CENA 1: O burburinho entre a
imprensa aumenta e Marion se impacienta.
-Por favor, eu gostaria que
vocês fizessem silêncio! - fala Marion, sem aumentar a voz.
Os jornalistas, fotógrafos e
repórteres se calam.
-Muito obrigada. Eu gostaria
de passar a palavra primeiramente a meu filho Rafael, certo?
Rafael começa a falar.
-Como minha mãe bem já
anunciou, estamos nos desligando da emissora que trabalhamos por
tantos anos. Ela e o Vicente por muito mais tempo que eu, por motivos
óbvios. Tomamos essa decisão em conjunto, pois mesmo com o apoio do
público e o carinho de nossos fãs, o fato é que mesmo depois de eu
assumir minha sexualidade publicamente, ainda assim tentaram abafar o
caso e engessar minha atuação e, consequentemente, a atuação de
Marcelo, que acabou por também se tornar ator. Não é que não
possamos interpretar personagens heterossexuais, somos atores o
suficiente para isso e há vários artistas LGBT que o fazem. Ocorre
que nesse momento das nossas vidas não cabe aceitar que a mídia,
aparelhada e financiada em grande parte pela emissora, queira
construir uma imagem pública sobre nós que não corresponde nem de
perto à nossa realidade. Por esses e outros motivos, eu resolvi me
desligar da emissora e pago cada centavo da multa rescisória.
Gostaria de passar a palavra novamente à minha mãe. - fala Rafael.
Marion volta a falar.
-Endosso tudo o que foi dito
por meu filho. Não quero que pensem, contudo, que não sou grata por
tudo o que eu alcancei na minha vida e carreira graças à projeção
que tive na emissora, por vinte e um anos. Meu amor à arte de atuar
nasceu comigo e se consolidou graças a esse impulso indispensável
na minha carreira e tenho uma boa memória para lembrar de tudo isso.
Também tive, ao longo de todos esses anos, um excelente
relacionamento com colegas, autores, diretores e mesmo o pessoal do
executivo da emissora. No entanto a coisa passou a mudar de figura
quando eu passei a sentir na pele, na qualidade de mãe de um filho
gay, o peso da pressão que era feita sobre ele. Eu e Ivan sabíamos
da homossexualidade do nosso filho desde seus catorze ou quinze anos
e nunca concordamos completamente com o aparato em torno dele, entre
assessores e ordens da própria emissora, que o obrigavam a omitir
fatos importantes sobre si mesmo em nome de sua imagem midiática,
porque “venderia mais”. Naquela época precisávamos desse
dinheiro porque eu estava sem trabalho, mesmo com contrato de longo
prazo e estávamos à beira da falência, pelos motivos que todos
sabem e que não vou repetir, por respeito e amor ao meu marido.
Ocorre que, desde o ano passado, nossa situação financeira melhorou
consideravelmente com a mudança de minha sobrinha Riva para cá, que
havia se tornado milionária. Ainda assim, tive a sorte de ser
chamada para atuar em mais uma novela. Tudo isso foi muito bom,
maravilhoso. Até mesmo minha mãe conseguiu realizar seu sonho mais
querido e se tornou atriz depois dos setenta. Ocorre que chegamos
todos nós à conclusão de que estamos num momento da vida em que já
realizamos nossos sonhos e não nos sentimos na obrigação de nos
mantermos vinculados a uma emissora que quer nos podar e silenciar.
Temos sonhos e projetos, mas eles não cabem na emissora, não
enquanto a velha mídia não aprender a se reciclar e parar de
censurar o que meia dúzia de conservadores de elite, barulhentos e
sacudindo uma boa quantidade de dólares e euros na cara dos grandes
empresários, decidem que não querem ver. Nos desligamos da emissora
porque liberdade não está a venda. - finaliza Marion.
CORTA A CENA.
CENA 2: Na manhã do dia
seguinte, Valentim ajuda Procópio a abrir a companhia de teatro.
-Não sou a Mara pra ter esse
negócio de intuição aguçada, mas posso jurar que você tá com a
cabeça longe, Valentim...
-E tá certo, meu amigo. Essa
questão toda da fuga recente do Guilherme do instituto psiquiátrico
está me tirando o sossego.
-Ué, mas por que? Ele não
deu nem sinal até agora.
-E eu tava otimista sobre isso
antes... mas a Mara me disse algumas coisas que fazem completo
sentido...
