CENA 1: Inicia-se um burburinho
entre os jornalistas presentes no salão e Rafael se impacienta,
aumentando a voz.
-Vocês poderiam fazer um
pouco mais de silêncio?
Os jornalistas se calam.
-Obrigado. Como eu ia dizendo:
sim, eu sou gay e me assumi há quase cinco anos para toda minha
família. Minha mãe sempre soube.
-Isso significa que quando
você iniciou sua vitoriosa carreira na TV, já era de conhecimento
de toda a sua família sua homossexualidade? - pergunta um
jornalista.
-Claro que sim. Só que quando
eu comecei a trabalhar na TV, nossa família vivia uma situação
financeira completamente diferente da que vivemos hoje. Corríamos o
risco de perder essa casa, estávamos à beira da falência. Vocês
devem saber como funcionam as coisas na grande mídia: as emissoras,
empresários e assessores de imprensa desencorajam a gente sobre
falarmos quem realmente somos. Constróem uma imagem perfeita para
nós, quando alcançamos a fama. Essa imagem idealizada por toda essa
gente atende aos interesses desses grandes empresários que estão
por trás dessas centenas de farsas que são bancadas. Há muitos
atores e atrizes não somente na minha emissora, mas em tantas
outras, que são impedidos, coagidos, intimidados para nunca
assumirem publicamente quem são. Para piorar, nosso país tem muita
homofobia, mas não só homofobia. Escondemos dos nossos próprios
olhos o racismo que ainda existe... fingimos que não existe ódio de
classes, tapamos nossos olhos e nossos ouvidos para ignorar toda a
xenofobia, transfobia, lesbofobia, bifobia, gordofobia e tantas
outras fobias que existem. Vivemos condicionados a obedecer regras, a
nos encaixar em padrões para que sejamos aceitos. Eu amo a arte de
atuar. Herdei de minha mãe a paixão por ver nosso povo sorrir,
alimentar sonhos, esperanças de uma vida melhor. É justamente por
conta disso que eu me assumo aqui hoje, diante de todo o Brasil. Às
minhas fãs mulheres e garotas, não sintam raiva de mim. O Rafael
Alves que tá falando aqui é o único que sempre existiu. O
heterossexual sempre foi uma farsa, mas essa farsa eu não sustento
mais. Conto com a compreensão e o apoio de quem admira meu trabalho,
minha arte. Assumo aqui quem eu sou, assumindo o risco de perder
trabalhos, mas é o preço que eu me disponho a pagar. Marcelo não é
apenas o meu primo... é meu namorado, meu noivo, meu futuro marido,
minha razão de acordar todos os dias e acreditar no amor. Se o amor
lhes causa repulsa, talvez vocês não saibam amar. E digo mais: eu
vou me casar com Marcelo! Quero que o Brasil inteiro saiba disso: não
apenas que sou gay, mas que eu encontrei um amor e que, pela lei que
atualmente rege esse país, eu vou me casar.
Marcelo e Rafael se beijam
apaixonadamente e os jornalistas fotografam incessantemente o
beijo. Marcelo resolve falar.
-E só para esclarecer uma
coisa: esse incidente não mudou absolutamente nada nos nossos
planos, não é Rafael?
-Exatamente. É como
Marcelo... melhor dizendo, meu amor, disse: já estava nos meus
planos me assumir publicamente. Esse incidente do vazamento apenas
antecipou esse momento em um ou dois dias, mas eu diria ainda essa
semana para todo o Brasil sobre quem eu realmente sou. Esse incidente
foi causado por uma alma infeliz e invejosa, cujo nome não vou
citar, porque já leva uma vida afetiva tão miserável, tão carente
de afeto e amor verdadeiro, que esse já é o pagamento justo por
tanta amargura em um único ser humano. Agora vocês podem ir embora.
Era tudo o que tínhamos a dizer.
Os jornalistas deixam a
mansão. CORTA A CENA.
CENA 2: Na manhã do dia
seguinte, Guilherme se acorda na casa de Cláudio e não o vê ao seu
lado na cama. Vai até a cozinha e vê Bruno preparando o café.
-Bom dia, Bruno. Me vê um
café aí?
-Bom dia... claro, já tá
servido.
Guilherme toma o café num
único gole.
-O Cláudio já saiu?
-Sim. Acho que você esqueceu,
hoje é o dia que ele pega cedo na faculdade.
-Isso é verdade. Sabe,
Bruno... eu tenho reparado em tudo o que você tem feito pelo
Cláudio, por essa casa e principalmente por mim... eu não sabia que
você era capaz de tanta bondade.
