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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

CAPÍTULO 119

CENA 1: O burburinho entre a imprensa aumenta e Marion se impacienta.
-Por favor, eu gostaria que vocês fizessem silêncio! - fala Marion, sem aumentar a voz.
Os jornalistas, fotógrafos e repórteres se calam.
-Muito obrigada. Eu gostaria de passar a palavra primeiramente a meu filho Rafael, certo?
Rafael começa a falar.
-Como minha mãe bem já anunciou, estamos nos desligando da emissora que trabalhamos por tantos anos. Ela e o Vicente por muito mais tempo que eu, por motivos óbvios. Tomamos essa decisão em conjunto, pois mesmo com o apoio do público e o carinho de nossos fãs, o fato é que mesmo depois de eu assumir minha sexualidade publicamente, ainda assim tentaram abafar o caso e engessar minha atuação e, consequentemente, a atuação de Marcelo, que acabou por também se tornar ator. Não é que não possamos interpretar personagens heterossexuais, somos atores o suficiente para isso e há vários artistas LGBT que o fazem. Ocorre que nesse momento das nossas vidas não cabe aceitar que a mídia, aparelhada e financiada em grande parte pela emissora, queira construir uma imagem pública sobre nós que não corresponde nem de perto à nossa realidade. Por esses e outros motivos, eu resolvi me desligar da emissora e pago cada centavo da multa rescisória. Gostaria de passar a palavra novamente à minha mãe. - fala Rafael.
Marion volta a falar.
-Endosso tudo o que foi dito por meu filho. Não quero que pensem, contudo, que não sou grata por tudo o que eu alcancei na minha vida e carreira graças à projeção que tive na emissora, por vinte e um anos. Meu amor à arte de atuar nasceu comigo e se consolidou graças a esse impulso indispensável na minha carreira e tenho uma boa memória para lembrar de tudo isso. Também tive, ao longo de todos esses anos, um excelente relacionamento com colegas, autores, diretores e mesmo o pessoal do executivo da emissora. No entanto a coisa passou a mudar de figura quando eu passei a sentir na pele, na qualidade de mãe de um filho gay, o peso da pressão que era feita sobre ele. Eu e Ivan sabíamos da homossexualidade do nosso filho desde seus catorze ou quinze anos e nunca concordamos completamente com o aparato em torno dele, entre assessores e ordens da própria emissora, que o obrigavam a omitir fatos importantes sobre si mesmo em nome de sua imagem midiática, porque “venderia mais”. Naquela época precisávamos desse dinheiro porque eu estava sem trabalho, mesmo com contrato de longo prazo e estávamos à beira da falência, pelos motivos que todos sabem e que não vou repetir, por respeito e amor ao meu marido. Ocorre que, desde o ano passado, nossa situação financeira melhorou consideravelmente com a mudança de minha sobrinha Riva para cá, que havia se tornado milionária. Ainda assim, tive a sorte de ser chamada para atuar em mais uma novela. Tudo isso foi muito bom, maravilhoso. Até mesmo minha mãe conseguiu realizar seu sonho mais querido e se tornou atriz depois dos setenta. Ocorre que chegamos todos nós à conclusão de que estamos num momento da vida em que já realizamos nossos sonhos e não nos sentimos na obrigação de nos mantermos vinculados a uma emissora que quer nos podar e silenciar. Temos sonhos e projetos, mas eles não cabem na emissora, não enquanto a velha mídia não aprender a se reciclar e parar de censurar o que meia dúzia de conservadores de elite, barulhentos e sacudindo uma boa quantidade de dólares e euros na cara dos grandes empresários, decidem que não querem ver. Nos desligamos da emissora porque liberdade não está a venda. - finaliza Marion.
CORTA A CENA.

