CENA 1: Haroldo fica atônito
com a carta, coloca as correspondências sobre a mesa da sala e sobe
ao seu quarto para ler o restante da carta.
“...se você duvida que
meus homens estão de olho não apenas em você, mas em toda a sua
família, olhe pela janela do seu quarto no momento em que ler essa
carta: não tem três homens andando com celulares na mão, fingindo
que estão esperando alguém? Pois saiba que eles são meus homens e
não estão esperando por ninguém. Você deve estar se perguntando
por que eu resolvi tomar essa decisão, não é mesmo? Porque eu sei
que você andou escorregando e por muito pouco não falou demais.
Como eu soube não te interessa... o fato é que tenho meus
informantes e eles podem estar por toda a parte. Não confie em
ninguém.
Mas estou escrevendo essa
carta para deixar um aviso, que você sabe que sou bem capaz de
fazer: se você abrir a boca sobre qualquer coisa relacionada à
organização ou sobre os dois anos que fez parte dela, não apenas
você morre: morre você e toda a sua família junto. Sem exceções.
Inclusive morre o bebê da sua prima torta. Como eu sei que você é
qualquer coisa, menos inconsequente ou burro, sei que você vai
recuar antes de dizer qualquer coisa. Lembre-se: se a polícia te
pegar ou você for processado por alguma coisa, assuma tudo sozinho.
Se você falar qualquer coisa que me desagradar, eu dou ordens para
eliminar você e todos os seus familiares.
Você deve estar se
perguntando por que sou tão confiante, não é mesmo? Pois saiba que
muitas pessoas tem seu preço e são facilmente corrompíveis. Tem
homem meu dentro da polícia. Então, já sabe: no primeiro vacilo,
todos vocês morrem.
No mais, espero que você
tenha juízo e amor à vida, para continuar a ser Haroldo sem colocar
sua vida e a vida de todos que você ama em risco.
Um abraço e votos de que
você seja muito feliz,
Chefe.”
Haroldo tenta manter a calma e
resolve ligar para “Chefe”, que atende.
-Achei mesmo que você não
iria apagar meu número dos seus contatos. Recebeu minha cartinha?
-Recebi. Só não entendi a
razão e o motivo dessa ameaça. Se você tem seus homens por toda
parte, como faz questão de repetir várias vezes na carta, deveria
saber que em nenhum momento eu sequer me inclinei a abrir a boca.
-Tem certeza, Haroldo? Não é
o que eu fiquei sabendo...
-Não venha com seus
joguinhos, chefe. Você já me teve nas suas mãos por dois anos.
Acha mesmo que eu arriscaria colocar tudo a perder depois de estar
livre dessa facção?
-Acho que quem não entendeu
direito aqui foi você. Chegou a mim, de fonte segura, que você
quase abriu a boca pra polícia.
-Eu nem estive falando com a
polícia, cara! Você tá completamente enganado!
-Espero mesmo estar enganado.
Mas até confirmar, prefiro deixar meus homens por perto da mansão e
você não dê um pio sobre isso com ninguém, senão morrem todos.
-Você é louco, chefe. Se
estiver tentando me puxar de novo pra essa sua facção...
-Nem perderia meu tempo
chamando você outra vez. Você provou várias vezes que é um
frouxo, um cagão, um banana. Eu deixei esse recado pra te relembrar
que você ainda está nas minhas mãos. Uma palavra errada que você
der e acabou pra todo mundo.
“Chefe” desliga e Haroldo
fica preocupado. CORTA A CENA.
CENA 2: Diogo vai ao
consultório de Valentim.
-Que surpresa te ver aqui tão
cedo, Diogo. O Victor não teve como vir? Afinal de contas, o
paciente é ele.
-Na verdade eu vim aqui para
falar sobre a tal investigação sobre quem pode ser o “Chefe”.
-Alguma novidade?
-Bem, na verdade não é
efetivamente nada de novo... mas eu ando observando tudo e todos à
minha volta atentamente...
-Sim, foi o que eu recomendei
que você fizesse.
-Justamente, Valentim. Andei
observando o comportamento das pessoas que são mais próximas de mim
e isso inclui o Victor. Olha, eu entendo que ter o transtorno de
personalidade limítrofe não deve ser nada fácil, mas acho no
mínimo curioso que ele tenha longos períodos de calmaria e suas
crises parecem vir do nada. Às vezes observo que ele dissimula muita
coisa... desconversa, troca de assunto do nada...
