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sábado, 16 de julho de 2016

CAPÍTULO 54

CENA 1: Rafael se surpreende com a fala de seu namorado.
-O que foi isso, agora? Você sabe desde o começo que nada entre nós seria tão fácil assim. Você me ama?
-Claro que eu amo.
-Então por que me toma desse jeito agora? Você aceitou as condições desde o começo do nosso namoro.
-Aceitei a contragosto, não pense que achei maravilhoso só poder ser livre de verdade ao seu lado aqui dentro de casa e naquelas semanas que nós passamos em Melbourne. Eu preciso de mais, de muito mais.
-Alguém te obrigou a aceitar? Não venha você me dizer agora que foi a contragosto. Você sabia exatamente o que nos esperava. Tenho culpa de a nossa imprensa ser essa coisa horrorosa? Tenho culpa de o Brasil ter tanta homofobia? Me diz se a culpa é minha, me diz!
-Não é sua, mas você não se esforça em reagir. Aceita o que o pessoal da emissora e sua assessoria exigem de você. Uma vida mentirosa, uma fraude, um embuste.
-Você não está fazendo o mínimo esforço em se colocar no meu lugar. Claro! Nunca sonhou os mesmos sonhos que eu. Não cresceu sonhando com o dia que a sua arte faria milhões, talvez bilhões de pessoas sorrirem e sonharem com o amanhã. É fácil você vir cobrar de mim que eu simplesmente largue tudo e jogue pro alto quando o seu coração não tá envolvido nisso tudo. Você acha que eu não sofro, Marcelo? Eu tenho nojo de como as coisas funcionam nesse país. Mas foi aqui que eu nasci, que nós nascemos. Sozinho eu não tenho força pra mudar esse sistema ultrapassado que me enoja... pra você é fácil vir me cobrar que eu jogue tudo pro alto sem questionamentos. Mas parte da minha vida, parte do meu ser, está na arte de atuar. Será que você entende isso?
-E por que eu devo entender, Rafael? É no mínimo engraçado, pra não dizer extremamente curioso que você me peça tanta empatia e não tenha um pingo de empatia por mim. Você se deu conta da maneira como tratou aquela situação horrorosa do site de fofocas hoje mais cedo? Você se ouviu falando? Prestou atenção na maneira que reagiu a tudo? Além de ignorar completamente o meu ponto de vista, saiu bufando, feito uma criança que não ganhou o doce e me deixou ali, sentado na frente do meu notebook, falando sozinho. Disso você se esquece, né? Claro. É tudo sempre sobre você... sobre mim que não haveria de ser. Você acha que pode me impor por tempo indeterminado essa condição absurda de eu ter que fingir que sou apenas seu amigo diante da imprensa e acha que eu nunca posso me cansar? Que eu não posso perder a paciência? Quantas vezes você olhou de verdade pra mim, Rafael?
-Eu sempre olho pra você, meu amor. Eu sempre tento entender o que se passa contigo. Te apoiar. Você não lembra quando houve aquela situação da briga com o Cláudio? Quem é que estava o tempo todo ao seu lado, te apoiando?
-Claro que só poderia ser você. Éramos só eu e você em outro país, em outro continente! Você realmente quer fazer uma simetria entre essa situação e um suposto apoio e compreensão que você acha que me dá? A sua falta de tato é impressionante, Rafael... me diz quando que você prestou atenção no que eu realmente queria do nosso relacionamento? A última palavra sempre tinha de ser sua. Mas não mais. Não comigo.
-Você quer terminar comigo, é isso mesmo que eu entendi?
-Eu disse que eu quero terminar, por acaso? Não distorça as coisas, Rafael. Viu como você pessoaliza as críticas? Não consegue analisar tudo com sangue frio. Nem tudo é sobre você. Assim como o mundo não gira em torno da sua pica das galáxias.
-Não precisava se rebaixar e usar esses termos. Agora eu pergunto: quem é você pra me apontar o dedo e dizer como devo fazer as coisas? Você nunca teve a fama no seu horizonte. Nunca foi obrigado pela emissora e pela assessoria a esconder quem você realmente é. No momento que você se assumiu gay, você teve a condição de não esconder isso de mais ninguém, muito menos da imprensa, já que você nunca sonhou o que eu sonhei. Não vive a minha realidade. Pra você é fácil apontar uma solução mágica como se ela não fosse representar renúncias e perdas. Quem é que tá sendo egoísta aqui, Marcelo? Tem certeza de que sou eu? Mas você tem absoluta certeza disso? Tem mesmo? Olha à sua volta! Esse papo aqui também não é sobre você somente.
-Mas, Rafa... você precisa entender que eu sofro!
-Ah, claro... você sofre. E você acha que eu não sofro?
-Não... eu sei que você sofre, mas você precisa me entender.
-E você precisa me entender! As coisas não são tão fáceis assim.
-Eu fico com a impressão de que você só me disse tudo isso pra tentar virar o jogo, Rafael. Desse jeito a gente não vai conseguir se entender.
-É sério isso, Marcelo? Isso aqui não é um jogo... é um relacionamento amoroso. Envolve sentimentos. Com sentimentos não se joga.
-Desculpe. Droga! Olha a que ponto chegamos! Brigando e não chegando a lugar algum.
-Eu não vejo como a gente possa chegar a algum lugar com isso tudo, Marcelo. Só espero que você me entenda.
-E eu espero que você me entenda.
-Precisamos encontrar uma saída pra isso, Marcelo.
-Eu só vejo uma saída, Rafael...
-E qual seria?
-Você precisa tomar uma postura definitiva sobre tudo isso. Você falou de renúncias... será que não chegou a hora de renunciar a sua vida de mentiras pra viver a vida de verdade comigo? A escolha é sua...
-Você não tá pedindo a sério pra eu escolher isso...
-Nunca falei tão sério na vida. Acho melhor pensar nisso.
Rafael sai do quarto e vai dormir no quarto de Haroldo. CORTA A CENA.