-Deixa disso, Guilherme... só
faço o que acho certo. Não posso ver alguém passando algum aperto,
alguma necessidade, alguma aflição e não fazer nada pra ajudar
essa pessoa.
-Confesso que a sua atitude
comigo me comove. Eu sei que entro em crise fácil, que dou trabalho
pro Cláudio e pra você. E você, mesmo depois de todas as coisas
que eu te fiz e te disse, foi capaz de esquecer de tudo e
simplesmente cuidar de mim.
Guilherme se emociona e Bruno
o afaga.
-Eu tinha uma imagem errada de
você. Tive meus motivos e você sabe quantos eu tive. Mas agora, que
você anda precisando de cuidados, eu tou conhecendo outro lado
seu... quem sabe essa não é a sua real essência? Eu vejo que você
tá fazendo o melhor que pode, se esforçando pra ser alguém digno
pro Cláudio. Nunca pensei que te diria isso, mas depois de tudo...
eu ainda tenho a capacidade de confiar em você, na sua mudança pra
melhor.
-Você não existe, Bruno...
você merece encontrar um amor que te dê toda a felicidade que você
merece, que não é pouca. Aceita minha amizade? Tou falando de
coração... cansei de te intimidar, nunca falei tão sério.
-É claro que eu aceito,
Guilherme. Eu acredito que nada nessa vida acontece por acaso. Quem
sabe a esquizofrenia veio pra te transformar numa pessoa melhor?
-Eu quero acreditar nisso,
Bruno... porque não é fácil.
-Ah, seu bobo... dá cá um
abraço! A gente vai dar um jeito de deixar essa caminhada mais fácil
pra você...
Guilherme abraça Bruno. CORTA
A CENA.
CENA 3: Laura está navegando
pela internet e chama Mateus, que está se arrumando para mais um dia
de gravações.
-Olha que interessante,
Mateus! Você viu que estão compartilhando nas redes sociais a
declaração do Rafael assumindo a homossexualidade dele? Maioria
esmagadora dando apoio e se sentindo representada pela coragem dele.
Vem ver!
Mateus duvida de Laura.
-Cê tá de brincadeira
comigo, né! Do jeito que fã histérica é maluca, devem estar agora
se queixando e xingando o Rafael porque não vão mais poder sonhar
em ter ele como namorado, isso sim. Devem estar falando aquelas
merdas de “que desperdício”. A carreira dele tá acabada, isso
sim!
-Já vi que você não
acreditou mesmo no que eu disse. Dá uma olhadinha aqui na minha
timeline, então! É o assunto mais comentado do momento, inclusive.
Mateus olha a timeline do
perfil de Laura e fica perplexo ao assistir o vídeo com a declaração
de Rafael e a repercussão nas redes.
-Não pode ser! Como é que
esse filho da mãe sempre se sai bem em tudo? - revolta-se Mateus.
-Quem sabe porque ele tem
brilho próprio...
-Ah, Laura, não vem com essa
conversinha de boteco pra cima de mim, não! Mimimi de brilho
próprio... o que ele tem é influência, a família rica que foi
sempre famosa!
-Como você consegue ser tão
amargo, Mateus? Não vê que às vezes coisas boas acontecem? Ah, já
sei... você deve ter ficado irritadinho porque por mais que você
tenha tentado detonar o Rafael, ele ainda assim conseguiu dar a volta
por cima. É isso que te incomoda?
-Para, Laura! O que é que há?
Não posso ficar irritado, não? Você ouviu bem a indireta que ele
me mandou nessa coletiva. Tá todo mundo me xingando!
-Ninguém sabe que é você a
pessoa que ele detonou na coletiva. E quer saber de uma coisa? Ele tá
coberto de razão em tudo o que ele disse sobre você. Talvez depois
de refletir sobre tudo isso você consiga enxergar e se tornar uma
pessoa melhor... eu acredito no seu potencial, mas será que você
acredita em si mesmo?
-Chega, Laura. Não tou com
paciência nem tempo pra esse seu papinho moralizador. Preciso sair
senão me atraso pro trabalho.
Mateus sai irritado. CORTA A
CENA.
CENA 4: Horas mais tarde,
Mara, Raquel e Valentim estão no consultório de Valentim intrigados
com a falta de informações sobre Suzanne.
-Raquel, isso é impossível.
Como é que você garante que a sua filha está envolvida pelo menos
nos crimes nos quais o Márcio foi o único responsabilizado e não
consta nenhum indício disso em nenhum dos depoimentos que ele
prestou à polícia? - questiona Mara.
-Eu imagino a razão,
querida... pra mim é óbvio que o Márcio foi instruído pela
própria Suzanne a assumir toda a culpa caso alguma coisa desse em
zebra... - fala Valentim.