-Sim, mas até essa parte você
está falando das variações comuns a um paciente limítrofe em
tratamento. Você deve levar em consideração que ele deve ainda ter
muita cobrança sobre si mesmo... por mais que ele faça terapia
conjunta ao tratamento, o fantasma da autocobrança constantemente
vem assombrar.
-Pode ser. Mas acho estranho,
Valentim. Antes do tratamento e no começo dele, Victor não colocava
o nariz pra fora de casa praticamente nunca. Agora fica saindo toda
hora, diz que vai passear pra espairecer. Nunca dá as informações
precisas. Sem mencionar que toda vez que ele entra em crise, ele
tende a culpar o Cláudio, como se o Cláudio ainda representasse
alguma coisa na minha vida. Ele parece falar com rancor, entende?
-Até aí, torno a dizer, não
tem nada demais. O paciente limítrofe tem essa característica do
ciúme em demasia. Durante as crises, é até de se esperar que ele
culpe ex namorados seus ou amigos próximos. Não é preciso ser um
limítrofe pra acionar mecanismos de fuga. Mesmo nós que não somos
considerados neuro atípicos recorremos às fugas incontáveis vezes,
quando se trata de fugir de responsabilidades que são nossas...
-Mas você poderia pelo menos
dar uma atenção especial aos passos do Victor por mim? Eu suspeito
que possa ser ele o chefe... e venho suspeitando disso há meses, mas
só tou tendo coragem de te falar isso com todas as letras agora.
Inclua ele na lista de suspeitos, porque eu posso estar dormindo com
o inimigo há mais de um ano.
-Está certo. Vou colocar o
nome dele na lista de suspeitos. Mas, enquanto não for descoberto
nada, não tome decisões precipitadas. Se ele for realmente o
“Chefe”, precisamos nos certificar disso e ter todas as provas
possíveis.
-Obrigado, Valentim. Preciso
ir agora, para ele não estranhar minha demora.
-Vai lá, Diogo. Fique frio...
Diogo vai embora. CORTA A
CENA.
CENA 3: Laura se acorda e
depara-se com Mateus olhando o calendário fixado na geladeira.
-Eita, Mateus! Tá de férias
e continua acordando cedo? Tá olhando o calendário pra ver quanto
tempo ainda te resta de férias?
-Na verdade eu tou estranhando
é um outro lance, mesmo porque até o momento não tem previsão de
eu voltar a trabalhar...
-Pelo menos salário fixo cê
tá ganhando, já que deixou de ser contratado por obra... mas o que
é que tanto você estranha pra ficar parado feito um dois de paus
diante desse calendário?
-Nada não, Laura... melhor
não te dizer nada.
-Mateus, meu amigo... acho que
já chegamos num ponto da nossa relação em que você não precisa
me esconder mais nada.
-Vai por mim, quanto menos
você souber sobre o que tou estranhando, melhor.
-Posso tentar adivinhar?
-Lá vem você... tá, pode
tentar.
-É aquele sujeito que você
se borra de medo e que eu liguei aquela vez meses atrás, não é?
Bem que eu notei que você não anda mais recebendo aquelas ligações
estranhas...
-Não adianta mesmo tentar te
esconder as coisas... você percebe tudo.
-Eu sei disso. Mas não é bom
que esse cara esteja sem te perturbar?
-Claro que eu fico aliviado.
Mas essa ausência que se estende por mais de dois meses pode ter
várias explicações e isso me preocupa.
-Não entendo a razão pra
tanta preocupação. Se ele tá te deixando em paz e você não soube
de nada de ruim, significa que tá tudo nos conformes. Se fosse coisa
ruim, você já teria sabido... sabe como é, notícia ruim corre
rápido.
-Por esse lado, você tem
razão.
-Vai por mim, Mateus. Agora
você vai deixar de aproveitar esse tempo de descanso e lazer por
causa de preocupação? Não é nem justo. Sabe o que eu andei
pensando? A gente podia ir numa balada essa noite. Beber, dançar,
procurar alguém pra ficar, curtir a vida...
Os dois seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 4: Renata acorda-se na
casa de Eva e é surpreendida por um café da manhã com tudo o que
ela gosta.
-Gente! Primeira vez que me
acordo nessa casa e vejo essa mesa tão linda! - espanta-se Renata.
-Não reparou em tudo o que tá
na mesa? Exatamente tudo o que você gosta... - fala Eva.