CENA 2: Horas se passam e, no pub, Diogo se diverte com seus amigos enquanto Victor senta-se em um balcão e, sem que Diogo veja, pede uma bebida alcoólica.
-Uma dose de tequila, por favor. - pede Victor, sendo prontamente atendido. Bebe o shot e começa a ter ciúme de Diogo dançando e pulando com os amigos. Cada vez mais envolto em sua paranoia, começa a imaginar que um dos amigos de Diogo, mais próximo dele, está dando em cima dele. Tentando conter sua raiva, Victor caminha em direção a eles.
-Diogo, eu quero ir embora.
-Ah, que isso, Victor? Agora que começou a ficar boa a noite! Não são nem uma e meia da manhã!
-Diogo... eu já disse que quero ir embora. Vamos pra casa, por favor.
Diogo, sem perceber que Victor está prestes a entrar em crise, ignora.
-Victor, daqui meia hora a gente vai, tá? Se estiver cansado, senta em alguma mesa que estiver vaga. A gente vai daqui a pouco, tá? Só deixa eu pegar mais uma cerveja, de saideira!
Victor tenta se acalmar sentado em uma mesa vazia, mas logo retorna, logo depois que Diogo pega sua cerveja. Victor chega de maneira intempestiva e faz com que Diogo derrube sua cerveja sobre seu casaco.
-Victor, olha o que você fez! Eu não disse pra esperar? Agora vou ter de pegar outra cerveja...
-Você não vai pegar cerveja nenhuma, Diogo. Eu disse que a gente vai embora, e a gente vai embora!
Diogo percebe que Victor está em crise.
-O que é isso, Victor? Pra que essa cena? Me envergonhando diante dos amigos...
-Que lindo, isso. Os amigos que importam, né? Fica com eles. Você acha que eu não percebi aquele cara de camisa roxa dando em cima de você? E você bem que tava gostando, seu cafajeste! Antes que você me traia na minha frente, a gente vai pra casa!
Victor puxa Diogo pelo braço.
-Ei! Espera! Tenho que pagar nossas comandas, Victor!
Victor aguarda impacientemente. Diogo paga as comandas. Quando alcançam a porta de saída, Victor resolve sair na frente.
-O que é isso, Victor?
-Tou com nojo de você. Não quero olhar na sua cara até chegar em casa.
Victor atravessa a rua sem olhar para os lados, para chegar ao carro de Diogo. Não percebendo que um táxi vinha rápido, Victor acaba sendo atropelado. Diogo se desespera.
-Victor!
CORTA A CENA.

