CENA 1: Suzanne mente para
Márcio.
-Você e eu sabemos que o
nosso filho morreu, Márcio.
Márcio se impacienta e segura
Suzanne pelo rosto.
-Como é que você tem
capacidade de mentir pra mim olhando no olho? Você acha que eu me
esqueci do que você fez? Eu sei que nosso filho não morreu! Você
deixou eu escolher um nome pra ele! Ele ia se chamar Leonardo... mas
quando ele nasceu, você desapareceu com ele. Não me deixou ficar
com nosso filho. Entregou ele pro orfanato.
-Mas depois eu soube que ele
morreu, Márcio. Não estou mentindo pra você.
-Eu não acredito em uma
palavra que você diz. Quando que você soube que ele morreu? Depois
que você entregou nosso filho pro orfanato nós não nos separamos
mais. Você me envolveu nas suas tramoias, nos seus golpes. Me fez
ser presos pelos crimes que você arquitetou... você e eu sabemos
que nosso filho não está morto.
-Tudo bem, Márcio... eu digo
a verdade: ele não morreu. Mas minha mãe não pode saber disso. Ela
anda intrometida demais... se souber que o filho que eu tive está
vivo ela vai acabar indo atrás das informações e cedo ou tarde vai
acabar chegando até ele.
-Você sabe onde está o nosso
filho, não sabe?
-Não sei, Márcio. Você acha
que se eu soubesse eu já não teria dado um jeito de você pelo
menos se aproximar dele?
-De você eu espero qualquer
coisa, Suzanne. Você me obrigou a abandonar a Riva grávida. Eu
gostava da Riva, sabia?
-Gostava, mas nunca amou essa
mulherzinha como me amou a vida inteira. Ou tou falando alguma
mentira, por acaso?
-Me pergunto se eu devia ter
insistido nesse amor que sinto por você.
-Você não faz nada obrigado,
Márcio. Entrou nas coisas que entrou porque quis. Eu não tenho
culpa se você deixou furo no meio do caminho.
-Não desconverse, Suzanne...
você ainda não me respondeu o que perguntei.
-Teria respondido se pelo
menos você tivesse feito a pergunta. Eu ainda não aprendi a ler
pensamentos.
-Corte suas ironias, garota.
Onde está nosso filho?
-Eu não sei, Márcio. Já te
disse que não sei. Não sei nem se tá vivo ou morto.
-Eu não acredito em você.
-Então por que perguntou,
animal? Se já veio fazendo pré julgamento e disposto a não
acreditar nas coisas que eu digo... melhor seria nem ter perguntado,
eu hein...
-Eu te conheço, Suzanne. Sei
do que você é capaz. Você pode enganar a Riva, a Marion, o
Haroldo, pode enganar qualquer pato que você quiser... mas não a
mim. Você foi a melhor e a pior coisa que aconteceu na minha vida.
Fui do céu ao inferno por causa de você, sabia disso?
-E eu estou morrendo de dó,
Márcio. Ora bolas... tenha paciência! Você fala como se fosse um
cara ingênuo, a vítima dessa história. Sabemos que não é nem
nunca foi assim. Você é como eu, somos feitos da mesma matéria...
nós não prestamos e sabemos disso.
-Pelo menos você tem
autocrítica. Mas se engana se pensa que eu sou igual a você. A
verdade é que durante mais de vinte anos eu me deixei levar por tudo
o que você me obrigou a fazer.
-Ah, claro... e você é um
pobre coitado, não é? Não tem opinião própria, valores
próprios... não faz nada por conta própria, só faz se alguém
manda. Pra cima de mim, Márcio? Você não é nem nunca foi um
santo. Tá querendo ser bonzinho porque tá sentindo a idade chegar?
Me poupe...
-Eu estou cansado. Cansado dos
seus jogos. Farto de só conseguir algum dinheiro graças aos seus
golpes. Eu devia ter seguido com minha vida depois que você
abandonou nosso filho, mas segui com você. Cego de amor...
emburreci.
-Ah, dá um tempo, Márcio!
Pare de me tratar como se eu fosse a culpada de tudo.
-Eu sei que a culpa foi mais
minha que sua. Mas quero acabar com isso.
-Você tá terminando comigo,
Márcio?
-Ainda não. Mas não quero
mais entrar nas suas tramoias. Pelo menos nisso, você vai ter de se
virar sozinha. Ou procurar alguém pra arquitetar golpes com você.
