CENA 1: Mateus cai,
aparentemente desacordado, com as sacolas ao chão.
-Pode parar, Ronaldo. Esse daí
já foi pro inferno, melhor dar o fora daqui antes que os homens
apareçam... - fala o outro homem, que olha para os lados.
-Tá certo. Esse não vai mais
dar problema pra organização e nem pro chefe... - fala o homem que
esfaqueou.
Os dois saem correndo, antes
que sejam vistos por mais alguém. Mateus percebe que eles estão
distantes e, com muita dificuldade, consegue pegar o celular de seu
bolso, ligando para Laura.
Laura está subindo novamente
ao palco, quando seu celular toca.
-Desculpa, Procópio! Mil
perdões! Mas é Mateus quem tá me ligando... eu vou atender e já
volto aqui pro palco!
Laura corre até o camarim,
para não perturbar os outros atores e atende o celular.
-Fala, Mateus...
-L...Laura! O chefe m...mandou
dois homens pra me matar!
-O que? Mateus, que voz é
essa? Você tá bem?
-Eu fui esfaqueado por um
d...desses caras. Es...tou sangrando muito.
-Aguenta firme aí, meu amigo!
Eu vou sair daqui agora. Onde você tá?
-A vin...te metros de
c...casa.
-Mateus, liga pro Haroldo
descer e te socorrer! Manda ele chamar uma ambulância, qualquer
coisa, se eu não chegar a tempo!
Laura sai correndo e Procópio
a para.
-O que está havendo, Laura?
-Não vai dar tempo de
explicar. Aconteceu coisa séria, preciso ir embora.
Laura corre até sua moto e
parte para sua casa. Em menos de cinco minutos, ela chega ao local
onde Mateus está, sendo amparado por Haroldo.
-Você chamou a emergência,
Haroldo?
-Claro que chamei! Mas eles
deram quinze minutos pra chegar.
-E o Mateus? Como está?
-Eu... tou bem. Sou v...vaso
ruim. Não vai ser d...dessa vez que vocês v...vão se livrar de
mim... - fala Mateus.
-Procura falar pouco, Mateus!
A gente ainda não sabe se essas facadas te feriram seriamente por
dentro. Tenta não fazer esforço agora... a gente tá aqui contigo,
vai dar tudo certo... - fala Laura.
-Ai, meu Deus. E essa
ambulância que nunca chega? - preocupa-se Haroldo.
-Faz quanto tempo que você
ligou pra emergência, amor? - pergunta Laura.
-Assim que o Mateus me ligou
avisando que tava aqui em baixo, esfaqueado...
-Eu sinto tanto por não ter
ouvido você, Haroldo... se eu não tivesse saído de casa, nada
disso teria acontecido. Ia ser eu a sair pra fazer as compras... -
lamenta Laura.
-Não é hora pra
lamentação... eu... tou vivo ainda, ge...gente. Quem g...garante
que não iam f...fazer o mesmo c...com você, Laura? - fala Mateus.
-Mas é teimoso mesmo, ô
derrota! Baianinho bem arretado que tu é, rapaz! Já mandei você
não falar e ficar quieto enquanto o atendimento não chega! -
repreende Laura, preocupada.
A ambulância se aproxima
deles.
-Até que enfim! Pensei que
não chegavam mais! - fala Laura.
Os médicos descem, examinam
rapidamente Mateus e o colocam dentro da ambulância. Haroldo e Laura
entram junto de Mateus.
-Vai dar tudo certo, meu
amigo... - fala Haroldo.
CORTA A CENA.
CENA 2: Mateus é levado à
clínica particular e Laura estranha.
-Você não acha exagero
demais, Haroldo?
-Cê tá bem doida que eu ia
deixar nosso amigo ser levado pra um hospital público diante de uma
situação dessas, né? Acho que você, melhor que ninguém, sabe que
o “Chefe” é perigoso e as chances dele mandar os homens dele
vigiarem os hospitais públicos é bem maior. Aqui, a segurança pode
não ser completa, mas de todos os lugares, seria o último que o
chefe mandaria o pessoal dele vasculhar. Ganhamos tempo e mantemos o
Mateus a salvo, sacou?
-Não... agora eu acho que
entendi melhor... desculpa se achei exagero, amor... é que essa
situação toda tá me deixando nervosa, eu tive muito medo de que o
Mateus acabasse morrendo e ainda tou com medo das complicações que
ele pode ter por causa dessa atrocidade que fizeram com ele. Mas eu
sei que foi melhor assim, Haroldo. Só não tenho como te pagar, te
ressarcir tudo isso.