-Foi você quem preparou tudo
isso?
-Claro que não, sua boba.
Você sabe que como cozinheira, sou uma ótima cantora e atriz. Foi
minha mãe que preparou tudo isso a meu pedido assim que nós fomos
pro quarto dormir...
-Aliás... cadê a dona Regina
e o seu Geraldo?
-Foram dar uma volta por aí...
resolveram aproveitar o dia bonito...
-Eu tou ficando maluca ou você
tá tramando alguma coisa, Eva?
-Tou tramando sim... tou
tramando o nosso casamento.
-É o que? Você tá de
brincadeira...
Eva se ajoelha e tira do bolso
da calça duas alianças.
-Casa comigo?
Renata se emociona.
-Claro que sim! Sim, sim, sim!
Mil vezes sim!
As duas se beijam. CORTA A
CENA.
CENA 5: Horas depois, Suzanne
visita Riva e Vicente fica perto dela e do pequeno Lúcio o tempo
inteiro.
-Que coisa mais amada o Lúcio,
Riva! Parece tão sereno!
-E é, Suzanne. Sempre muito
calmo... só chora quando tá cocô ou quando tá com fome. Ainda não
chegou aquele tempo que a gente mal consegue dormir. Mas sei que vai
chegar porque com o Marcelo foi a mesma coisa: nos primeiros meses
uma calmaria, mas passou dos quatro meses, abria o berreiro por
qualquer coisa, era por atenção, era por mamá, era por causa do
cachorro do vizinho que assustava ele quando começava a latir... tou
vendo que com o Lúcio vai ser a mesma coisa...
-Amor... ele dormiu. Vamos
colocar ele no bercinho pra dormir? - aponta Vicente.
Riva e Vicente sobem para o
quarto, seguidos de Suzanne. Riva coloca Lúcio no berço e Suzanne
faz menção de se aproximar e Vicente a puxa suavemente pelo braço.
-Amor, fica aí ajeitando o
nosso filho que a gente tá descendo... - avisa Vicente.
Vicente encara Suzanne de
maneira intimidadora.
-Você não ouse chegar perto
do nosso filho, tá me ouvindo bem?
-Não entendo essa sua
implicância nessa altura. Nós não estávamos de trégua?
-Estamos de trégua... mas
isso não significa que você tenha direito de se aproximar de um
bebê inocente. Eu não mudei em nada o conceito que tenho sobre você
e você só está dentro dessa casa porque é amiga da família... só
por isso.
Haroldo flagra a tensão entre
os dois.
-Ei, chega disso, vocês dois!
Suzanne olha com cara de
vítima para Haroldo e o segue até a edícula. CORTA A CENA.
CENA 6: Haroldo só percebe
que Suzanne o seguiu quando se senta.
-Eu te disse pra me seguir?
Fiz algum sinal? Eu só pedi pra vocês pararem com aquela discussão
idiota...
-Quer que eu saia, Haroldo?
-Agora que você já veio até
aqui... fica. Vou tomar um vinho, você aceita uma taça?
-Aceito. Você parece
preocupado, Haroldo...
-É... talvez eu esteja um
pouco preocupado.
-Não quer falar sobre isso?
-Suzanne... vá me desculpar,
mas isso não é da sua conta. Não quero ser grosseiro com você,
mas tem certas coisas que é melhor a gente nem dizer.
-Por que você não relaxa um
pouco, Haroldo? A gente já tá aqui, tomando um vinho gostoso,
ouvindo uma boa música... você devia aproveitar esse momento.
Suzanne se insinua para
Haroldo, que inicialmente resiste.
-Por favor, Suzanne... você
sabe que a gente não fica mais. Gostaria que respeitasse.
-E qual o problema se houver
uma recaída? A gente só ficava! Ficada não é contrato assinado de
nada. Não traz as obrigações de um relacionamento.
-Talvez você tenha razão.
Ando precisando relaxar mesmo...
-Então por que você não
deixa eu ajudar a encontrar esse relaxamento?
Haroldo começa a se deixar
seduzir por Suzanne.
-Você não desiste fácil
mesmo, né?
-Deixa de doce, Haroldo. Dá
pra ver que você andou tenso e que tá me querendo. Se entrega a
esse momento! A gente não tem nenhuma obrigação depois daqui...
-Olha, Suzanne... essa vai ser
a nossa última vez. Te dou a minha palavra.