-É isso, Mara... o Valentim
tem razão. Conheço o Márcio como se fosse meu próprio filho.
Desde garoto ele foi completamente apaixonado pela Suzanne. Só que
quando eles eram novinhos, eu achava que era ele que seduzia ela.
Cheguei a brigar com o pobre coitado. Agora não me resta dúvida de
que ela esteve manipulando ele todo o tempo. - fala Raquel.
-O problema é que isso coloca
todo o nosso trabalho de investigação na estaca zero... a gente vai
ter de tentar descobrir quem são os outros testa-de-ferro que ela
usou pra obter de forma aparentemente lícita tudo o que possui... -
conclui Mara.
Os três seguem debruçados
sobre o caso. CORTA A CENA.
CENA 5: Rafael e Marcelo estão
ainda a dormir no quarto quando Riva entra empolgada para falar com
os dois.
-Queridos, não acredito que
vocês estão dormindo ainda! Já é quase meio dia! Vocês precisam
ver uma coisa maravilhosa!
Marcelo é o primeiro a se
acordar.
-O que foi, mãe? Parece que
viu passarinho verde ou ganhou na loteria de novo...
Rafael se acorda na sequência.
-Prima? Que horas são? Nossa,
capotei depois das emoções de ontem! - fala Rafael.
-E pelo visto vocês vão ter
mais emoções agora, queridos... - fala Riva.
-Do que cê tá falando, mãe?
- estranha Marcelo.
Riva pega seu celular e mostra
a repercussão positiva da declaração de Rafael e o apoio que ele
tem recebido dos fãs do Brasil e do mundo.
-Gente... isso é sério? -
fala Rafael, perplexo.
Marcelo pega o celular da mão
de Rafael e fica emocionado.
-Isso é maravilhoso, amor! -
fala Marcelo.
Rafael se emociona.
-No fim das contas... o amor
sempre vence o ódio!
Os dois se abraçam. CORTA A
CENA
CENA 6: Inicia-se uma passagem
de tempo.
Na tela, aparece a gravidez de
Riva evoluindo e ela comemorando com Vicente que será um menino.
Na sequência aparece Haroldo
e Suzanne cada vez mais distantes até que param de ficar. Suzanne se
torna presença menos constante na mansão dos Bittencourt conforme a
gravidez de Riva avança. Mara, Raquel e Valentim trabalham cada vez
mais unidos e Raquel ganha importância cada vez maior na elucidação
dos casos que investigam. Márcio, apesar de continuar morando no
apartamento do hotel onde Suzanne mora, mostra-se cada vez mais
distanciado dela, que parece estar tramando novos planos
individualmente. Raquel aconselha Márcio a se distanciar de Suzanne
e viver a própria vida. Chegam ao fim as gravações da novela que
Marion, Valquíria e Mateus atuavam e toda a equipe comemora o êxito
da trama. Rafael e Marcelo planejam casamento para depois do
nascimento do irmão de Marcelo. Cláudio e Guilherme consolidam um
relacionamento aparentemente saudável e Bruno vai morar num
apartamento que conseguiu alugar depois de se empregar e se
matricular na faculdade de medicina que sempre sonhou. Bruno sonha
com o dia que visitará novamente seus pais em Coroados. Adelaide se
sente cada vez mais incompatível com a igreja que frequenta e
desabafa isso com Cleiton e Renata. O relacionamento de Renata e Eva
se estabiliza com o passar dos meses. Mateus mostra-se cada vez mais
disposto a se tornar uma pessoa melhor e se redimir dos erros do
passado. Victor e Diogo viajam juntos por alguns lugares do Brasil e
Victor parece estar cada vez melhor no seu tratamento. Haroldo é
assombrado pelo seu passado.
Ao fim da passagem de tempo, aparece na tela: SETE MESES DEPOIS.
Ao fim da passagem de tempo, aparece na tela: SETE MESES DEPOIS.
Riva dá entrada no hospital
para ter seu filho e Vicente entra junto para assistir o parto.
Valquíria, Marion, Rafael, Mariana, Marcelo, Haroldo e Ivan aguardam
ansiosamente o nascimento do bebê. Instantes depois, Vicente chega e
anuncia:
-Lúcio nasceu!
Todos abraçam Vicente.
Mais uma curta passagem de
tempo acontece e na tela aparece: SEMANAS DEPOIS. CORTA A CENA.
CENA 7: Ivan está na edícula
e Haroldo procura o pai para conversar.
-Impressionante que toda vez
que ninguém te encontra pela casa, é certo como dois e dois são
quatro que você tá enfurnado aqui...
-Ah, meu filho, você sabe que
sempre foi assim. Desde que seus avós se mudaram pra essa mansão
quando eu ainda era um garoto que esse sempre foi o meu lugar
preferido da casa.
