CENA 1: Bruno começa a ficar
constrangido e Cláudio percebe, mas não diz nada.
-Fica à vontade, Cláudio...
a casa também é sua! - fala Setembrino.
-Isso mesmo, Cláudio... nada
de ficar achando que tá em outro planeta. Se você veio com o Bruno,
é de casa também. - fala Vânia.
Cláudio fica encantado com
simpatia dos pais de Bruno, que permanece tenso.
-Vocês são uns queridos
mesmo. Bem que o Bruno sempre falou muito bem de vocês... - fala
Cláudio.
-Filho... o Cláudio é seu...
Bruno interrompe a fala de
Vânia.
-Amigo? Claro! Meu melhor
amigo!
Cláudio fica perplexo com a
fala de Bruno e tenta disfarçar.
-Ah... bem, vocês chegaram na
hora certa, queridos. O seu amigo vai conhecer a minha famosa lasanha
de espinafre, tá saindo do forno agorinha! - fala Vânia.
-Ih, Cláudio... você devia
perguntar pro Bruno o que significa “agorinha” pra mãe dele... -
fala Setembrino.
-O “agorinha” da dona
Vânia é de quinze minutos pra cima. A vida inteira ela chamou a mim
e ao pai muito tempo antes do jantar ficar pronto! - fala Bruno,
menos tenso.
-Ah... meu falecido pai, que
era quem cozinhava lá em casa, fazia a mesma coisa. - fala Cláudio.
Bruno percebe que Cláudio
está revoltado com ele.
-Bem... sabendo disso, vocês
se incomodam se eu e o Cláudio formos lá fora tirarmos as nossas
malas do carro dele? - fala Bruno.
-Ah, o carro é dele? Pensei
que fosse seu, filho... você veio dirigindo... - fala Vânia.
-Vim dirigindo porque eu
conhecia o caminho do Rio até aqui, foi pra agilizar a viagem. Bem,
a gente tá indo lá. - fala Bruno.
-Vocês não querem uma ajuda,
meninos? - fala Setembrino.
-Nada disso, pai. Você já
passou por um infarto e não tem que carregar peso. - fala Bruno.
Cláudio e Bruno vão pegar as
malas no carro e Bruno nota o silêncio de Cláudio.
-Olha, amor... desculpa se eu
não assumi você de cara. Eu não consegui... quando eu vi a minha
defensiva já tinha feito eu dizer aquilo.
-Eu te entendo. Mas isso não
faz com que eu esteja menos chateado contigo. Eu tinha quase certeza
que sua mãe já tinha sacado tudo.
-Ela podia estar jogando um
verde. Não sei como ela e o pai reagiriam. Tenta me entender.
-É o que eu tenho tentado.
Mas não espere que eu te trate com mil sorrisos enquanto essa
questão não se resolver. Não vivi tudo o que vivi pra ter que
começar a me esconder agora, depois dos vinte anos...
-Tá... só tenha um pouco de
paciência. A gente vai resolver isso.
-Só resta saber quando,
Bruno.
-Confia em mim.
Os dois trazem as malas para
dentro da casa dos pais de Bruno. CORTA A CENA.
CENA 2: Mara flagra Valentim
escutando conversa entre Laura, Mateus e Haroldo sem que eles
percebam.
-Que feio, Valentim! Um cara
com quase sessenta anos, psiquiatra e investigador de polícia,
ouvindo a conversa dos outros!
-Antes de me repreender, quer
fazer o favor de falar baixo? Vamos pro camarim.
Os dois chegam ao camarim.
-Tá... qual foi a razão de
você ficar escutando a conversa deles?
-A razão é simples: notei
que Mateus parecia meio tenso.
-Até aí, nada demais.
-Me escuta, Mara!
-Tá... desculpa... fala logo.
-É que eu sabia que tinha a
ver com alguma preocupação dele relacionada ao Guilherme.
-E era?
-Sim. Ele disse basicamente
que conhece bem como funciona o comportamento do Guilherme e que tá
estranhando esse silêncio todo sobre ele desde que houve a prisão.
-E você acha que isso tem
fundamento? Porque o psiquiatra aqui é você...
-Não acredito que tenha.
Guilherme está numa instituição penal psiquiátrica e dificilmente
fugiria dali.
-Por que você não acredita
nisso? Desculpa falar ou ferir seu ego leonino, mas... até pouco
antes do atentado que o Mateus sofreu, você achava um absurdo
colocar o Guilherme na lista de suspeitos. Você lembra quem insistiu
para colocar ele, não lembra?