-Sei. O que seriam essas
coisas?
-Que esse silêncio
ensurdecedor pode ser mais preocupante do que nos dar motivos para
relaxar. O pior disso tudo é que ela tá coberta de razão ao
apontar isso. Guilherme tem ódio por muita gente, a começar pelo
Cláudio e pelo Bruno, passando pelo Mateus que foi seu principal
delator e responsável por ele ter sido desmascarado e preso. Ainda
tem a Laura, que acabou descobrindo muita coisa nesse impulso de
investigar por conta própria. O fato é que de alguma forma, se ele
estiver por perto, todos nós corremos algum risco.
-Sim, meu amigo, mas o que
pode ser feito de concreto a esse respeito? Você mesmo nem sabe por
onde esse rapaz anda...
-O melhor a ser feito nesse
momento é solicitar proteção policial a todos, inclusive aqui para
a companhia de teatro.
-Você não acha um pouco
exagerado isso? Não é que eu queira diminuir os riscos, mas sei
lá... o que um bandido iria querer fazer por aqui?
-Procópio, não é sobre o
teatro em si... mas sobre os atores e atrizes que fazem parte daqui.
Entende, agora?
-Entender eu entendo, mas será
que isso não criaria um alarme excessivo? Digo, sei que pode ser
importante, mas temo que isso gere uma espécie de histeria entre
todos nós.
-É uma possibilidade, mas de
todos os riscos, a histeria é o menor deles. Depois, você sabe como
a Mara é tinhosa...
-Claro que sei. Antes de vocês
voltarem a ficar como era na juventude, fui casado com ela durante
anos. Bateu na intuição dela, é batata: cedo ou tarde se confirma.
-Justamente, Procópio: é por
saber disso que eu acredito que se ela disse, então devemos levar
minimamente a sério. Mesmo que seja por excesso de precaução.
-Como ela mesma diz, Valentim:
melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Exageros à parte, ela
tem razão quando diz isso, quase sempre.
-É isso que estou levando em
consideração, Procópio... mas chega de papo que eu ainda tenho que
abrir meu consultório. Nos vemos mais tarde!
Valentim vai embora. CORTA A
CENA.
CENA 3: Bruno e Cláudio
voltam de cartório, empolgados.
-Amor... você não acha muito
apressado a gente ter marcado o casamento para daqui três semanas?
-Deixa disso, Bruno! A gente
já perdeu foi muito tempo e teria perdido menos tempo se não fosse
minha cabeça dura e minha teimosia. Devemos isso a nós dois.
-Sim, mas será que vai dar
tempo de convidar todo mundo? E se até lá a minha mãe piorar?
-Isso tudo pode acontecer sim,
querido, mas um pouquinho de otimismo e beijo na boca não faz mal a
ninguém.
-Bobo... chega a ser difícil
crer que falta tão pouco pra gente se casar de verdade...
-Pois trate de acreditar
depressa nisso, Bruno. E que dessa vez eu não esteja errando a
pontaria!
-Nossa, mas você se acordou
fazendo gracinha mesmo hoje, hein viado?
-Como se você achasse muito
ruim essas minhas piadinhas sem graça.
-Ainda bem que você tem
autocrítica, né.
-Depois o bobo sou eu... ai
ai... eu te amo, viu Bruno?
-Eu te amo mais, Cláudio.
-Tá, deu de melação que
senão eu me distraio na direção e ainda causo um acidente.
Os dois se divertem ouvindo
música.
CORTA A CENA.
CENA 4: Vicente se reúne com
Riva, Marion, Rafael e Marcelo.
-Desculpa se fiz alguém
acordar muito cedo... - fala Vicente.
-Não, Vicente... nem se
preocupa. Eu posso recuperar as horas de sono perdidas depois... -
fala Marcelo.
-Então, queridos... andei
pensando nos detalhes mais práticos para dar um impulso inicial
nessa produtora que tou pretendendo abrir... - fala Vicente.
-Desculpa interferir no seu
pensamento, Vicente, mas eu acho que posso contribuir agora mesmo e
não falo de dinheiro... - diz Rafael.
-Como, querido? - pergunta
Riva.
-Simples, gente: andei
escrevendo algumas coisas nesses últimos tempos. Algumas ideias que
andaram pipocando aqui na minha mente. Se eu conseguir dar uma
roteirizada nisso, ou mesmo se a gente trabalhar junto, a coisa pode
sair do papel e quem sabe possa se tornar nossa primeira obra dentro
da produtora... - fala Rafael.
