uma
palhaçada dessas? Sabe o que mais me dói nisso? Que desde que a
gente se conheceu eu fui seu amigo, mas você nunca foi amigo de
ninguém. Você passa por cima de qualquer um que te represente
ameaça e a ameaça é você quem cria. A sua ambição, sem limites,
que cria esses monstros que você dá vida. Você justifica que
deixou a Bahia muito cedo, ainda quase criança, que nunca mais viu
pessoalmente os pais e só fala com eles pela internet, mas eu
pergunto: te faltou moradia? Não! Quando você morava com seus pais
lá na sua terra, te faltou escola? Não! Te faltou comida? Muito
menos! Você diz que eu sou privilegiado por ser de família rica,
mas você sempre deixou claro que sua família lá é de classe
média. Você é o retrato do brasileiro ganancioso... não contente
em ser da classe média, já pensa que é elite ou quer ser a elite.
Quando se torna a elite, quer ser rei. Você é, acima de tudo, uma
pessoa corrompida. Você é como milhares de pessoas: um corrupto,
que passa por cima de qualquer moral ou respeito em nome do que você
ambiciona. Você não passa de um corrupto.
Mateus fica impactado com as
duras palavras de Rafael e sentindo-se humilhado, segura-se para não
chorar na frente de Rafael e Marcelo.
-Chega, amor... você já
disse tudo o que era preciso ser dito. Acho que esse daí vai ter
muito o que pensar por muitos dias... - fala Marcelo.
-Você tá certo, Marcelo...
vamos embora. Laura, desculpe qualquer coisa.
Rafael e Marcelo partem.
Mateus chora, arrependido e humilhado e Laura o consola. CORTA A
CENA.
CENA 2: Ao amanhecer do dia
seguinte, Márcio acorda-se e percebe que Suzanne está pensativa
fazendo anotações.
-Você nunca foi de se acordar
cedo desse jeito, Suzanne. Ainda mais pra fazer anotações sobre
seus planos. O que te deu?
-Você quer dizer o que não
me deu, né? Não dei! Não dei pro Haroldo. Ele disse que se sente
atraído por mim, mas que não quer nada sério porque não tá
preparado, bla bla bla... enfim, um papo chato e cansativo que eu
tive que aguentar quando a gente foi no Jardim Botânico a convite
dele.
-Tá, mas só por isso você
praticamente madrugou pra refazer os planos? Nunca te vi entregar os
pontos fácil desse jeito.
-E você acha que eu tenho
tempo e condições de insistir no bobo apaixonado e traumatizado
pelas merdas do passado? Eu não engoli aquela desconfiança da Riva
por causa da gargantilha que você roubou em noventa e seis.
-Roubei porque você disse pra
eu passar a mão na herança da Riva, se você esqueceu desse
detalhe.
-Eu sei. Que seja.
-Você não acha cedo demais
pra desistir do Haroldo?
-Não acho. Tenho é que
descobrir rápido por onde eu posso me garantir segura nessa família,
isso sim.
-Sinceramente eu não vejo
quem mais ali poderia ser sua tábua de salvação. Depois... você
não disse agora que ele desabafou um monte contigo?
-Disse mesmo. Ele desabafou
tanta coisa que eu tive que me segurar pra não revirar os olhos com
aquele monte de palhaçada sentimental que ele tava falando.
-Se ele desabafou é porque de
alguma forma ele quer confiar em você, certo?
-É verdade... Márcio, você
tem razão! Claro! Como é que não percebi isso antes? Se ele está
disposto a ser meu confidente, isso significa que é mais fácil de
envolver o pato no que eu quiser... e seduzir ele não seria uma
tarefa difícil, basta que eu consiga terminar de ganhar a confiança
dele!
-Exatamente, Suzanne. Me
surpreende que você não tenha pensado nisso antes.
-Ah, você sabe que eu perco a
paciência fácil com esses mela-cueca.
-É, mas não dá pra ser
intempestiva numa hora dessas.
-Você sabe muito bem que não
gosto de ser contrariada ou que as coisas não saiam do meu jeito.
Mas também não sou de ficar me lamentando. A gente joga com as
peças que tem.
-E é por isso que você ainda
deve focar no Haroldo. Ele pode ser a sua salvação.