Nesse barco eu não entro mais. E se você acha que não vou
descobrir onde nosso filho foi parar... me aguarde. Um dia eu vou
saber onde ele está e quem ele é.
Márcio deixa o quarto. CORTA
A CENA.
CENA 2: No dia seguinte, já
na companhia de teatro, Laura está ensaiando marcações de palco
com Cláudio e fica observando ele. Cláudio estranha o olhar da
amiga.
-Tou com alguma coisa na cara,
Laura? Você não para de me encarar...
-Nada não, Cláudio... na
realidade eu tava reparando numa coisa... que sinceramente não sei
como não reparei desde a época do colégio.
-Sei... e posso saber qual foi
a grande epifania da artista? - brinca Cláudio.
-Deixa de graça, Claudinho...
é sério. Você e o Marcelo se parecem... quer dizer, Marcelo se
parece com você, porque ele é mais novo.
-Ai viada, “seje menas”,
viu? Só porque nós somos ruivos? Daqui a pouco você vai estar
achando que parecemos com a Marina Ruy Barbosa, vai vendo...
-Ai, Cláudio, na boa... você
fica insuportável quando começa com essas suas ironias e sarcasmos.
-Mas é desse jeitinho que
você me conheceu e se tornou minha amiga. Mas falando sério... de
onde que você acha que Marcelo se parece comigo, sua loka?
-São pequenas coisas, sabe?
Os traços, por exemplo... por mais que sejam ruivos, o olhar tem uma
coisa meio indígena... já reparou como vocês tem essa parte dos
olhos parecidíssimas? Além do nariz bem afilado, os lábios
grossos...
-Laura... tem um monte de
gente nesse mundo com essas características fenotípicas. Se for pra
levar pra esse lado, eu e o Marcelo nos parecemos com uma cambada de
brasileiros, não? Sejam eles loiros, morenos ou mesmo ruivos...
-É... por esse lado você tem
razão. Mas que é no mínimo curioso que vocês se pareçam tanto,
é... ainda mais por serem melhores amigos...
Procópio interrompe a
conversa dos dois.
-Cês querem fazer o favor de
deixar essa conversa animada pra depois? A hora do descanso ainda não
chegou, então se concentrem nas marcações, fazendo favor...
Cláudio e Laura voltam a se
concentrar. CORTA A CENA.
CENA 3: Em Angra dos Reis,
Rafael e Marcelo mergulham e admiram as profundezar do mar. Depois de
alguns instantes, os dois retornam à superfície.
-Que dia lindo, amor!
-Não é, Marcelo! Aqui parece
que até o céu fica mais azul...
-Demos sorte de pegar tempo
bom logo de largada. Imagina que uó seria se pegássemos tempo ruim
justo na lua-de-mel?
-Verdade. Mas São Pedro tem
sido generoso com a gente... viu como mergulhar não é esse mistério
todo?
-Tava me cagando de medo no
começo. Mas você foi me tranquilizando, segurando minha mão...
-E em menos de cinco minutos
você tava ali, todo feliz admirando o mar...
Marcelo começa a se coçar.
-É, mas essa roupa de
mergulho, vou te contar um negócio... tá me pinicando horrores!
Rafael observa irritações na
pele de Marcelo.
-Engraçado, amor... essa
roupa é supertranquila, mas sua pele tá bem irritada.
-Ah vá, é mesmo? Se você
não me contasse eu nem ia reparar... tou me coçando como se tivesse
sido atacado por um monte de pulga...
-Será que foi alguma coisa
que a gente comeu ontem? Porque é muito improvável, quase
impossível que essa irritação seja culpa da roupa de mergulho...
-Não lembro de ter alergia a
quase comida nenhuma. Nem camarão me dá problema...
Rafael se preocupa com
Marcelo.
-Mas essa irritação não é
normal.
-Deixa disso, Rafa... daqui a
pouco isso daqui passa. Sabe no que eu tava pensando agora? Naquele
suflê maravilhoso que tem na pousada. Esse mergulho me deu uma fome
desgraçada!
-Pois é... também tou varado
de fome...
Os dois deixam a beira da
praia e seguem para a pousada. CORTA A CENA.
CENA 4: Guilherme surge de
surpresa no intervalo dos ensaios de Cláudio na companhia de teatro
e vai lanchar com ele.
-Você não disse que vinha,
amor...
-Decidi de última hora. Na
verdade senti uma preguiça imensa de pensar no que fazer pro almoço,
então aproveitei que o seu intervalo é logo depois da hora do
almoço e já vim fazer o lanche contigo.