-Claro que lembro. Foi você.
-Eu sei que seu ofício de
psiquiatra ajuda, mas você não pode arranjar uma coisa que eu
recebi de graça da natureza.
-O que?
-Intuição feminina.
-E o que a sua intuição diz
sobre isso, sucessora da mãe Diná?
-Não seja irônico, Valentim!
Você sabe que minha intuição sempre me serviu para solucionar
casos nas investigações. No momento, pra ser sincera, não me diz
nada. Apenas acho que esse não é o melhor momento para baixarmos a
guarda. Embora desbaratada na sua célula principal, nós sabemos que
células menores da facção permanecem atuantes. O desejo do
Guilherme, apesar de toda a obsessão que ele alimentou por anos pelo
Cláudio, ainda é o poder. Ele herdou isso do pai. Você realmente
acha que ele desistiria fácil assim? Um rapaz jovem, de vinte e dois
anos, entregando os pontos assim? Ele perdeu a liderança da maior
facção que esse estado já viu!
-Sim, mas o que você espera
que eu faça, Mara? O sujeito já tá na prisão, não tá? Isso sem
contar que ele tá aguardando julgamento e outras acusações vem
sendo feitas. Ele vai acabar condenado de qualquer maneira. Mas não
há nada que eu ou você possa fazer pra acelerar um processo que é
com a justiça.
Os dois seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 3: Laura, Haroldo e
Mateus ficam encantados com o texto que Procópio já escreveu para a
peça que pretende fazer.
-É de uma sensibilidade
comovente, esse texto! Parece que você captou a essência de cada um
de nós! - admira-se Laura.
-De fato. Parece que você
entrou inclusive na minha essência! - espanta-se Haroldo.
-Nada disso é novo pra mim...
vocês deviam saber, queridos. Sou um ótimo observador da alma das
pessoas e quando tive a ideia desse texto foi justamente quando
fiquei admirado com a coragem de vocês. - fala Procópio.
-Eu tou mesmerizado, ainda...
- fala Mateus.
-E tem mais, gente: eu queria
que cada um de vocês contribuísse um pouco com o texto, seja com
falas, ações, qualquer ideia que vocês tiverem. Tenho certeza que
se vocês toparem isso, a nossa peça vai ter muito a ganhar com a
participação artística completa de cada um de vocês. - fala
Procópio.
-Ai, eu super me pilho. Amo
escrever, criar roteiros, situações, enfim... - fala Laura.
-Tou com a Laura... sempre
escrevi muito, mas peguei gosto pela coisa no tempo que passei
“exilado” sendo outra pessoa. - fala Haroldo.
-Você pode por exemplo tentar
transformar essa sua experiência numa figura de linguagem
interessante pro texto da sua personagem, Haroldo... dependendo de
como a gente desenvolver isso, pode ser riquíssimo. - empolga-se
Procópio.
-Vou confessar que não tenho
muito talento pra escrever. Quer dizer... nunca tentei a sério. Meu
negócio sempre foi atuar, mergulhar no texto alheio. Mas eu posso
tentar. - fala Mateus.
-Essa falsa modéstia aí do
Mateus é só porque ele não mergulhou fundo nisso, ainda. Tenho
certeza que ele tem mais talentos que imagina... - estimula Laura.
Os quatro seguem debatendo
sobre futura peça. CORTA A CENA.
CENA 4: Vânia serve o jantar
para Bruno e Cláudio e Setembrino conversa com o filho.
-Me conta, filho... como tem
sido esses três anos no Rio? - pergunta Setembrino.
-Mais difíceis do que pude
imaginar. Não consegui me matricular numa universidade ainda... -
desbafa Bruno.
-Por que você não tentou uma
bolsa de estudos, filho? - questiona Vânia.
-Eu até pensei em tentar, mas
no final das contas eu mal cheguei no Rio e já me vi em meio a
dificuldades, acabou que eu tinha que tratar de sobreviver sem passar
fome primeiro pra depois pensar nos meus planos pro futuro... - fala
Bruno.
-Vai dar tudo certo, filho...
cedo ou tarde você vai ser o médico que um dia sonhou ser. -
estimula Vânia.
-É... um dia ele vai ser
exatamente o que ele disse que ia ser. Só espero que não leve muito
tempo pra isso... - fala Cláudio, em tom ríspido.
Vânia e Setembrino percebem
ironia de Cláudio, mas nada dizem.
-Bem... o que importa é que o
tempo ainda está a favor... - fala Setembrino, para quebrar o clima
tenso.