-Engraçado... às vezes te
sinto distante. Antes você costumava dizer sempre a “nossa”
salvação... agora disse “sua”.
-Ah, Suzanne... besteira. O
que não dá é pra perder o foco.
-Sei... de qualquer forma você
tá coberto de razão. Pode deixar que eu vou pensar num jeito de
enredar o pato na minha teia.
CORTA A CENA.
CENA 3: Horas depois, Mateus
está em um intervalo das gravações nos estúdios e vê que há uma
mensagem do “Chefe”. Ao lê-la, resolve ligar pra ele.
-Incomodo, chefe?
-Não, seu imbecil. Se eu te
mandei a mensagem foi justamente porque eu esperava que você
retornasse quando pudesse.
-Só não entendi porque você
disse que eu tinha que baixar a bola.
-Você está se fazendo de
lerdo ou está especialmente lerdo hoje, mesmo?
-Não precisa me tratar feito
um criado.
-Mateus... deixa eu refrescar
um pouquinho a sua memória: você é meu criado e tudo o que eu
quiser que você seja. Se eu resolver que vou te mandar trabalhar pra
organização e não te pagar um centavo por isso, eu decido.
-Isso seria escravidão! Dá
cadeia, sabia?
-Seu tonto... tudo o que a
gente faz pode dar cadeia. Você acha mesmo que estou preocupado com
ética? Foda-se a ética! Só que você precisa sim baixar a sua
bola. Não adianta negar diante de mim que eu sei que essa última
que aconteceu do Rafael e do Marcelo terem sido delatados pelo site
de fofoca teve a sua mão. A mão não... o braço inteiro!
-Teve mesmo. Você está
esquecido? Eu disse que tava buscando um jeito de resolver as coisas
do meu jeito.
-Você é um inconsequente. Se
até eu já fiquei sabendo sem ter de mandar meus informantes irem
atrás, você acha mesmo que vai ser difícil da imprensa chegar até
você? Você se esquece que é uma pessoa pública por ser ator
famoso? Se a merda respingar em cima de você, quem me garante que
você não ia denunciar a mim e à organização?
-Eu garanto. Eu dou a minha
palavra.
-Até hoje você não me deu
motivos pra eu duvidar da sua palavra. Mas também sei que você já
mentiu pra muita gente, inclusive pra conseguir chegar onde chegou. E
é por isso que eu tou te alertando: seja discreto, Mateus. Seja
invisível na medida do possível, já que da novela você não tem
como escapar e vai acabar em evidência na mídia. Você está
colocando a mim e a toda organização em risco por conta das
picuinhas que você cria pra crescer rápido na emissora. Pare com
isso imediatamente. Isso não é um pedido, isso é uma ordem. Você
não tem escolha. Você está proibido de mover mais uma palha pra
derrubar quem quer que seja.
-Tá, chega de sermão. Eu sei
o tamanho da merda que eu fiz, chefe. Já tinha me arrependido.
-Demorou tempo demais pra se
arrepender. Mas fico tranquilo que alguma consciência habita nessa
sua cabeça de vento.
-Preciso desligar, senão
perco a hora de lanchar...
Mateus desliga. CORTA A CENA.
CENA 4: Valentim está em seu
consultório em horário vago, investigando todos os registros do
passado de Suzanne disponíveis e encontra dificuldades de encontrar
certas informações.
-É no mínimo intrigante que
não existe praticamente nenhuma informação sobre Suzanne entre
seus vinte e dois e vinte e oito anos. Nenhuma movimentação
financeira significativa, apenas a negociação de uma dívida com o
banco, a conta corrente suspensa por seis anos... isso tá no mínimo
esquisito. Pra uma pessoa suspender a conta corrente por tanto tempo,
ela tem de estar passando por uma crise financeira muito grave, a
ponto de estar quase em situação miserável... talvez isso seja
indicativo de que ela possua identidades falsas, mas... como chegar
nelas? Dificilmente os registros no banco de dados dos bancos possuem
fotos dos clientes... no máximo os seus registros civis. É,
Valentim... essa mulher sabe se esconder como ninguém. Excelente
estrategista como grande parte dos psicopatas são...
Valentim pesquisa
incessantemente informações e segue anotando e imprimindo o que
considera importante. CORTA A CENA.