-Amei a ideia, filho! Nem
sabia que você andava escrevendo ultimamente. Aliás, é uma
novidade pra mim saber que você quer ir além da atuação... - fala
Marion.
-Esse bichinho começou a
morder o Rafa quando a gente gravou a série exclusiva do site da
emissora... - fala Marcelo.
-É uma ideia e tanto, gente.
Só que tem uma coisa: antes da gente pensar em colocar em prática
qualquer projeto nosso que pintar de série, minissérie, ou até
mesmo novela pra internet, a gente precisa primeiro definir como e
quando a coisa vai começar a sair da imaginação pra se tornar
real. Como já foi falado antes, nós temos um espaço imenso no
nosso terreno para a construção de um pequeno complexo de
estúdios... ainda assim, mesmo sabendo que ninguém aqui em casa se
opõe, a gente precisa pensar, por exemplo, num nome, numa marca
registrada, entendem? Algo que seja de impacto, que dê identidade à
produtora. Além disso, tem a questão dos trâmites legais.
Liberação de CNPJ, essas coisas... -fala Vicente.
Todos seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 5: Procópio chama Laura
para uma conversa em particular.
-Até imagino o motivo de você
ter me chamado aqui, Procópio.
-Sim, Laura... é sobre sua
gravidez. Eu sei que você está empolgada e tudo mais...
-Mas tem medo que eu acabe
deixando o elenco da peça, não é isso?
-É... não tava encontrando o
jeito certo de dizer.
-Quanto a isso, pode ficar
tranquilo, querido. Vou trabalhar até onde eu puder.
-Sim... mas isso por si só já
faz com que nossa peça, quando ficar pronta, tenha uma primeira
temporada reduzida.
-Isso na prática não há de
ser algo ruim, querido. Até parece que você não tem essa companhia
de teatro há mais de trinta anos, sabe? Devia saber melhor que eu
que uma primeira temporada curta, se fizer sucesso, é bilheteria
garantida pra próxima.
-Verdade, Laura. Mas a questão
aqui é que a gente nem faz ideia de quando esse texto pra peça vai
ficar completamente pronto.
-Não acho que vá demorar
tanto, Procópio. Estamos escrevendo em conjunto e o Mateus e o
Haroldo estão inserindo um texto considerável, maior que o que eu
escrevi até agora, inclusive. Você sabe disso.
-Até sei, querida, mas me
preocupa é a realização depois do texto finalizado. A Mara vai
acabar dobrando o trabalho dela que pouco já não é, afinal tem de
conciliar o teatro com a polícia.
-Você parece estar
subestimando nossa preparadora. Aquela ali tem fôlego e disposição
de adolescente.
-Nisso você tá certa... acho
que nunca vou perder esse frio na barriga que antecede a realização
e as estreias...
-Cacoetes profissionais,
Procópio... cada um de nós tem o seu próprio. Agora você me dá
licença que eu preciso ir lanchar com os meninos.
CORTA A CENA.
CENA 6: Raquel bate no
apartamento que Suzanne está hospedada.
-Que milagre é esse, dona
Raquel? Resolveu lembrar que ainda tem uma filha? Já enjoou da cara
do seu filhinho do coração? Que coisa, não? - ironiza Suzanne.
-Faça um favor a mim e a você
mesma, Suzanne: poupe-me dessas ironias. Eu não vim aqui pra te dar
um abraço e te chamar de filhinha querida, pro seu governo.
-Ai, que grosseira! Deveria
ter mais amor pela sua única filha.
-Amor eu tenho... mas também
tenho visão e sei que o seu caráter é podre.
-Tá, chega dessa aura de
superioridade, fala logo a merda que te trouxe aqui pra me falar
sermão.
-Como é que você teve a cara
de pau de mentir em depoimento à polícia, Suzanne?
-Nossa, nem dá pra acreditar
que você é investigadora de polícia, viu? O delegado não te disse
que nada foi comprovado sobre minhas contas? Aceita que dói menos,
querida: elas não são ilegais. Lide com isso. Quer ver sua filha na
cadeia? Pois vai ter que ralar muito, dona Raquel. Não vai ser nada
fácil provar qualquer coisa contra mim.
-Você deve estar se sentindo
por cima da carne seca agora, né? Toda cheia de si, se sentindo a
vitoriosa... cuidado, viu Suzanne? Mais alto o coqueiro, maior é o
tombo do coco.