-Mas me fala, Cláudio... o
que achou da minha lasanha de espinafre? É o prato preferido do
Bruno desde criancinha... - fala Vânia.
-É realmente delicioso, dona
Vânia. Só não estou com muito apetite. Algumas coisas não me
caíram bem hoje... - fala Cláudio.
-Não me chame de dona,
querido... me chame de você. Tá ruim do estômago? Eu tenho um sal
de frutas aqui, se você quiser. - oferece Vânia.
-Obrigado, querida. Mas essa
indisposição vai passar. Deve ter sido algo que eu comi e não caiu
bem... - desconversa Cláudio.
Bruno tenta disfarçar tensão.
CORTA A CENA.
CENA 5: Na instituição
psiquiátrica, Guilherme conversa com os internos Danilo e Pedro.
-E aí... vocês conseguiram
chamar quantos? - questiona Guilherme.
-Tá difícil ainda,
Guilherme. Mas estamos só no começo. Tem uns sete ou oito que estão
começando a se revoltar graças ao que você mandou a gente dizer a
eles. - esclarece Danilo.
-Eles estão considerando
suspender a medicação sem que os enfermeiros saibam? - pergunta
Guilherme.
-Aos poucos. Eles ainda ficam
com medo. Medo de voltarem a ouvir as vozes, de alucinarem as coisas.
Tem um deles que tá mais assustado porque da última vez que
alucionou, antes de matar o primo, se jogou nos trilhos do trem.
Podia ter morrido ali, mas foi salvo pelo pessoal que viu a cena
toda. - continua Pedro.
-Vocês precisam dar um jeito
de fazer eles se sentirem mais seguros e confiantes. Estimulem a
autoconfiança deles. Elogiem bastante. Quase qualquer pessoa nesse
mundo fica envaidecida com meia dúzia de elogios e com palavras
bonitas. Falem exatamente o que eles desejam ouvir. Induzam eles a se
revoltarem com os enfermeiros daqui, mas peçam que eles ajam em
silêncio... - fala Guilherme.
-A gente vai fazer o que pode,
mas isso tem um prazo? - questiona Danilo.
-Não... fiquem sossegados.
Não existe pressa. Precisamos é de um serviço bem executado, sem
furos, sem falhas. Assim nós três livramos nossas caras... e ainda
conseguimos fugir tranquilamente. - fala Guilherme.
-Mas e o pessoal que se juntar
com a gente? - questiona Pedro.
-Eu cuido da segurança deles.
Se esqueceram de quem eu sou? O chefe da maior facção que esse
estado já viu. Todo mundo tem emprego garantido. - afirma Guilherme.
CORTA A CENA.
CENA 6: Após o jantar, Marion
e Valquíria conversam no quarto de Valquíria e olham o álbum de
recordações.
-Que saudade que dá da
Marinete... - desabafa Marion.
-Nem me fale. Minha
primogênita... aprendi a ser mulher e a ser mãe com ela. Nem parece
que já faz tanto tempo que ela nos deixou... - fala Valquíria.
-Ela tinha tantos sonhos,
mãe... dá uma dor no peito de imaginar que ela não conseguiu
realizar nenhum deles.
-Pelo menos ela conseguiu
encontrar alguma felicidade depois que a Riva nasceu.
-Ainda assim... mas sabe o que
me consola? Que no fim das contas nós conseguimos realizar nossos
sonhos... e isso é, de certa forma, uma maneira de honrar a memória
da Marinete.
-Verdade, filha... mas eu
lamento não ter estimulado nunca os sonhos de vocês. Eu fui amarga
durante muito tempo... eu era frustrada e queria que todo mundo à
minha volta estivesse exatamente no mesmo buraco que eu me enfiei por
ter feito as escolhas erradas.
-Pare com isso, mãe... a
senhora se reinventou. Hoje é uma mulher realizada.
-Ainda bem que nunca precisei
de macho pra sonhar meus sonhos. Pelo menos nisso...
-A Marinete deve estar muito
orgulhosa de nós... do quanto a gente foi longe. De onde ela
estiver, ela deve estar olhando por nós... satisfeita por termos ido
tão longe.
As duas se abraçam,
emocionadas. CORTA A CENA.
CENA 7: Depois do jantar,
Cláudio e Bruno se fecham no quarto que era de Bruno na casa de seus
pais e discutem.
-Isso já passou dos limites,
Bruno. Você não percebe o quanto me atinge me escondendo dos seus
pais assim, na cara-dura?