CENA 5: Horas depois, Adelaide
surpreende Renata indo pela primeira vez na companhia de teatro, no
horário de descanso dos atores.
-Eu nunca esperei que você
viesse aqui, mãe... você costumava dizer que teatro era antro de
perdição...
-Ah, minha filha... muita
coisa tem mudado aqui dentro. Eu fui conversar com seus sogros. Eles
são pessoas maravilhosas, sabia?
-Claro que sei, mãe... por
que a Eva não me contou nada?
-A Eva também não sabe. Eu e
seu pai fomos lá por conta própria. Entramos em contato com a
Regina e com o Geraldo antes... peguei o contato deles no seu
celular, quando vocês dormiram lá em casa... desculpe a invasão.
-Não... que isso, mãe! Eu
fico feliz que você tenha tomado essa iniciativa! Isso só demonstra
que o seu empenho e esforço em se melhorar é genuíno e cada vez
maior!
-Sabe, filha... esse caminho
nem começou direito ainda. Tenho tanto a aprender ainda! Mas por
você eu estou disposta a tudo.
-Não faça só por mim ou
para salvar o casamento com o pai... faça também por você...
-Também faço por mim. Mas
sabe... ultimamente eu tenho começado a questionar algumas coisas
que aprendi desde sempre... a começar pela religião. Eu ainda
acredito em Deus, mas não sei se me sinto mais tão evangélica
quanto antes. Eu tou começando a abrir meus olhos e não sei se esse
caminho tem volta... vejo o pastor apontar o dedo pra tudo e todos,
pra tudo aquilo que ele considera do mundo... mas ao mesmo tempo eu
vejo muita condescendência dentro daquela igreja. Passam a mão na
cabeça de quem cometeu atos graves, desde que se arrependam e
aceitem Jesus... de alguma forma isso à deixando de fazer sentido
pra mim. São posturas contraditórias. Como podem apontar tanto o
dedo pra quem está fora dali e ao mesmo tempo relevarem tantas
coisas graves?
-Você não faz ideia de
quanto tempo esperei pra senhora começar a perceber essas coisas...
As duas se abraçam,
emocionadas.
-Me ajuda, filha?
-Sempre!
CORTA A CENA.
CENA 6: Raquel aproveita que
está sozinha no apartamento do hotel e liga seu notebook para
pesquisar as informações que dispõe por conhecer os crimes de
Márcio na sua juventude para tentar descobrir se Suzanne em algum
momento foi fichada na polícia.
-Não entendo. Nada consta na
ficha criminal da minha filha! Não é possível que ela tenha
permitido que o Márcio assumisse sozinho crimes que certamente foram
orquestrados por ela! E o Márcio, então? Que espécie de ser humano
aceitaria assumir toda a culpa por crimes que não cometeu sozinho?
Tem que ser muito cego de amor, meu Deus do céu...
Pesquisando mais a fundo,
Raquel termina por chegar aos registros bancários de Suzanne e
constata o mesmo que Valentim, em seu consultório, constatou horas
antes.
-Como é que é? Nenhuma
movimentação financeira durante seis anos depois de renegociar e
quitar uma dívida com o banco? Seis anos de uma conta corrente
suspensa? Como é que a Suzanne fez tantas viagens, então? Como é
que ela vinha com tanto dinheiro dessas viagens, se no nome dela nada
consta aqui?
Raquel resolve entrar em
contato com Valentim.
-Oi, Valentim... incomodo?
-De maneira alguma, Raquel.
Estou no teatro agora e nas próximas horas.
-Posso ir aí? Tou imprimindo
aqui os resultados de uma pesquisa que fiz sobre o passado da minha
filha e preciso te mostrar.
-Não é um momento oportuno.
Você sabe que aqui, somente Procópio e Laura, além do maior
patrocinador, sabem que eu e Mara somos investigadores. Mas venha
mesmo assim. Só que antes você pode me dizer do que se trata?
-Claro. Valentim, durante seis
anos a conta bancária de Suzanne ficou paralisada. Só que nesse
período, dos vinte e dois aos vinte e oito anos dela, ela não parou
de viajar... muitas vezes pro exterior! Sempre ostentando bens e
dinheiro, me dando presentes e tudo mais.