-Eu entendo, pai. Também
sempre gostei muito daqui. A gente sempre encontra sossego, silêncio,
paz... mas se você não se incomoda, eu gostaria de ficar aqui um
tempinho, te fazendo companhia.
-Claro que não me importo,
Haroldo. Mas se eu te conheço bem, você tá querendo falar e não
sabe por onde começar. Tou certo?
-Você me conhece melhor que
ninguém, pai... eu quero desabafar um pouco... mas nunca sei por
onde começar.
-Ah, meu filho... eu já
cansei de te dizer que pra mim você pode se abrir à vontade!
-Eu adoraria, confiança não
me falta em você, pai... mas eu sei que você é bem amigo do
Valentim e da Mara. Me desculpa se eu não falo tudo... mas tenho
medo de colocar a todos nós em risco.
-Você fala como se houvessem
coisas graves por trás de tudo isso, Haroldo... me assusta.
-Pai... eu errei demais no
passado. Você deve imaginar o quanto.
-Sim, eu sei que você fugiu
da punição dos agiotas.
-Exatamente. Por mais que eu
preze fazer as coisas pelo lado certo, você acha mesmo que fingir
ser uma pessoa que eu nunca fui pra me proteger e deixar vocês todos
aflitos por dois anos é algo certo?
-Mas filho, a gente já
conversou sobre isso antes... todo mundo te entendeu! Você até
voltou a ser amigo do seu ex que pensava que você era aquele
Rodrigo!
-Eu sei, pai. Mas muita coisa
ainda fica martelando aqui. Desde que voltei pra essa casa eu sinto
como se minha vida estivesse ainda meio suspensa, meio no ar...
acontecendo de uma maneira esquisita. Não sei onde eu tava na cabeça
quando fiquei por meses com a Suzanne... ela me parece ser uma pessoa
legal, mas eu avisei a ela várias vezes que não tinha condições
de me envolver com ninguém e foi difícil ela parar de insistir
nisso.
-Você precisa parar de se
culpar pelo passado, filho. Aliás, esse conselho serve a mim mesmo
também. Preciso parar de me culpar pelo vício que te tomou da gente
por tanto tempo...
-Eu errei demais, pai. Não é
fácil...
-A gente vai encontrar um
jeito de conseguir superar tudo isso. Precisamos de foco e
paciência...
Os dois se abraçam. CORTA A
CENA.
CENA 8: Victor volta para casa
depois da terapia e Diogo o recebe.
-E então, amor... como foi
hoje na terapia?
-Foi ótimo, mas cansativo.
Você se incomoda se eu for direto pra cama, sem a gente jantar?
-Claro que não, amor... cê
tá com uma cara de cansado mesmo.
-Cansado não...
derrotadíssimo pelo dia. Boa noite, amor.
-Dorme bem, Victor. Vou
preparar uma coisa pra mim e deixar alguma comida pra você na
geladeira se você se acordar no meio da noite.
-Tá bom, querido...
Victor vai direto ao quarto
dormir.
Diogo relembra uma conversa
com Valentim de semanas antes.
“Você precisa estar
atento e de olhos abertos a todo e qualquer sinal que te possa
parecer suspeito. Observe a tudo e a todos com imparcialidade e não
se deixe influenciar por nenhuma relação próxima que você possa
vir a ter com quem você acredite ser o chefe da organização que
investigo. Pelo que pude colher nos últimos meses, de análises e
constatações sobre a possível personalidade desse “Chefe”, é
que ele ou ela é uma pessoa muito ardilosa. Suficiente para ser
dissimulado ou dissimulada a ponto de enganar quem quiser à sua
volta com maestria e sem deixar nenhum furo superficialmente visível.
Mantenha seus olhos atentos e não baixe a guarda com ninguém”.
-Será possível que é o
Victor esse cara? Será que tou dormindo com o inimigo esse tempo
todo?
Diogo fica pensativo e
preocupado. CORTA A CENA.
CENA 9: Na manhã do dia
seguinte, Haroldo acorda-se cedo e vê pela janela o carteiro
terminando de colocar cartas na caixa do correio. Haroldo abre a
porta da casa e vai até a caixa e pega toda a correspondência.
Depara-se com uma carta endereçada a ele sem remetente.
-Carta sem remetente pra mim?
Eu juro que meto a mão na cara de quem fez essa brincadeira de mau
gosto! - fala Haroldo, abrindo a carta e começando a ler.
“Não confio no seu
silêncio, Haroldo. Meus homens estão de olho em você se você
estiver tramando alguma coisa...” FIM DO CAPÍTULO 58.
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