CENA 1: Rafael se surpreende
com a fala de seu namorado.
-O que foi isso, agora? Você
sabe desde o começo que nada entre nós seria tão fácil assim.
Você me ama?
-Claro que eu amo.
-Então por que me toma desse
jeito agora? Você aceitou as condições desde o começo do nosso
namoro.
-Aceitei a contragosto, não
pense que achei maravilhoso só poder ser livre de verdade ao seu
lado aqui dentro de casa e naquelas semanas que nós passamos em
Melbourne. Eu preciso de mais, de muito mais.
-Alguém te obrigou a aceitar?
Não venha você me dizer agora que foi a contragosto. Você sabia
exatamente o que nos esperava. Tenho culpa de a nossa imprensa ser
essa coisa horrorosa? Tenho culpa de o Brasil ter tanta homofobia? Me
diz se a culpa é minha, me diz!
-Não é sua, mas você não
se esforça em reagir. Aceita o que o pessoal da emissora e sua
assessoria exigem de você. Uma vida mentirosa, uma fraude, um
embuste.
-Você não está fazendo o
mínimo esforço em se colocar no meu lugar. Claro! Nunca sonhou os
mesmos sonhos que eu. Não cresceu sonhando com o dia que a sua arte
faria milhões, talvez bilhões de pessoas sorrirem e sonharem com o
amanhã. É fácil você vir cobrar de mim que eu simplesmente largue
tudo e jogue pro alto quando o seu coração não tá envolvido nisso
tudo. Você acha que eu não sofro, Marcelo? Eu tenho nojo de como as
coisas funcionam nesse país. Mas foi aqui que eu nasci, que nós
nascemos. Sozinho eu não tenho força pra mudar esse sistema
ultrapassado que me enoja... pra você é fácil vir me cobrar que eu
jogue tudo pro alto sem questionamentos. Mas parte da minha vida,
parte do meu ser, está na arte de atuar. Será que você entende
isso?
-E por que eu devo entender,
Rafael? É no mínimo engraçado, pra não dizer extremamente curioso
que você me peça tanta empatia e não tenha um pingo de empatia por
mim. Você se deu conta da maneira como tratou aquela situação
horrorosa do site de fofocas hoje mais cedo? Você se ouviu falando?
Prestou atenção na maneira que reagiu a tudo? Além de ignorar
completamente o meu ponto de vista, saiu bufando, feito uma criança
que não ganhou o doce e me deixou ali, sentado na frente do meu
notebook, falando sozinho. Disso você se esquece, né? Claro. É
tudo sempre sobre você... sobre mim que não haveria de ser. Você
acha que pode me impor por tempo indeterminado essa condição
absurda de eu ter que fingir que sou apenas seu amigo diante da
imprensa e acha que eu nunca posso me cansar? Que eu não posso
perder a paciência? Quantas vezes você olhou de verdade pra mim,
Rafael?
-Eu sempre olho pra você, meu
amor. Eu sempre tento entender o que se passa contigo. Te apoiar.
Você não lembra quando houve aquela situação da briga com o
Cláudio? Quem é que estava o tempo todo ao seu lado, te apoiando?
-Claro que só poderia ser
você. Éramos só eu e você em outro país, em outro continente!
Você realmente quer fazer uma simetria entre essa situação e um
suposto apoio e compreensão que você acha que me dá? A sua falta
de tato é impressionante, Rafael... me diz quando que você prestou
atenção no que eu realmente queria do nosso relacionamento? A
última palavra sempre tinha de ser sua. Mas não mais. Não comigo.
-Você quer terminar comigo, é
isso mesmo que eu entendi?
-Eu disse que eu quero
terminar, por acaso? Não distorça as coisas, Rafael. Viu como você
pessoaliza as críticas? Não consegue analisar tudo com sangue frio.
Nem tudo é sobre você. Assim como o mundo não gira em torno da sua
pica das galáxias.
-Não precisava se rebaixar e
usar esses termos. Agora eu pergunto: quem é você pra me apontar o
dedo e dizer como devo fazer as coisas? Você nunca teve a fama no
seu horizonte. Nunca foi obrigado pela emissora e pela assessoria a
esconder quem você realmente é. No momento que você se assumiu
gay, você teve a condição de não esconder isso de mais ninguém,
muito menos da imprensa, já que você nunca sonhou o que eu sonhei.
Não vive a minha realidade. Pra você é fácil apontar uma solução
mágica como se ela não fosse representar renúncias e perdas. Quem
é que tá sendo egoísta aqui, Marcelo? Tem certeza de que sou eu?