-Relaxa, querida. Nós estamos
juntos... estou fazendo o que deve ser feito e você não tem que se
preocupar em me ressarcir de algo que não estou cobrando de ninguém.
O médico chega com notícias
sobre Mateus.
-Vocês que vieram
acompanhando Mateus Viveiros, certo? - fala o médico.
-Sim. Como ele está, doutor?
- pergunta Laura.
-Felizmente os ferimentos
foram mais superficiais e ele não corre risco de morrer. Ainda
assim, como ele perdeu muito sangue, vai precisar passar o dia aqui
conosco, recebendo sangue do nosso banco. Mas podem respirar
aliviados que ele vai sair dessa! - fala o médico.
-Podemos ver ele? - pergunta
Haroldo.
-Melhor não. Ele está
recebendo sangue nesse momento. Eu aviso quando já for possível que
vocês venham ver ele. - finaliza o médico, retornando de onde saiu.
-Laura... você não acha
melhor avisar o Valentim de tudo o que aconteceu?
-Ainda bem que você me
lembrou de fazer isso, amor... eu já ia me esquecendo. Também, foi
tanta coisa ao mesmo tempo que nem deu tempo de pensar... vou ligar
pra ele agora, cê me dá licença...
Laura liga para Valentim.
-Fale, Laura. Procópio não
entendeu nada com você saindo apressada do teatro hoje...
-Eu tive de sair correndo sem
explicar nada, tava correndo contra o relógio, Valentim. Mateus
sofreu um atentado e quase morreu.
-Não brinca! E ele está bem?
Vai se safar dessa?
-Felizmente vai, mas estamos
numa clínica particular para evitar que o pessoal da facção chegue
na gente. Foi ideia do Haroldo.
-Excelente ideia. Eu vou mais
tarde aí, para conversar com vocês três, com calma. Podia me
passar o endereço?
-Claro, Valentim... anota aí!
Laura passa o endereço da
clínica onde eles estão para Valentim.
-Ótimo. Vou só finalizar
algumas coisas que estou fazendo aqui e vou para a clínica o mais
rápido possível. Recomendo que vocês comuniquem aos médicos que
Mateus foi vítima de um atentado por ser arquivo vivo. Dessa forma,
vocês ficam minimamente protegidos até eu chegar.
-Está certo, Valentim... vou
pedir pro Haroldo falar com o médico. Até mais tarde, querido.
-Mantenham a calma. O cerco
contra o “Chefe” tá mais perto de se fechar do que ele
imagina...
-Ainda bem. Até mais,
Valentim.
Laura desliga. CORTA A CENA.
CENA 3: Horas depois, Victor
volta de terapia e Diogo o recebe.
-E aí, amor? Foi tranquilo lá
na terapia?
-Foi maravilhoso, Diogo...
hoje teve uma espécie de dinâmica, onde a terapeuta aplicou umas
técnicas pra eu tentar.
-Como elas funcionavam?
-Primeiro eu tinha que fazer
um exercício de introspecção por uns quinze minutos em silêncio.
Nem eu nem ela falávamos nada. Depois disso, ela me perguntava que
emoções eu tinha reconhecido dentro de mim enquanto “meditava”
naqueles minutos.
-Interessante, isso... e
funcionou?
-Muito! Eu falei de todas as
emoções e pensamentos que tive naquele tempo. Amor, raiva, ódio,
desânimo, medo, coragem... tudo!
-E depois?
-Ela pediu para eu colocar pra
fora o sentimento que mais me incomodava naquele momento. Que eu não
tivesse medo de gritar a plenos pulmões, de chorar, de expurgar o
fantasma colocando esse fantasma pra fora. Disse ela que isso faz
parte da cura das próprias emoções, reconhecendo essas emoções e
acolhendo cada uma delas.
-Que maravilhoso, amor! E isso
parece ter te feito bem, tou te sentindo mais leve!
-E é verdade, Diogo. Eu
coloquei toda a minha raiva pra fora... e o mais incrível é que
todo o ódio que eu projetava pros outros, como o Cláudio por
exemplo, na verdade eu entendi que era um processo de autossabotagem.
-Que lindo isso, Victor...
-É, mas mesmo assim eu
preciso sempre ficar consciente de que não está nada ganho, que
nada mudou da noite pro dia feito passe de mágica. Preciso lidar
comigo todos os dias e tentar ficar atento pra não projetar nos
terceiros as coisas que são minhas, né...
-Fico feliz que você esteja
tendo essa clareza toda, amor. Confesso que quando você acusava o
Cláudio de coisas que ele nunca fez, isso chegava a me assustar.
-Ainda odeio ele um pouquinho
de vez em quando, mas sei que isso é problema meu e que ele é uma
boa pessoa...