-Isso é uma ameaça, mãe?
-Não. Não sou da sua laia.
Isso é um aviso pra deixar claro que esse jogo não acabou. Você
sabe que seu inquérito permanece aberto. Você vai acabar sendo pega
em algum momento, pode apostar.
-Era só isso? Então me deixa
em paz e volte pro seu trabalho de justiceira da terceira idade e
acolhedora de sem teto.
-Eu vou embora, mas fica o
aviso: você não vai ficar impune.
-Isso é o que veremos,
“mamãe”.
CORTA A CENA.
CENA 7: Vicente está
concentrado na escrivaninha do quarto e Riva percebe.
-Nossa, amor... você tá tão
concentrado que daqui a pouco essa escrivaninha te engole!
-Ah... desculpa, amor...
realmente fiquei bem concentrado aqui.
-Com o que?
-Então, Riva... eu tava
fazendo uma estimativa de orçamento para a nossa futura produtora.
-Sério? Que bom que você já
pensa nisso com toda essa antecedência, assim não tem como dar erro
na hora de colocar tudo em prática. Aliás, se isso te interessa,
sou uma excelente empresária.
-Como se você precisasse
reafirmar isso, Riva. Você geriu o próprio negócio durante mais de
dez anos com louvor!
-Enfim... quanto tá saindo o
valor desse orçamento?
-Olha, amor... vai sair no
mínimo seis milhões de reais para construir toda a estrutura do que
vai ser nosso complexo de estúdios. Ainda não fiz a planta, isso
fica mais pra frente, mas calculando a área que nós temos
disponíveis e levando em conta que material de construção bom não
é tão barato assim e eu pretendo que tudo seja de qualidade, por
menos de seis milhões não tem como sair. Essa conta pode inclusive
triplicar conforme a coisa for tomando forma.
-Nossa... é dinheiro pra
danar, Vicente. Mas nem de longe isso vai ser um problema pra nós...
graças a Deus!
-Ainda bem. Só que eu estou
contando com o meu dinheiro, o seu e o de Rafael. Com o de Marion eu
não vou contar porque eu ando com receio que ela acabe sendo
processada pelo João Bernardo...
-Você acha mesmo que o dono
da emissora poderia abrir uma ação contra ela?
-Conheço aquele sujeito.
Caráter nunca foi o seu forte...
CORTA A CENA.
CENA 8: Ao final do dia,
Valentim conta a Mara sobre notícia que recebeu.
-Tenho algo a te contar,
querida.
-Fala, Valentim.
-Um dos últimos fugitivos da
instituição psiquiátrica foi recapturado. O nome dele é Paulo.
Sabe o que ele disse? Que Guilherme foi o mentor da fuga em massa que
ocorreu.
-Eu sabia que tinha
participação direta dele nisso! Foi dita mais alguma coisa?
-Não... o delegado que me
informou a respeito só disse isso.
-Tá vendo como você tem que
me ouvir mais vezes, Valentim? E sou capaz de apostar que foi o
Guilherme que eliminou aqueles dois homens que foram encontrados
mortos.
-Não tenho certeza sobre
isso. Ele sempre foi de mandar outros fazerem o serviço por ele para
não sujar as próprias mãos.
-As coisas podem mudar quando
a situação pede, Valentim. De repente, numa situação extrema, ele
pode perfeitamente ter assassinado esses dois rapazes. Eles nem
estavam mais com as roupas da instituição... talvez soubessem
demais. Queima de arquivo, sabe?
-Isso a gente só vai
descobrir com o tempo, querida...
CORTA A CENA.
CENA 9: Mateus, Laura e
Haroldo estão em casa e conversam tranquilamente após o jantar.
-Cês acreditam que o Procópio
pensou que eu fosse desistir da peça? Ah, até parece que não me
conhece... - fala Laura.
-Não conhece mesmo. Quando
você enfia uma coisa na cabeça, ninguém tira... - comenta Haroldo.
O celular de Mateus toca e
Laura escuta.
-Querido, não é seu celular
tocando?
-Deve ser, mas pela distância,
deve estar lá no quarto...
Mateus vai ao quarto e
encontra o celular tocando. Vê que é número desconhecido e atende.
-Surpreso com a minha ligação,
traidor?
Mateus percebe se tratar de
Guilherme. FIM DO CAPÍTULO 119.
Nenhum comentário:
Postar um comentário