CENA 1: Mateus paralisa e
Valentim tenta estimulá-lo a falar.
-Vamos, Mateus... você vai
estar seguro agora. Nada de mal pode te acontecer.
-Quem é que me garante isso?
-Eu e toda a polícia te
garantimos isso, Mateus. Não é suficiente?
-Não sei se é o suficiente.
A Mara me contou que você teve de molhar a mão de um funcionário
corrupto do crematório pra ele não dar com a língua nos dentes.
-Sim, mas isso foi lá, não
aqui.
-Quem me garante que todos os
médicos daqui são incorruptíveis? Quem?
-Bem, aparentemente nenhum
deles pediu dinheiro para se manter calado, isso é um bom sinal.
-Mesmo assim fico desconfiado,
Valentim. Esse quarto pode ter câmeras ou microfones escondidos.
-Você acha que eu já não
verifiquei isso antes, Mateus? Não tem nada aqui.
-Ainda assim, paredes às
vezes tem ouvidos. Eu não conheço mais da metade das pessoas que
fazem parte dessa facção atualmente. Nem você, nem a Mara, muito
menos a Raquel, podem me garantir com segurança que não tenha algum
infiltrado nessa clínica.
-Acho que você está
desconfiado demais, rapaz... quase paranoico.
-E eu tenho razões pra isso,
Valentim. Eu poderia ter morrido nesse atentado. A intenção dos
homens era me matar.
-Tá certo... você tem razão.
Afinal de contas, se eles soubessem que você ainda está vivo,
provavelmente viriam para acabar o serviço que começaram.
-Entendeu agora, Valentim? Eu
quero falar tudo o que sei. Só quero esperar o melhor momento, o
momento que for, de preferência, o mais seguro. Não é só minha
vida que está em jogo. É a vida de todos nós. Se um passo em falso
for dado, acabou investigação, mas também acabou a vida de muita
gente...
-Você tem razão, Mateus...
mas posso saber quando você vai começar a contar toda a verdade?
-Se você não se incomoda,
acho mais prudente que eu só faça isso quando já estiver na sua
casa.
-Deve ser melhor assim, mesmo.
Nós voltamos a falar sobre isso quando você estiver pronto para
falar.
CORTA A CENA.
CENA 2: Rafael e Marcelo estão
a caminho de casa.
-Marcelo, você não acha que
a gente devia conversar com o seu irmão sobre a questão do Mateus?
-O que? Falar logo pro
Cláudio? Ai, amor... não sei se isso vai prestar. Você já viu o
Cláudio sabendo guardar segredo alguma vez?
-Nesse último ano... não.
-Pois é. Eu que conheço ele
praticamente a uma vida inteira sei que mesmo sem querer, ele acaba
dando com a língua nos dentes.
-Mas... e se você falar
daquela nossa desconfiança sobre quem pode ser o “Chefe”?
-Aí que piora tudo, né! Cê
tá cansado de saber que não é preciso contrariar muito o Cláudio
pra ele fazer um escândalo e brigar.
-É, mas talvez a gente
precise falar dessas desconfianças a ele e torcer pra que ele não
nos leve a mal.
-Rafael... eu queria muito
poder falar tudo isso, mas ele pode reagir daquele jeito infantil que
você já viu antes.
-Será que você não tá
subestimando seu irmão? Acho que desde aquele incidente lamentável
de quando a gente ainda tava em Melbourne, muita coisa mudou na vida
dele... acredito, acima de tudo, que ele esteja passando por um
momento único de amadurecimento. O pai de vocês é uma prova viva e
consistente disso.
-Você tá certo, amor. É que
fico com medo do Cláudio agir daquele jeito infantil que já vi
tantas vezes.
-Acho que isso não cabe mais
na vida dele. Não pra quem ele tem se tornado.
-Ai, quer saber? Acho que é
melhor chamar ele pra conversar.
-Hoje? Já tá ficando tarde.
-Sim, amor... eu sei disso.
Tou pensando em ir falar com ele amanhã, o que você acha?
-Eu vou com você. Afinal de
contas, precisamos nos assegurar que ele vai estar a sós com a gente
e não vai contar pra ninguém que o Mateus tá vivo...
-Combinado assim, então. Vou
mandar uma mensagem pra ele, avisando sobre amanhã.
CORTA A CENA.
CENA 3: Márcio se encaminha à
delegacia e liga para Raquel.
-Oi, mãezinha... tou te
atrapalhando muito no trabalho?
-Não. Pode falar.
-Acabei de voltar de um
encontro com meu filho Marcelo. Ele me convenceu de uma vez por todas
a denunciar Suzanne.