CENA 2: Na manhã do dia seguinte, Valentim ajuda Procópio a abrir a companhia de teatro.
-Não sou a Mara pra ter esse negócio de intuição aguçada, mas posso jurar que você tá com a cabeça longe, Valentim...
-E tá certo, meu amigo. Essa questão toda da fuga recente do Guilherme do instituto psiquiátrico está me tirando o sossego.
-Ué, mas por que? Ele não deu nem sinal até agora.
-E eu tava otimista sobre isso antes... mas a Mara me disse algumas coisas que fazem completo sentido...
-Sei. O que seriam essas coisas?
-Que esse silêncio ensurdecedor pode ser mais preocupante do que nos dar motivos para relaxar. O pior disso tudo é que ela tá coberta de razão ao apontar isso. Guilherme tem ódio por muita gente, a começar pelo Cláudio e pelo Bruno, passando pelo Mateus que foi seu principal delator e responsável por ele ter sido desmascarado e preso. Ainda tem a Laura, que acabou descobrindo muita coisa nesse impulso de investigar por conta própria. O fato é que de alguma forma, se ele estiver por perto, todos nós corremos algum risco.
-Sim, meu amigo, mas o que pode ser feito de concreto a esse respeito? Você mesmo nem sabe por onde esse rapaz anda...
-O melhor a ser feito nesse momento é solicitar proteção policial a todos, inclusive aqui para a companhia de teatro.
-Você não acha um pouco exagerado isso? Não é que eu queira diminuir os riscos, mas sei lá... o que um bandido iria querer fazer por aqui?
-Procópio, não é sobre o teatro em si... mas sobre os atores e atrizes que fazem parte daqui. Entende, agora?
-Entender eu entendo, mas será que isso não criaria um alarme excessivo? Digo, sei que pode ser importante, mas temo que isso gere uma espécie de histeria entre todos nós.
-É uma possibilidade, mas de todos os riscos, a histeria é o menor deles. Depois, você sabe como a Mara é tinhosa...
-Claro que sei. Antes de vocês voltarem a ficar como era na juventude, fui casado com ela durante anos. Bateu na intuição dela, é batata: cedo ou tarde se confirma.
-Justamente, Procópio: é por saber disso que eu acredito que se ela disse, então devemos levar minimamente a sério. Mesmo que seja por excesso de precaução.
-Como ela mesma diz, Valentim: melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Exageros à parte, ela tem razão quando diz isso, quase sempre.
-É isso que estou levando em consideração, Procópio... mas chega de papo que eu ainda tenho que abrir meu consultório. Nos vemos mais tarde!
Valentim vai embora. CORTA A CENA.

CENA 3: Bruno e Cláudio voltam de cartório, empolgados.
-Amor... você não acha muito apressado a gente ter marcado o casamento para daqui três semanas?
-Deixa disso, Bruno! A gente já perdeu foi muito tempo e teria perdido menos tempo se não fosse minha cabeça dura e minha teimosia. Devemos isso a nós dois.
-Sim, mas será que vai dar tempo de convidar todo mundo? E se até lá a minha mãe piorar?
-Isso tudo pode acontecer sim, querido, mas um pouquinho de otimismo e beijo na boca não faz mal a ninguém.
-Bobo... chega a ser difícil crer que falta tão pouco pra gente se casar de verdade...
-Pois trate de acreditar depressa nisso, Bruno. E que dessa vez eu não esteja errando a pontaria!
-Nossa, mas você se acordou fazendo gracinha mesmo hoje, hein viado?
-Como se você achasse muito ruim essas minhas piadinhas sem graça.
-Ainda bem que você tem autocrítica, né.
-Depois o bobo sou eu... ai ai... eu te amo, viu Bruno?
-Eu te amo mais, Cláudio.
-Tá, deu de melação que senão eu me distraio na direção e ainda causo um acidente.
Os dois se divertem ouvindo música.
CORTA A CENA.