-Que seja então a nossa
última vez. Agora vem aqui...
Suzanne e Haroldo se entregam
à paixão. CORTA A CENA.
CENA 7: Marion chama Valquíria
em seu quarto.
-Ê, vida boa! Mal entra em
férias e já fica o dia inteiro aí quetinha no seu quarto vendo
seriado...
-Ah, filha... um descanso
merecido, você há de convir. Por melhor que tenha sido nosso
trabalho na novela, foi cansativo pra caramba.
-Eu bem sei. Também tou
quebrada de todos esses meses de trabalho duro. Mas é justamente
sobre nossos papeis na novela que eu vim falar.
-Ué... por que? Nosso
trabalho já acabou...
-Sim, mãe... mas a senhora
está sendo indicada aos melhores do ano, dá pra crer?
-Sério isso?
-Seríssimo! Acabei de ver
aqui no site da emissora. Você é uma das indicadas para atriz
revelação. Eu recebi a indicação de melhor atriz, pela novela.
Valquíria abraça a filha.
-Parabéns pra nós, filha!
-É, mas por enquanto são só
indicações...
-De qualquer maneira, filha...
você tem noção da dimensão que isso tem pra mim? Até um ano
atrás eu era uma velha desiludida com a vida, amargurada, como fui
por tantos anos. Se eu não tivesse vindo pra essa casa, se eu não
tivesse me acertado com vocês e se vocês não tivessem me perdoado,
nada disso jamais teria acontecido. Deus é um cara bom comigo...
depois de todas as ruindades que aprontei com vocês porque era eu a
frustrada que não queria ver ninguém feliz por perto, eu não
apenas realizo meu sonho como fico famosa e reconhecida logo de
primeira! Não me importa quem vai ou não ganhar esse prêmio... me
importa que eu realizei meu sonho e me encontrei depois de quase
setenta anos de vida!
As duas se abraçam,
emocionadas. CORTA A CENA.
CENA 8: Já na companhia de
teatro, Mara nota que Valentim está com uma expressão intrigada.
-Amor, é impressão minha ou
você tá com a cabeça fervendo de dúvida?
-Não é impressão sua, Mara.
Recebi informações que podem mudar completamente o rumo das
investigações que a gente anda fazendo pra tentar descobrir quem é
esse “Chefe” e prender ele.
-Você prefere conversar a sós
comigo? Aqui os atores podem ouvir coisas que não devem...
-Prefiro sim, vamos ao
camarim.
Os dois dirigem-se ao camarim.
-O que tá fazendo você ficar
com essa cara de quem viu assombração? Em mais de trinta anos, acho
que essa é a primeira vez que te vejo com essa cara...
-Você sabe quem acaba de ser
incluído na lista de suspeitos? Um paciente meu. Isso nunca me
aconteceu nesses anos todos...
-Como é que é? Quem é que
te fez suspeitar de um paciente seu? Foi o próprio que deu indícios
de um comportamento suspeito?
-Sim e não. Porque todos os
comportamentos do Victor são naturais para um paciente limítrofe em
tratamento conjunto à terapia.
-Você está ficando doido
depois de veterano? O Victor não tem perfil de ser suspeito, jamais!
-Mas não se esqueça que o
psiquiatra aqui sou eu, Mara... embora você seja ótima farejadora
de suspeitos...
-Que seja... eu sei que você
tem essa vantagem. Mas você tem certeza de que ele é realmente um
suspeito de ser esse “Chefe”? Sinceramente não consigo imaginar
justamente o Victor sendo líder de uma facção que existe há mais
de trinta anos e era comandada por um cara que foi assassinado há
seis anos...
Os dois seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 9: Mateus recebe uma
mensagem do “Chefe”.
“Esteja no lugar de
sempre daqui meia hora. Eu pago o táxi. Precisamos conversar.”
Mateus chama um táxi através
de aplicativo e chega ao prédio onde “Chefe” se esconde.
-Bem que estranhei esses mais
de dois meses de silêncio, chefe.
-Foi bom pra você esse
descanso, não foi? Que tal estender esse descanso pro resto da vida,
Mateus?
-Do que você tá falando,
chefe? Nunca te vi falar desse jeito...
-Muita coisa mudou nos últimos
meses. Inclusive minhas estratégias de ação. Por causa disso, eu
estou dispensando definitivamente seus serviços...
Mateus olha incrédulo para
“Chefe”. FIM DO CAPÍTULO 59.
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