CENA 3: No dia seguinte, ao final da manhã, Mariana estranha o fato de Marcelo não ter descido.
-Bom dia, manos... por que o Marcelo não desceu? Será que foi com a prima e com o Vicente ajudar os dois a escolher as roupinhas do enxoval?
-Não. Marcelo tá lá em cima... no nosso quarto. A gente brigou ontem antes de dormir... - fala Rafael.
-Por que?
-Adivinha... ele cobrando que eu o assuma pra imprensa e pare de mentir.
-Ele tá certo, Rafael. Você precisa parar de sujeitar o coitado a esse monte de condições. Ninguém merece viver se escondendo sempre. Nem você.
-Poxa, mana! Você sempre me critica! Nunca me apoia!
-Eu apoio o lado certo. E quem está certo é Marcelo.
Haroldo sai em defesa do irmão.
-Mari... você ainda é jovem demais. Um dia vai entender que as coisas não são tão simples assim... procura entender o nosso irmão!
-Acho melhor eu sair daqui antes de falar coisas que você não vai querer ouvir, Haroldo. Quer apoiar o Rafa? Apoie! Mas não passe a mão na cabeça dele. Ele precisa aprender a assumir as coisas na vida!
Mariana sai.
-Mano... não fica assim. Vocês vão superar essa crise... - encoraja Haroldo.
CORTA A CENA.
CENA 4: Horas depois, Suzanne está na mansão dos Bittencourt a conversar com Riva em seu quarto.
-Achei esquisito o Vicente não estar aqui.
-Ah, Suzanne... ele foi na emissora de novo. Você sabe como ele é... ele não vai descansar enquanto não emplacar como autor. Já é a quinta sinopse que ele manda pra ser avaliada pela emissora... mas me diga, por que veio aqui hoje?
-Vim porque precisava “oficializar” uma coisa... bem, é notável que você já não precisa mais de aulas de etiqueta, já se encaixou perfeitamente na sua vida atual... então eu vim dizer que nossas aulas acabaram. Claro que nossa amizade vai continuar a mesma, mas... você precisa apenas de dicas, de vez em quando. Já se tornou uma dama da sociedade carioca.
-Eu já esperava por isso, Suzanne. Fico feliz por saber que consegui aprender tudo tão cedo. Mas, mudando de assunto... e aquela gargantilha ma-ra-vil-ho-sa que você usou outro dia? Você fica ótima com ela. Por que não usa mais vezes?
-Ah, Riva... são tantas joias, bijuterias... cada dia escolho uma diferente.
-Pena, queria ver você usando aquela joia... digo, bijuteria, mais vezes...
-Ah, haverá outras oportunidades.
-Espero que logo...
Suzanne nota expressão irônica em Riva.
-Bem, mas e o casamento, como anda? Me conta os babados...
Suzanne desconversa e as duas seguem a conversar. CORTA A CENA.

CENA 5: Diogo chega com Victor em casa, apoiando-o com o ombro.
-Que susto você me deu, meu amor!
-Nem me fala, Diogo... pensei que ia morrer.
-Você deu uma sorte incrível. Se você tivesse visto a cena que eu vi, teria entrado em desespero. O táxi vinha em alta velocidade e freiou muito perto de você.
-Mas pelo menos só quebrei um braço e uma perna...
-Você soube cair. Foi sorte... mas Victor, eu preciso que você me prometa que vai levar mais a sério o seu tratamento.
-Por que está me dizendo isso? Olha, eu sei que eu podia ter evitado aquela crise... mas não me culpe!
-Victor... o médico que te examinou disse que tinha álcool no seu sangue. Você não pode misturar seus medicamentos com bebida. Eu preciso confiar que você não vai beber escondido de mim quando a gente sai...
-Eu falhei... me perdoa, Diogo. Não quis ter bebido... mas quando vi você se divertindo, fiquei enciumado... na verdade, com uma ponta de inveja. Queria eu saber me divertir desse jeito que você sabe... foi então que eu pedi tequila... e bebi.
-Não faça mais isso, amor... por você. Você não pode ser tão displicente com o próprio tratamento. Eu não vou perder minha confiança em você por causa disso. Nós ainda vamos sair juntos outras vezes... e eu sei que você não vai me decepcionar.
-Eu vou fazer o que posso, Diogo... sua compreensão tem sido maior que eu imaginava... pensei que você ia ficar com raiva de mim por causa da cena de ciúmes toda...
-Não vou mentir. Na hora eu tive raiva sim. Não foi pouca... mas quando eu vi que podia perder você, eu esqueci tudo isso. Seu bem estar é mais importante que qualquer coisa. A gente vai vencer essa luta. Lembra de uma coisa: quando você não sentir confiança suficiente em você mesmo, lembra que eu confio em você... e você confia em mim.
Os dois se abraçam, emocionados. CORTA A CENA.