CENA 4: Vicente se reúne com Riva, Marion, Rafael e Marcelo.
-Desculpa se fiz alguém acordar muito cedo... - fala Vicente.
-Não, Vicente... nem se preocupa. Eu posso recuperar as horas de sono perdidas depois... - fala Marcelo.
-Então, queridos... andei pensando nos detalhes mais práticos para dar um impulso inicial nessa produtora que tou pretendendo abrir... - fala Vicente.
-Desculpa interferir no seu pensamento, Vicente, mas eu acho que posso contribuir agora mesmo e não falo de dinheiro... - diz Rafael.
-Como, querido? - pergunta Riva.
-Simples, gente: andei escrevendo algumas coisas nesses últimos tempos. Algumas ideias que andaram pipocando aqui na minha mente. Se eu conseguir dar uma roteirizada nisso, ou mesmo se a gente trabalhar junto, a coisa pode sair do papel e quem sabe possa se tornar nossa primeira obra dentro da produtora... - fala Rafael.
-Amei a ideia, filho! Nem sabia que você andava escrevendo ultimamente. Aliás, é uma novidade pra mim saber que você quer ir além da atuação... - fala Marion.
-Esse bichinho começou a morder o Rafa quando a gente gravou a série exclusiva do site da emissora... - fala Marcelo.
-É uma ideia e tanto, gente. Só que tem uma coisa: antes da gente pensar em colocar em prática qualquer projeto nosso que pintar de série, minissérie, ou até mesmo novela pra internet, a gente precisa primeiro definir como e quando a coisa vai começar a sair da imaginação pra se tornar real. Como já foi falado antes, nós temos um espaço imenso no nosso terreno para a construção de um pequeno complexo de estúdios... ainda assim, mesmo sabendo que ninguém aqui em casa se opõe, a gente precisa pensar, por exemplo, num nome, numa marca registrada, entendem? Algo que seja de impacto, que dê identidade à produtora. Além disso, tem a questão dos trâmites legais. Liberação de CNPJ, essas coisas... -fala Vicente.
Todos seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA 5: Procópio chama Laura para uma conversa em particular.
-Até imagino o motivo de você ter me chamado aqui, Procópio.
-Sim, Laura... é sobre sua gravidez. Eu sei que você está empolgada e tudo mais...
-Mas tem medo que eu acabe deixando o elenco da peça, não é isso?
-É... não tava encontrando o jeito certo de dizer.
-Quanto a isso, pode ficar tranquilo, querido. Vou trabalhar até onde eu puder.
-Sim... mas isso por si só já faz com que nossa peça, quando ficar pronta, tenha uma primeira temporada reduzida.
-Isso na prática não há de ser algo ruim, querido. Até parece que você não tem essa companhia de teatro há mais de trinta anos, sabe? Devia saber melhor que eu que uma primeira temporada curta, se fizer sucesso, é bilheteria garantida pra próxima.
-Verdade, Laura. Mas a questão aqui é que a gente nem faz ideia de quando esse texto pra peça vai ficar completamente pronto.
-Não acho que vá demorar tanto, Procópio. Estamos escrevendo em conjunto e o Mateus e o Haroldo estão inserindo um texto considerável, maior que o que eu escrevi até agora, inclusive. Você sabe disso.
-Até sei, querida, mas me preocupa é a realização depois do texto finalizado. A Mara vai acabar dobrando o trabalho dela que pouco já não é, afinal tem de conciliar o teatro com a polícia.
-Você parece estar subestimando nossa preparadora. Aquela ali tem fôlego e disposição de adolescente.
-Nisso você tá certa... acho que nunca vou perder esse frio na barriga que antecede a realização e as estreias...
-Cacoetes profissionais, Procópio... cada um de nós tem o seu próprio. Agora você me dá licença que eu preciso ir lanchar com os meninos.
CORTA A CENA.

CENA 6: Raquel bate no apartamento que Suzanne está hospedada.
-Que milagre é esse, dona Raquel? Resolveu lembrar que ainda tem uma filha? Já enjoou da cara do seu filhinho do coração? Que coisa, não? - ironiza Suzanne.
-Faça um favor a mim e a você mesma, Suzanne: poupe-me dessas ironias. Eu não vim aqui pra te dar um abraço e te chamar de filhinha querida, pro seu governo.
-Ai, que grosseira! Deveria ter mais amor pela sua única filha.
-Amor eu tenho... mas também tenho visão e sei que o seu caráter é podre.
-Tá, chega dessa aura de superioridade, fala logo a merda que te trouxe aqui pra me falar sermão.
-Como é que você teve a cara de pau de mentir em depoimento à polícia, Suzanne?
-Nossa, nem dá pra acreditar que você é investigadora de polícia, viu? O delegado não te disse que nada foi comprovado sobre minhas contas? Aceita que dói menos, querida: elas não são ilegais. Lide com isso. Quer ver sua filha na cadeia? Pois vai ter que ralar muito, dona Raquel. Não vai ser nada fácil provar qualquer coisa contra mim.
-Você deve estar se sentindo por cima da carne seca agora, né? Toda cheia de si, se sentindo a vitoriosa... cuidado, viu Suzanne? Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco.
-Isso é uma ameaça, mãe?
-Não. Não sou da sua laia. Isso é um aviso pra deixar claro que esse jogo não acabou. Você sabe que seu inquérito permanece aberto. Você vai acabar sendo pega em algum momento, pode apostar.
-Era só isso? Então me deixa em paz e volte pro seu trabalho de justiceira da terceira idade e acolhedora de sem teto.
-Eu vou embora, mas fica o aviso: você não vai ficar impune.
-Isso é o que veremos, “mamãe”.
CORTA A CENA.