-Sério? Finalmente, meu
querido! Avisa assim que denunciar.
-Vou denunciar agora. Acabei
de chegar à delegacia.
-Melhor ainda. Depois me manda
por mensagem a localização dessa delegacia que eu entro em contato
com o delegado e passo as informações do inquérito para os outros
investigadores.
-Pode deixar, mãezinha. É
isso mesmo que vou fazer. Preciso desligar agora, já passo a
localização. Beijo.
Márcio desliga e manda uma
mensagem a Raquel com o local da delegacia onde ele vai prestar a
queixa contra Suzanne. O delegado se aproxima.
-Pode me acompanhar, moço.
Márcio segue o delegado e
inicia seu depoimento. CORTA A CENA.
CENA 4: Eva e Renata preparam
o ambiente para que Adelaide grave mais um vídeo repudiando a
homofobia e denunciando as falcatruas da igreja que participou
durante anos.
-Já tá pronto pra gravar,
meninas? - pergunta Adelaide.
-Prontíssimo, minha sogra.
Agora é só mandar ver! - fala Eva.
-Gravando! - fala Renata.
Adelaide começa a falar.
-Bem... não sei nem por onde
começar dessa vez, pois creio que todos que me assistem sabem o
quanto tive de lutar para vencer a homofobia e os preconceitos que
carregava em mim. Alguns deles ainda estão aqui, mas luto todos os
dias para combatê-los. Diferente do vídeo anterior, que gravei com
meu esposo, nesse aqui não quero dar enfoque ao infeliz
acontecimento que se abateu tempos atrás com minha filha e minha
nora: hoje eu quero falar sobre as mentiras da igreja evangélica.
Isso mesmo, pessoal: durante anos, muitos anos mesmo, eu fui
evangélica fervorosa. Aceitava tudo o que o pastor dizia, mesmo que
isso me privasse de conviver e de amar com todo meu coração minha
única filha. Como vocês já sabem, Renata é adotada porque eu
nunca pude ter filhos. Mas venho hoje aqui denunciar o pastor
Euclésio, por toda a alienação que ele causa aos seus fieis. Mas é
muito mais que isso que se esconde naquela igreja: ele acoberta casos
de estupro e pedofilia entre participantes da igreja, sempre alegando
que todos tem direito a uma segunda chance e que, se aceitam Jesus no
coração, não podem ser julgados pelas leis dos homens. Quando
deixei de ser parte da igreja, passei a receber ameaças, mas resolvi
que não vou me calar. Vou levar essa luta até onde puder. Pastor
Euclésio não passa de um mercenário em busca do dinheiro fácil.
Convence centenas de pessoas a pagarem o dízimo e os fieis, na sua
maioria pobres, financiam a vida de luxo que ele leva às custas da
ignorância e do medo alheio.
Adelaide segue relatando.
CORTA A CENA.
CENA 5: Marion vai ao quarto
de sua mãe para contar uma novidade.
-Desculpa se tou atrapalhando
sua leitura, mãe...
-Imagina, querida. Já passo
tanto tempo lendo, não me importo de ser interrompida.
-Sabe o que é? Um executivo
da emissora falou comigo há pouco. Disse que querem eu e a senhora
na próxima novela das sete.
-É o que? Mas gente, a atual
mal estreou...
-Pois é, mas a ideia é que
eles agilizem a produção da próxima, já que essa atual está
afundando a audiência do horário... tanto que será encurtada em
trinta capítulos...
-Olha, filha... você sabe o
quanto eu amo atuar e o tanto que eu fiquei feliz de ter feito parte
de uma novela, já. Mas ainda acho cedo pra aceitar outro papel.
-Sabe, mãe... eu tou com a
senhora. Em outros tempos eu aceitaria de cara, mas passei tanto
tempo longe de tudo antes de recomeçar que eu não tou me sentindo
preparada pra emendar outro trabalho agora...
-A gente tem quanto tempo pra
dar a resposta, filha?
-Dois meses, no máximo. A pré
produção já está começando... o elenco será fechado e
confirmado em no máximo dois meses.
-Acho que a gente vai ter
tempo de pensar nisso com calma, pelo menos...
-Pois é. Na verdade eu ando
meio desgostosa com várias coisas na emissora.
-É sobre as imposições
absurdas que fazem aos atores?
-Também. A imagem pública
que tentam construir das pessoas é irreal. E ainda tem gente
despreparada que acaba se deixando levar pela vaidade e se sente
maior que as outras pessoas, só por causa da fama...
-E ainda são chamados de
excêntricos...