-Você é boa nessas
pesquisas. Você tem como chegar em dez minutos?
-Claro! Vou chamar um uber
pelo aplicativo.
Dez minutos depois, Raquel
chega e vai direto ao camarim para poder conversar a sós com
Valentim.
-Então, Valentim... o que
você acha de tudo isso?
-Primeiro eu tenho que te dar
parabéns mais uma vez. A cada dia que passa você prova mais e mais
que tá envolvida dos pés à cabeça com o nosso ofício. Mas,
deixando a rasgação de seda de lado, o fato de sua filha ter feito
viagens e ostentado toda essa grana, durante esses seis anos, só
prova que ela usou identidades falsas.
-Sim, também concluí isso,
Valentim. Só que tem um problema bem sério nisso tudo: não temos
provas até o momento e pela dificuldade que tanto eu e você
encontramos ao tentar descobrir qualquer mínima prova, é possível
que não tenha.
-Você tá certa. A mim não
resta dúvida que ela usou o Márcio de testa-de-ferro em alguns
crimes. Mas ela deve ter usado ao longo desse tempo outros
testas-de-ferro.
-Também concluí isso, afinal
de contas já faz muitos anos que o Márcio não participa ativamente
de nada nem cometeu algum crime. Só que como nós vamos conseguir
efetivamente chegar nesses outros bodes expiatórios?
-Aí é que está o problema.
Uma pena que Mara não esteja aqui agora.
-E onde ela foi?
-Ajudar a polícia a efetuar a
prisão de um trio de estelionatários.
Os dois seguem a conversar.
CORTA A CENA.
CENA 7: Ao anoitecer, Marion e
Valquíria já estão na mansão dos Bittencourt por terem sido
liberadas mais cedo das gravações no dia. Haroldo resolve comunicar
a todos que está ficando com Suzanne.
-Então, gente... aproveitando
que tá todo mundo reunido cedo aqui em casa, queria falar pra vocês
uma coisa: tenho ficado com a Suzanne. Ela parece querer algo mais
sério, mas deixei claro pra ela que a gente só fica. De qualquer
maneira, acho melhor comunicar a vocês pra que ninguém se espante
se nos flagrar em algum momento, digamos... mais caliente. - fala
Haroldo.
Marcelo e Rafael não gostam
de saber do que Haroldo diz. Vicente faz cara de reprovação e Riva
o recrimina com o olhar.
-Só toma cuidado pra ela não
inventar alguma história, tipo golpe da barriga. Vai que ela já tem
alguma carta na manga? - fala Marcelo, irônico.
-Poxa, mano... com tanta
mulher e tanto homem nesse Rio de Janeiro você resolve ficar de
esfrega-esfrega logo com essa falsiane? - protesta Rafael.
Marion resolve intervir, sob
os olhares de cumplicidade de Valquíria.
-Poxa, gente! Deem um desconto
pra Suzanne! Ela deixou de ser a instrutora da Riva e se tornou amiga
da família! É uma pessoa doce, gentil, simpática, amável... não
vejo razão pra essa implicância de vocês... - fala Marion,
piscando marotamente para Valquíria.
A campainha toca.
-É... parece que a imprensa
chegou. Hora de fazer o que tem que ser feito... - fala Rafael.
CORTA A CENA.
CENA 8: Alguns jornalistas se
acomodam nas cadeiras do salão de festas da mansão e Rafael e
Marcelo se sentam na bancada. Outros jornalistas se aproximam com
microfones, gravadores e celulares.
-Rafael Alves, você convocou
essa coletiva de imprensa após o incidente com o site de fofocas
mais lido do Brasil. Pensa em processar o site? - pergunta uma
jornalista.
-Na hora da raiva a gente
pensa em processar, mas depois vi que não faria sentido processar um
site que já recebe tantas notificações judiciais mensalmente...
-Mas você e seu primo foram
difamados por esse site. Não pensa em pedir uma retratação que
seja ao site? - pergunta outro jornalista.
-A retratação eu até
considero solicitar. Mas gostaria de fazer uma correção: eu não
fui difamado. Com ou sem incidente eu teria chamado vocês todos
ainda essa semana. Porque cansei de mentiras: eu realmente sou gay.
FIM DO CAPÍTULO 57.
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