CENA 6: Valentim fecha o seu consultório e parte com Mara para seu carro, para irem à companhia de teatro.
-Detesto essa norma de ter de fechar mais cedo aos sábados. Acaba que temos menos tempo para investigar... - desabafa Valentim.
-Você não se cansa de reclamar, Valentim? Há mais de vinte anos as normas são as mesmas. Se não tá satisfeito, procure outra peça pra alugar em outro prédio. Reclamar não vai resolver nada... - fala Mara.
-É, mas bem que você gosta desse meu jeito reclamão, senão não seria minha parceira todo esse tempo.
-Você é mesmo um convencido, né? Mas você tem razão quando diz que eu gosto do seu jeito. Acho que sempre gostei... andei pensando muito em tudo o que a gente já viveu até aqui, desde nossa juventude...
-E a que conclusão chegou, Mara?
-Que nenhum de nós dura pra sempre. E que eu me arrependeria eternamente se não te desse uma chance.
Valentim fica incrédulo.
-Como é que é? É isso mesmo que tou entendendo? É você mesma, a investigadora mais durona que eu conheço, que tá me dizendo isso?
-Sou eu mesma. Existe muito mais do que essa investigadora durona que você vê todos os dias, aqui dentro.
-Eu sei disso... há mais de trinta anos.
-E eu sei que por trás de toda a sua banca, de toda a sua pose, existe alguém que sempre esperou por alguém especial.
-Você é essa pessoa especial, Mara. Nunca duvide disso. Não me arrependo de te esperar a vida inteira.
-E eu cansei de tapar o sol com a peneira, Valentim. Não quero mais fugir nem negar nada. Nós nascemos para ser parceiros... em tudo. E eu quero você na minha vida como meu namorado, meu homem, meu companheiro, meu tudo.
Os dois se emocionam.
-Você não perde mesmo essa mania de sempre tomar a frente de tudo, Mara.
-Ainda bem que você sabe que quem manda aqui sou eu...
Emocionados, os dois se beijam, selando o namoro. CORTA A CENA.

CENA 7: Suzanne é acordada por Márcio.
-O que te deu hoje, criatura? Nunca foi de passar do meio dia dormindo...
-Ah, Márcio, me deixa! Acaso a gente tem algo pra fazer hoje?
-Acho que você deve estar meio esquecida.
-Devo estar mesmo, porque não entendi o que você tá querendo dizer.
-Você esqueceu completamente de seduzir o Haroldo ou é impressão minha, mesmo?
-Ah, Márcio... eu já disse que com ele não vai ser tão simples. Ele é meio bobão, avoado, aéreo, sei lá.
-Como se fosse muito difícil pra você seduzir um homem e colecionar amantes cheios da grana...
-Tá, mas posso saber o que ele garantiria pra gente?
-Você só pode estar grogue, não é possível...
-Tá, seu grosso... eu sei que ele pode ser a nossa salvação. Que se eu tiver uma ligação mais direta com os Bittencourt eu posso garantir mais imunidade a qualquer coisa que possa cair sobre as nossas cabeças.
-E por que não começou a agir ainda?
-Você sabe que já fomos desmascarados antes. Sempre tem algum pato novo. Mas você está certo. Eu ainda não desisti de acabar com a merendeira.
-Não entendo essa sua obsessão, Suzanne. Você nunca foi disso.
-Não é pra você entender... é pra aceitar. A vida que ela leva hoje deveria ser a minha vida.
Márcio encara Suzanne intrigado. CORTA A CENA.

CENA 8: Rafael tenta conversar com Marcelo, que se esquiva.
-Você só volta a falar comigo quando tiver alguma solução pra esse nosso impasse, Rafael. Se for pra me enrolar, nem tenta!
-Se você pelo menos me deixasse falar, saberia porque eu tou tentando.
-Você acha mesmo que eu vou acreditar numa súbita mudança? Não sou tolo como você imagina.
-Ah, é tolo sim! Eu tentando te dizer que quero casar com você e você aí fugindo...
-O que? - fala Marcelo, incrédulo.
-Casa comigo, Marcelo. FIM DO CAPÍTULO 54.

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