Mas você tem absoluta certeza disso? Tem mesmo? Olha à sua volta!
Esse papo aqui também não é sobre você somente.
-Mas, Rafa... você precisa
entender que eu sofro!
-Ah, claro... você sofre. E
você acha que eu não sofro?
-Não... eu sei que você
sofre, mas você precisa me entender.
-E você precisa me entender!
As coisas não são tão fáceis assim.
-Eu fico com a impressão de
que você só me disse tudo isso pra tentar virar o jogo, Rafael.
Desse jeito a gente não vai conseguir se entender.
-É sério isso, Marcelo? Isso
aqui não é um jogo... é um relacionamento amoroso. Envolve
sentimentos. Com sentimentos não se joga.
-Desculpe. Droga! Olha a que
ponto chegamos! Brigando e não chegando a lugar algum.
-Eu não vejo como a gente
possa chegar a algum lugar com isso tudo, Marcelo. Só espero que
você me entenda.
-E eu espero que você me
entenda.
-Precisamos encontrar uma
saída pra isso, Marcelo.
-Eu só vejo uma saída,
Rafael...
-E qual seria?
-Você precisa tomar uma
postura definitiva sobre tudo isso. Você falou de renúncias... será
que não chegou a hora de renunciar a sua vida de mentiras pra viver
a vida de verdade comigo? A escolha é sua...
-Você não tá pedindo a
sério pra eu escolher isso...
-Nunca falei tão sério na
vida. Acho melhor pensar nisso.
Rafael sai do quarto e vai
dormir no quarto de Haroldo. CORTA A CENA.
CENA 2: Horas se passam e, no
pub, Diogo se diverte com seus amigos enquanto Victor senta-se em um
balcão e, sem que Diogo veja, pede uma bebida alcoólica.
-Uma dose de tequila, por
favor. - pede Victor, sendo prontamente atendido. Bebe o shot e
começa a ter ciúme de Diogo dançando e pulando com os amigos. Cada
vez mais envolto em sua paranoia, começa a imaginar que um dos
amigos de Diogo, mais próximo dele, está dando em cima dele.
Tentando conter sua raiva, Victor caminha em direção a eles.
-Diogo, eu quero ir embora.
-Ah, que isso, Victor? Agora
que começou a ficar boa a noite! Não são nem uma e meia da manhã!
-Diogo... eu já disse que
quero ir embora. Vamos pra casa, por favor.
Diogo, sem perceber que Victor
está prestes a entrar em crise, ignora.
-Victor, daqui meia hora a
gente vai, tá? Se estiver cansado, senta em alguma mesa que estiver
vaga. A gente vai daqui a pouco, tá? Só deixa eu pegar mais uma
cerveja, de saideira!
Victor tenta se acalmar
sentado em uma mesa vazia, mas logo retorna, logo depois que Diogo
pega sua cerveja. Victor chega de maneira intempestiva e faz com que
Diogo derrube sua cerveja sobre seu casaco.
-Victor, olha o que você fez!
Eu não disse pra esperar? Agora vou ter de pegar outra cerveja...
-Você não vai pegar cerveja
nenhuma, Diogo. Eu disse que a gente vai embora, e a gente vai
embora!
Diogo percebe que Victor está
em crise.
-O que é isso, Victor? Pra
que essa cena? Me envergonhando diante dos amigos...
-Que lindo, isso. Os amigos
que importam, né? Fica com eles. Você acha que eu não percebi
aquele cara de camisa roxa dando em cima de você? E você bem que
tava gostando, seu cafajeste! Antes que você me traia na minha
frente, a gente vai pra casa!
Victor puxa Diogo pelo braço.
-Ei! Espera! Tenho que pagar
nossas comandas, Victor!
Victor aguarda
impacientemente. Diogo paga as comandas. Quando alcançam a porta de
saída, Victor resolve sair na frente.
-O que é isso, Victor?
-Tou com nojo de você. Não
quero olhar na sua cara até chegar em casa.
Victor atravessa a rua sem
olhar para os lados, para chegar ao carro de Diogo. Não percebendo
que um táxi vinha rápido, Victor acaba sendo atropelado. Diogo se
desespera.
-Victor!
CORTA A CENA.
CENA 3: No dia seguinte, ao
final da manhã, Mariana estranha o fato de Marcelo não ter descido.
-Bom dia, manos... por que o
Marcelo não desceu? Será que foi com a prima e com o Vicente ajudar
os dois a escolher as roupinhas do enxoval?