-Eu que sou o taurino aqui e
você que é o preguiçoso! Mas você fez bem de vir aqui... a comida
que servem aqui é uma delícia.
-Verdade. Senti falta disso,
também. Mas sabe no que eu andei pensando, amor?
-Fala, Guilherme...
-Sobre nós dois... sobre a
certeza que eu tenho de que é você quem eu vou amar pro resto da
minha vida.
-Eita! Acordou inspirado hoje?
-Você me inspira todos os
dias, Cláudio... a ser uma pessoa melhor... por você.
-Eu fico emocionado de verdade
de te ouvir dizer essas coisas, mas você também precisa fazer as
coisas por você mesmo, a ser uma pessoa melhor para você...
-Sem você, nada me interessa.
Nem a vida, nem nada. Sem você eu morro.
-Ai, credo, Guilherme! Falando
desse jeito chega a me assustar!
-Desculpa, amor... só tava
sendo sincero.
-É, mas de qualquer forma,
Guilherme... as coisas na vida não podem ser assim, tão à ponta de
faca...
Os pedidos dos dois chegam.
CORTA A CENA.
CENA 5: Mara está no camarim
com Procópio e Valentim.
-Andei pensando numas coisas
aqui... na realidade observando... - fala Mara.
-Tem alguma relação com as
investigações? - pergunta Valentim.
-Por enquanto não, mas pode
vir a ter futuramente...
-Acho que nunca vou me
acostumar com essas charadinhas que vocês ficam soltando, papinho de
investigador... - fala Procópio.
-Gente... foco. Será que eu
sou a única aqui que acha o comportamento do namorado do Cláudio
estranho pra caramba?
-Mara, acho que você esquece
que o rapaz é esquizofrênico. Se trata com um conhecido meu,
inclusive.
-Muito me surpreende você me
dizer isso nesses termos, Valentim... não foi você mesmo que me
disse ainda outro dia que caráter é algo que independe da pessoa
ser ou não ser neuro atípica? Não estou compreendendo essa sua
contradição... e não se esqueça que o Guilherme é filho do cara
que iniciou essa facção toda por trás da empresa fantasma...
-Me surpreende você fazer
essa associação primária depois de tantos anos, Mara. Agora porque
havia um criminoso na família do cara, ele passa automaticamente a
também ser? Quando o pai dele morreu ele era apenas um adolescente,
incapaz de assumir os “negócios” deixados pelo pai. Procópio, o
que você acha disso?
-Sinceramente? Prefiro fazer a
Glória: não sou capaz de opinar...
-Você não tá dando o mínimo
de crédito pra mim, Valentim... esperava mais de você...
-Mara... você precisa
entender que enquanto não houver motivos concretos para suspeitar de
Guilherme, é imprudente incluir ele na lista de suspeitos. Só
serviria para desviar nosso foco que já anda pra lá de disperso há
meses...
Os três seguem a conversa.
CORTA A CENA.
CENA 6: Horas mais tarde,
Valentim está de volta a seu consultório e recebe Raquel em hora
vaga.
-Então é isso, Valentim...
ela veio com essa conversa toda. Disse que meu neto morreu.
-E você acreditou?
-Na hora eu acreditei, não
vou mentir. Mas sabendo o tanto que a Suzanne mente... passei a
questionar se realmente tive um neto ou se ainda tenho.
-Eu acho que você ainda tem.
-Sim, mas não sabemos nada
sobre ele, talvez nem a própria Suzanne saiba. Deve ter abandonado
ele e nunca mais quis saber de nada sobre o próprio filho...
-É uma possibilidade. Mas
talvez ela tenha se informado sobre a criança, justamente para se
certificar de que ficariam longe de encontrá-la. Talvez tenha sido
levado para fora do país e nem saiba ser brasileiro.
-Concordo, Valentim. Só que
até esse momento, tudo o que temos são apenas suposições e as
poucas informações que a Suzanne me deu podem não corresponder à
verdade dos fatos. Sendo assim, isso vai complicar pra caramba os
rumos das nossas investigações sobre o que afinal de contas
aconteceu com essa criança. Hoje já seria um homem adulto, prestes
a compltar vinte e dois anos. Mas sequer sabemos se está vivo ou
morto... isso não vai ser fácil de se descobrir.
-Verdade, Raquel... mas se
fosse fácil, nós não seríamos investigadores, certo? Falta saber
como que nós podemos chegar nessas informações.
-Vai ser difícil, Valentim.