-E o que você espera que eu
faça? Foram três anos longe daqui! Você acha que é fácil pra mim
chegar neles e dizer “olha gente, o Cláudio não é meu amigo, é
meu namorado”? Em que mundo você vive?
-Num mundo onde não há
mentira.
-Começou a mesma merda de
sempre. Você percebe como sempre cobra mais dos outros e nunca de si
mesmo? Os outros não podem mentir, os outros não podem ter seus
medos, suas histórias. Que porra de empatia é essa, que acaba
sempre sendo seletiva?
-E você por um acaso tá
sendo empático comigo? Se coloca em algum momento no meu lugar? Você
disse na cara da sua mãe que eu sou seu amigo e você sabe que isso
não é verdade!
-Deixamos de ser amigos,
agora? Além de você se meu namorado, você também é meu amigo,
não é?
-Não fuja da conversa com
esse papo furado. É evidente que somos amigos. Mas você não
percebe que se esconder desse jeito não vai nos levar a lugar
nenhum? E o que a gente tinha conversado antes de vir pra cá, Bruno?
Não te valeu de nada?
-Eu só preciso de um tempo
pra tomar coragem e dizer toda a verdade a eles.
-Quanto tempo? A gente não
vai passar mais que uma semana aqui. Você não pode simplesmente
ficar adiando pra sempre esse momento. Nós merecemos a sua
honestidade. Tanto eu quanto seus pais.
-Sabe o que mais me machuca
nisso? Não é essa nossa discussão... é saber que você está
coberto de razão, apesar de tudo.
-Eu não quero ter razão...
eu só quero que essa aflição acabe de uma vez. Também sinto sua
dor.
-Eu vou dar um jeito,
Cláudio... confia em mim. Ainda hoje, se possível. Mas se eu não
conseguir, de amanhã não passa...
Vânia escuta toda a conversa
atrás da porta e não demonstra estar surpresa. CORTA A CENA.
CENA 8: Em sua casa, na
companhia de Márcio, Raquel conta sobre passado de Suzanne e Márcio
se choca.
-Dona Raquel, eu juro que não
sabia dessa parte. Eu sabia que a Suzanne tinha essa cisma com a
Riva, mas daí a saber que elas são irmãs eu nunca soube. Ela só
dizia que eu tinha que ajudar a destruir a Riva. Mas o que mais me
choca nisso é saber que ela era só uma garotinha de doze anos
quando matou o próprio pai! O que é isso, meu Deus?
-Fiquei perplexa, sem chão,
mais que decepcionada... me senti apunhalada. Frederico nunca foi um
santo, eu sempre soube que ele me traía nas suas viagens... não
podia fazer nada pra mudar isso. Sabia que ele podia ter tido filhos
fora do nosso casamento, mas nunca fui atrás disso. Não sei como a
Suzanne, com dez anos, teve a perspicácia de descobrir isso tudo
sozinha.
-Talvez ela não seja
psicopata, mãezinha... ela sempre fala que sente falta do seu
Frederico.
-Sente falta, mas foi ela
mesma que matou. Mesmo assim, talvez você esteja certo, meu filho...
no fundo ela amou esse pai e se sentiu traída, enganada por ele.
Deixou de ser a filha única.
-Ainda assim, nada disso
justifica tudo o que se iniciou depois disso. Agora vejo que ela usou
a mim e a todo mundo porque de alguma forma, ela deixou de ter
qualquer sentimento, por qualquer pessoa, mas talvez não tenha
nascido assim.
-Não sei, querido... ela
matava pequenos animais muito antes disso. Bem, o que importa é
saber da verdade. E investigar mais coisas que possam de fato
incriminar ela, já que esse crime em específico, prescreveu.
CORTA A CENA.
CENA 9: Bruno vai com Cláudio
à sala, onde seus pais assistem TV.
-Gente... vocês podem baixar
o volume da televisão um instantinho? - pede Bruno.
-Ai, filho... bem na hora da
minha novela? Mas tudo bem... não é todo dia que você vem nos
visitar. Bino, querido... pega o controle pra mim? - fala Vânia.
Setembrino diminui o volume da
TV.
-Então, gente... eu e o
Cláudio precisamos ter uma conversa meio séria com vocês. - fala
Bruno.
-Espero que vocês
compreendam. - fala Cláudio.
-Falem logo que estou ficando
aflito... - fala Setembrino.
-Então... é que o Cláudio
não é só meu amigo. Somos amigos, é claro... mas ele também é
meu namorado. - fala Bruno.
Vânia e Setembrino se olham e
Bruno fica tenso. FIM DO CAPÍTULO 112.
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