-Não. Marcelo tá lá em
cima... no nosso quarto. A gente brigou ontem antes de dormir... -
fala Rafael.
-Por que?
-Adivinha... ele cobrando que
eu o assuma pra imprensa e pare de mentir.
-Ele tá certo, Rafael. Você
precisa parar de sujeitar o coitado a esse monte de condições.
Ninguém merece viver se escondendo sempre. Nem você.
-Poxa, mana! Você sempre me
critica! Nunca me apoia!
-Eu apoio o lado certo. E quem
está certo é Marcelo.
Haroldo sai em defesa do
irmão.
-Mari... você ainda é jovem
demais. Um dia vai entender que as coisas não são tão simples
assim... procura entender o nosso irmão!
-Acho melhor eu sair daqui
antes de falar coisas que você não vai querer ouvir, Haroldo. Quer
apoiar o Rafa? Apoie! Mas não passe a mão na cabeça dele. Ele
precisa aprender a assumir as coisas na vida!
Mariana sai.
-Mano... não fica assim.
Vocês vão superar essa crise... - encoraja Haroldo.
CORTA A CENA.
CENA 4: Horas depois, Suzanne
está na mansão dos Bittencourt a conversar com Riva em seu quarto.
-Achei esquisito o Vicente não
estar aqui.
-Ah, Suzanne... ele foi na
emissora de novo. Você sabe como ele é... ele não vai descansar
enquanto não emplacar como autor. Já é a quinta sinopse que ele
manda pra ser avaliada pela emissora... mas me diga, por que veio
aqui hoje?
-Vim porque precisava
“oficializar” uma coisa... bem, é notável que você já não
precisa mais de aulas de etiqueta, já se encaixou perfeitamente na
sua vida atual... então eu vim dizer que nossas aulas acabaram.
Claro que nossa amizade vai continuar a mesma, mas... você precisa
apenas de dicas, de vez em quando. Já se tornou uma dama da
sociedade carioca.
-Eu já esperava por isso,
Suzanne. Fico feliz por saber que consegui aprender tudo tão cedo.
Mas, mudando de assunto... e aquela gargantilha ma-ra-vil-ho-sa que
você usou outro dia? Você fica ótima com ela. Por que não usa
mais vezes?
-Ah, Riva... são tantas
joias, bijuterias... cada dia escolho uma diferente.
-Pena, queria ver você usando
aquela joia... digo, bijuteria, mais vezes...
-Ah, haverá outras
oportunidades.
-Espero que logo...
Suzanne nota expressão
irônica em Riva.
-Bem, mas e o casamento, como
anda? Me conta os babados...
Suzanne desconversa e as duas
seguem a conversar. CORTA A CENA.
CENA 5: Diogo chega com Victor
em casa, apoiando-o com o ombro.
-Que susto você me deu, meu
amor!
-Nem me fala, Diogo... pensei
que ia morrer.
-Você deu uma sorte incrível.
Se você tivesse visto a cena que eu vi, teria entrado em desespero.
O táxi vinha em alta velocidade e freiou muito perto de você.
-Mas pelo menos só quebrei um
braço e uma perna...
-Você soube cair. Foi
sorte... mas Victor, eu preciso que você me prometa que vai levar
mais a sério o seu tratamento.
-Por que está me dizendo
isso? Olha, eu sei que eu podia ter evitado aquela crise... mas não
me culpe!
-Victor... o médico que te
examinou disse que tinha álcool no seu sangue. Você não pode
misturar seus medicamentos com bebida. Eu preciso confiar que você
não vai beber escondido de mim quando a gente sai...
-Eu falhei... me perdoa,
Diogo. Não quis ter bebido... mas quando vi você se divertindo,
fiquei enciumado... na verdade, com uma ponta de inveja. Queria eu
saber me divertir desse jeito que você sabe... foi então que eu
pedi tequila... e bebi.
-Não faça mais isso, amor...
por você. Você não pode ser tão displicente com o próprio
tratamento. Eu não vou perder minha confiança em você por causa
disso. Nós ainda vamos sair juntos outras vezes... e eu sei que você
não vai me decepcionar.
-Eu vou fazer o que posso,
Diogo... sua compreensão tem sido maior que eu imaginava... pensei
que você ia ficar com raiva de mim por causa da cena de ciúmes
toda...
-Não vou mentir. Na hora eu
tive raiva sim. Não foi pouca... mas quando eu vi que podia perder
você, eu esqueci tudo isso. Seu bem estar é mais importante que
qualquer coisa. A gente vai vencer essa luta. Lembra de uma coisa:
quando você não sentir confiança suficiente em você mesmo, lembra
que eu confio em você... e você confia em mim.