Se pegássemos todos os registros de nascimento no dia 4 de maio de
1995 de bebês do sexo masculino naquele hospital, ainda assim
teríamos sérias dificuldades de localizar qualquer informação
precisa. Mesmo porque, caso tenha sido realmente um caso de abandono,
isso não estaria necessariamente documentado nos registros do
hospital, mas no máximo em alguma delegacia de polícia de Niterói.
Isso se alguém tiver registrado ocorrência, o que talvez nem tenha
acontecido, afinal de contas muitas coisas passam despercebidas,
principalmente quando se trata de abandono de recém-nascido. Só de
imaginar as possibilidades desse caso o meu estômago embrulha... meu
neto pode ter sido jogado numa caçamba de lixo ou mesmo coisa pior!
Mas prefiro crer que Suzanne não tenha chegado a esse ponto. Ela
pode ser psicopata, mas nunca chegaria ao ponto de matar ninguém...
-Que nós saibamos, Raquel...
que nós saibamos. Psicopatas são qualquer coisa, menos previsíveis.
Como são dissimulados, podem esconder na expressão “angelical”
atitudes hediondas sem despertar qualquer suspeita nos olhares mais
desatentos...
-Eu sei disso. Mas imaginar
que minha filha seria capaz de matar o próprio filho... é
assustador.
-Mas precisamos trabalhar com
essa possibilidade, Raquel, porque é uma possibilidade concreta.
-Adoraria que você estivesse
errado, mas sei que isso é uma possibilidade a ser encarada.
-Não se preocupe, Raquel.
Ainda hoje eu encontro uma solução para tentarmos descobrir mais
sobre toda essa história mal contada...
-Conto com você, como
investigador e como amigo.
-Pois conte sempre. Nós vamos
descobrir uma maneira...
CORTA A CENA.
CENA 7: Mateus está
preparando o jantar e Laura elogia o cheiro da comida.
-Nossa, esse cheiro tá
maravilhoso...
-Só não é melhor que o seu
cheiro, Laura...
Os dois se agarram e se beijam
e logo depois se afastam um do outro, constatando algo.
-Sabe, Laura... eu sei que a
gente acabou de iniciar esse relacionamento aberto, mas...
-Mas eu não sei você... só
que eu não estou certa que vá funcionar. Não senti mais o tesão
que esperava sentir. Acho que alguma coisa esfriou entre a gente.
-Eu tava indo dizer quase a
mesma coisa. Eu realmente amo você, Laura... mas é um amor amigo.
Acho que se transformou dentro de mim.
-Se transformou dentro de nós,
Mateus... talvez nós sejamos melhores como amigos. Talvez com
benefícios de vez em quando ainda... mas não vejo sentido em nos
obrigarmos a sentir tesão um no outro quando não estamos nessa
sintonia.
-Obrigado por entender,
Laura...
-Estamos na mesma sintonia,
querido. Não precisa me agradecer...
-Prefiro essa liberdade, sabe?
De a gente só ficar se pintar alguma vontade... sem nada oficial,
sem obrigações, sem neuras, sem encucação...
-É mais justo comigo e com
você, principalmente, Mateus... eu sei que ainda preciso vencer meu
ciúme. Ele ainda existe aqui dentro... e não quero te privar de
desejar homens e mulheres. Você merece se libertar... pelo menos
para si mesmo, já que a mídia te exige o contrário.
-Quem diria que depois da
gente brigar tanto por minha culpa, você me entenderia dessa forma,
Laura... você é a melhor pessoa que conheço nessa vida.
-Não sei se sou tão boa
assim, mas por amor a gente precisa deixar de ser egoísta... e nós
nos amamos, como amigos.
Os dois se abraçam, selando a
amizade. CORTA A CENA.
CENA 8: Raquel e Valentim
estão ainda no consultório de Valentim, com a hora avançada.
Raquel acaba pegando no sono sobre os papeis. Valentim a desperta.
-Raquel... tá chegando a hora
da gente ir embora, a hora extra que paguei está terminando.
-Desculpe, acabei cochilando.
E então: alguma novidade?
-Quase nada por enquanto,
Raquel, infelizmente...
-Pena. Não gosto dessa
sensação de dia de trabalho desperdiçado.
-Nunca vai ser desperdiçado,
Raquel... sempre haverão dias de dificuldade, nem por isso devemos
desistir.
-Mas é frustrante,
Valentim...
-Faz parte do processo. Mas se
isso te consola, eu tenho meios de descobrir o paradeiro do seu neto.
Raquel se anima. FIM DO
CAPÍTULO 63.
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