-Verdade. Mas vamos ter tempo
de decidir, mãe. Mas confesso que não estou nem um pouco animada...
-Nem eu, Marion...
CORTA A CENA.
CENA 6: Laura e Bruno chegam
ao mesmo tempo em casa. Ela, do ensaio e ele, do trabalho. Haroldo os
recebe.
-Coincidência vocês chegando
hoje juntos... - fala Haroldo.
-Verdade... mas tou te notando
preocupado, Haroldo... - constata Bruno.
-O Bruno tem razão. Você tá
com uma cara de quem tá de piriri... - fala Laura.
-Eu ando tenso com toda essa
situação, gente... - fala Haroldo.
-Qual situação? A farsa da
morte do Mateus? - questiona Laura.
-Exatamente, amor. Essa farsa
é um tiro no escuro. A gente não sabe onde que ela vai dar.
-Como que não sabe, amor? Já
ficou claro pra todos nós que o Mateus conhece a identidade do
“Chefe” - fala Laura.
-Vocês me dão licença, mas
não quero participar desse assunto. Vou tomar um banho... - fala
Bruno, indo ao banheiro.
-Conhecer ele até pode
conhecer, mas esse plano ainda pode dar errado. Já pensou se algum
dos homens dessa facção descobre que o Mateus está mais vivo que
nunca?
-Você precisa confiar no
Valenti, na Mara e na Raquel. Eles sabem exatamente o que estão
fazendo, principalmente a Mara e o Valentim... eles já fizeram isso
várias vezes com outras testemunhas e nunca deu nada errado.
-É, mas a coisa toda não
estava girando em torno da maior facção dessa cidade...
-De qualquer forma, amor. Eles
estão agindo por conta. Vai dar certo. Sabe do que eu desconfio, na
verdade? Que o Bruno também sabe quem é o “Chefe”.
-Tenho quase certeza que ele
sabe, Laura. Mas os motivos para não dizer nós conhecemos bem...
CORTA A CENA.
CENA 7: Ivan ajuda Procópio a
fechar o teatro.
-Fazia tempo que você não
vinha me ajudar com o fechamento da casa, meu amigo...
-Ah, Procópio... tava
precisando dar uma passada aqui. Esse lugar transpira vida e sempre
que preciso recarregar as energias, eu sei que o melhor lugar é esse
teatro.
-Não é a toa que você é o
maior patrocinador daqui... mas tou vendo que você anda tenso... o
que foi, Ivan?
-O Haroldo, pra variar... esse
menino não se cansa de me dar preocupação.
-Como é que é? Um homem
feito, com mais de trinta anos na cara... te dando preocupação
ainda? Não, né! Depois, ele anda com a vida dele bem nos trilhos...
-É, ele tá feliz e bem ao
lado da Laura. Ela realmente é uma mulher sensacional pra ele. Mas
sabe o que é? Ele quase não para mais em casa. Fico com medo que
aconteça outra merda e ele acabe sumindo de novo...
-Deixa de bobeira, meu
amigo... nunca fui pai, mas isso daí é insegurança de pai,
certeza.
-Também acho que é... mas
não dá pra esquecer que os anos que Haroldo passou sumido foram por
conta de criminosos que tinham ele na mão. E por minha culpa!
-Você não pode se martirizar
pelos passos errados que ele deu.
-É, mas se eu não fosse
viciado em jogos, não levaria meu filho a também ser. Eu falhei
como pai, durante anos.
-Você não falhou, Ivan. Hoje
ele está livre desse vício.
-Enfim... não vou ficar te
alugando com isso, meu amigo. Vamos terminar de fechar a casa...
CORTA A CENA.
CENA 8: Mateus chega à casa
de Valentim, acompanhado dele e de Mara. Os três descem no
estacionamento interno do prédio e tomam precauções para que não
sejam vistos por ninguém.
-Finalmente, um pouco mais de
segurança! - fala Mateus, sentando-se no sofá da sala da casa de
Valentim e Mara.
-Agora você vai poder ficar
mais descansado. Até aqui, nenhum dos homens dessa facção chegou
perto de desconfiar que você não morreu... - fala Mara.
-Pelo menos assim tanto eu
quanto as pessoas que eu amo estão salvas. - fala Mateus.
-É, Mateus... acho que esse é
um bom momento pra você começar a falar, se já se sentir
confortável para isso... - fala Valentim.
-Eu sei. Agora não existe
mais nada me impedindo de falar o que eu sei. É bom vocês se
prepararem, porque eu vou começar a contar tudo.
FIM DO CAPÍTULO 96.
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