Os dois se abraçam,
emocionados. CORTA A CENA.
CENA 6: Valentim fecha o seu
consultório e parte com Mara para seu carro, para irem à companhia
de teatro.
-Detesto essa norma de ter de
fechar mais cedo aos sábados. Acaba que temos menos tempo para
investigar... - desabafa Valentim.
-Você não se cansa de
reclamar, Valentim? Há mais de vinte anos as normas são as mesmas.
Se não tá satisfeito, procure outra peça pra alugar em outro
prédio. Reclamar não vai resolver nada... - fala Mara.
-É, mas bem que você gosta
desse meu jeito reclamão, senão não seria minha parceira todo esse
tempo.
-Você é mesmo um convencido,
né? Mas você tem razão quando diz que eu gosto do seu jeito. Acho
que sempre gostei... andei pensando muito em tudo o que a gente já
viveu até aqui, desde nossa juventude...
-E a que conclusão chegou,
Mara?
-Que nenhum de nós dura pra
sempre. E que eu me arrependeria eternamente se não te desse uma
chance.
Valentim fica incrédulo.
-Como é que é? É isso mesmo
que tou entendendo? É você mesma, a investigadora mais durona que
eu conheço, que tá me dizendo isso?
-Sou eu mesma. Existe muito
mais do que essa investigadora durona que você vê todos os dias,
aqui dentro.
-Eu sei disso... há mais de
trinta anos.
-E eu sei que por trás de
toda a sua banca, de toda a sua pose, existe alguém que sempre
esperou por alguém especial.
-Você é essa pessoa
especial, Mara. Nunca duvide disso. Não me arrependo de te esperar a
vida inteira.
-E eu cansei de tapar o sol
com a peneira, Valentim. Não quero mais fugir nem negar nada. Nós
nascemos para ser parceiros... em tudo. E eu quero você na minha
vida como meu namorado, meu homem, meu companheiro, meu tudo.
Os dois se emocionam.
-Você não perde mesmo essa
mania de sempre tomar a frente de tudo, Mara.
-Ainda bem que você sabe que
quem manda aqui sou eu...
Emocionados, os dois se
beijam, selando o namoro. CORTA A CENA.
CENA 7: Suzanne é acordada
por Márcio.
-O que te deu hoje, criatura?
Nunca foi de passar do meio dia dormindo...
-Ah, Márcio, me deixa! Acaso
a gente tem algo pra fazer hoje?
-Acho que você deve estar
meio esquecida.
-Devo estar mesmo, porque não
entendi o que você tá querendo dizer.
-Você esqueceu completamente
de seduzir o Haroldo ou é impressão minha, mesmo?
-Ah, Márcio... eu já disse
que com ele não vai ser tão simples. Ele é meio bobão, avoado,
aéreo, sei lá.
-Como se fosse muito difícil
pra você seduzir um homem e colecionar amantes cheios da grana...
-Tá, mas posso saber o que
ele garantiria pra gente?
-Você só pode estar grogue,
não é possível...
-Tá, seu grosso... eu sei que
ele pode ser a nossa salvação. Que se eu tiver uma ligação mais
direta com os Bittencourt eu posso garantir mais imunidade a qualquer
coisa que possa cair sobre as nossas cabeças.
-E por que não começou a
agir ainda?
-Você sabe que já fomos
desmascarados antes. Sempre tem algum pato novo. Mas você está
certo. Eu ainda não desisti de acabar com a merendeira.
-Não entendo essa sua
obsessão, Suzanne. Você nunca foi disso.
-Não é pra você entender...
é pra aceitar. A vida que ela leva hoje deveria ser a minha vida.
Márcio encara Suzanne
intrigado. CORTA A CENA.
CENA 8: Rafael tenta conversar
com Marcelo, que se esquiva.
-Você só volta a falar
comigo quando tiver alguma solução pra esse nosso impasse, Rafael.
Se for pra me enrolar, nem tenta!
-Se você pelo menos me
deixasse falar, saberia porque eu tou tentando.
-Você acha mesmo que eu vou
acreditar numa súbita mudança? Não sou tolo como você imagina.
-Ah, é tolo sim! Eu tentando
te dizer que quero casar com você e você aí fugindo...
-O que? - fala Marcelo,
incrédulo.
-Casa comigo, Marcelo. FIM DO
CAPÍTULO 54.
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