CENA 7: Vicente está concentrado na escrivaninha do quarto e Riva percebe.
-Nossa, amor... você tá tão concentrado que daqui a pouco essa escrivaninha te engole!
-Ah... desculpa, amor... realmente fiquei bem concentrado aqui.
-Com o que?
-Então, Riva... eu tava fazendo uma estimativa de orçamento para a nossa futura produtora.
-Sério? Que bom que você já pensa nisso com toda essa antecedência, assim não tem como dar erro na hora de colocar tudo em prática. Aliás, se isso te interessa, sou uma excelente empresária.
-Como se você precisasse reafirmar isso, Riva. Você geriu o próprio negócio durante mais de dez anos com louvor!
-Enfim... quanto tá saindo o valor desse orçamento?
-Olha, amor... vai sair no mínimo seis milhões de reais para construir toda a estrutura do que vai ser nosso complexo de estúdios. Ainda não fiz a planta, isso fica mais pra frente, mas calculando a área que nós temos disponíveis e levando em conta que material de construção bom não é tão barato assim e eu pretendo que tudo seja de qualidade, por menos de seis milhões não tem como sair. Essa conta pode inclusive triplicar conforme a coisa for tomando forma.
-Nossa... é dinheiro pra danar, Vicente. Mas nem de longe isso vai ser um problema pra nós... graças a Deus!
-Ainda bem. Só que eu estou contando com o meu dinheiro, o seu e o de Rafael. Com o de Marion eu não vou contar porque eu ando com receio que ela acabe sendo processada pelo João Bernardo...
-Você acha mesmo que o dono da emissora poderia abrir uma ação contra ela?
-Conheço aquele sujeito. Caráter nunca foi o seu forte...
CORTA A CENA.

CENA 8: Ao final do dia, Valentim conta a Mara sobre notícia que recebeu.
-Tenho algo a te contar, querida.
-Fala, Valentim.
-Um dos últimos fugitivos da instituição psiquiátrica foi recapturado. O nome dele é Paulo. Sabe o que ele disse? Que Guilherme foi o mentor da fuga em massa que ocorreu.
-Eu sabia que tinha participação direta dele nisso! Foi dita mais alguma coisa?
-Não... o delegado que me informou a respeito só disse isso.
-Tá vendo como você tem que me ouvir mais vezes, Valentim? E sou capaz de apostar que foi o Guilherme que eliminou aqueles dois homens que foram encontrados mortos.
-Não tenho certeza sobre isso. Ele sempre foi de mandar outros fazerem o serviço por ele para não sujar as próprias mãos.
-As coisas podem mudar quando a situação pede, Valentim. De repente, numa situação extrema, ele pode perfeitamente ter assassinado esses dois rapazes. Eles nem estavam mais com as roupas da instituição... talvez soubessem demais. Queima de arquivo, sabe?
-Isso a gente só vai descobrir com o tempo, querida...
CORTA A CENA.

CENA 9: Mateus, Laura e Haroldo estão em casa e conversam tranquilamente após o jantar.
-Cês acreditam que o Procópio pensou que eu fosse desistir da peça? Ah, até parece que não me conhece... - fala Laura.
-Não conhece mesmo. Quando você enfia uma coisa na cabeça, ninguém tira... - comenta Haroldo.
O celular de Mateus toca e Laura escuta.
-Querido, não é seu celular tocando?
-Deve ser, mas pela distância, deve estar lá no quarto...
Mateus vai ao quarto e encontra o celular tocando. Vê que é número desconhecido e atende.
-Surpreso com a minha ligação, traidor?
Mateus percebe se tratar de Guilherme. FIM DO CAPÍTULO 119.

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