-Ainda bem, Victor... ainda
bem. Acho que era uma boa você falar da próxima vez pro Valentim
sobre essa última sessão de terapia. Acho que ele vai gostar de
saber.
-Acredito que vai sim,
Diogo... ele que me indicou essa terapeuta e ela é maravilhosa
mesmo, uma linda na vida do ser humano.
Os dois seguem a conversar.
CORTA A CENA.
CENA 4: Laura e Haroldo
aguardam a chegada de Valentim, que está a caminho.
-Pelo menos agora a gente sabe
que vai estar completamente seguro. Confio muito no Valentim... -
fala Laura.
-E não é pra menos. Ele,
além de ser um excelente investigador, é amigo pessoal de meu pai,
há muitos anos. - fala Haroldo.
-Amor... eu andei pensando
numa coisa: já ficou claro que ou o Mateus ou o Bruno sabem quem é
esse “Chefe”... isso se os dois não souberem a identidade dele.
-Sim, isso é fato. Quanto ao
Bruno eu não tou certo, mas o Mateus já me disse que conhece
pessoalmente esse cara.
-Sério? E por que você não
me contou isso antes?
-Primeiro porque não achei
necessário e segundo porque a gente foi ameaçado até não poder
mais, amor... mas agora, diante disso, não adianta mais esconder
isso de você. O Mateus que me desculpe por passar por cima do pedido
de segredo dele.
-Não... que isso, querido...
você tá mais que certo. Nossas vidas não podem simplesmente ficar
sempre nas mãos de um cara demente feito esse “Chefe”. Mas, seja
sincero comigo: você também sabe qual é a identidade dele? A gente
não pode mais brincar de esconder informações diante do que
aconteceu...
-Eu adoraria te dizer que
conheci o “Chefe”, mas infelizmente eu não conheci, Laura. Isso
é o que me deixa mais furioso por tudo: o sujeito me teve
completamente nas mãos durante mais de dois anos, me forçou a
trabalhar pra facção e eu nem sei quem é.
-Acredito em você, amor. Mas
confesso que isso me frustra. Aliás, frustração nem é a
palavra... eu fico é odiada de saber como um sujeito pode manipular
a vida de tanta gente sem sequer mostrar a cara... ele pode ser
qualquer pessoa que a gente já tenha conhecido e isso me deixa meio
atordoada, só de pensar.
Valentim chega e Haroldo
percebe.
-Amor, o Valentim chegou...
Laura e Haroldo recebem
Valentim na sala de espera da clínica. CORTA A CENA.
CENA 5: Ao fim da tarde, Riva
e Vicente passeiam com o filho Lúcio e, andando pelas ruas, acabam
encontrando por acaso com Márcio. Vicente é o primeiro a ver
Márcio.
-Ei, Márcio! Dando volta
antes de anoitecer também? - fala Vicente.
Márcio se aproxima e
cumprimenta Riva e Vicente.
-Tava aqui dando umas voltas
pra espairecer... esquecer dos problemas... - fala Márcio.
-Eu imagino... você não
precisa fazer segredo pra mim, cara... a Riva me contou sobre a
Suzanne... que ela é mãe do Cláudio.
-Pois é, Vicente... pra vocês
verem. Essa vida já foi muito cruel comigo. Mais cruel foi o que a
Suzanne aprontou ao longo de tantos anos comigo.
-Deixa disso, Márcio... você
sabe muito bem que a Suzanne nunca amou ninguém... - contemporiza
Riva.
-É, mas eu sempre a amei.
Apesar de todas as barbaridades que ela me levou a fazer, apesar dos
golpes que ela armou, apesar de todas as mentiras que ela contou pra
tanta gente, eu ainda amo essa mulher... - desabafa Márcio.
-Márcio, meu amigo... você
já perdeu tempo e vida demais em função de agradar uma pessoa que
nunca fez nada de bom por você, que só te colocou pra baixo... -
fala Riva.
-A Riva tá certa, Márcio. Tá
na hora de você se libertar disso, de uma vez por todas. - fala
Vicente.
-Sabem o que é mais duro
nisso tudo pra mim? Saber que vocês estão cobertos de razão... mas
ainda assim, não é fácil me desprender desse amor... eu dei minha
vida por ela... - desabafa Márcio.
-Você não quer vir conosco?
A gente já tá indo pra casa, você tá convidado pro jantar! -
convida Vicente.
-Se não for incomodar...
-Você é pai do meu
primogênito, seu bobo. Não incomoda nunca! - fala Riva.
Os três partem para o carro
de Vicente. CORTA A CENA.
CENA 6: Laura, Haroldo e
Valentim visitam Mateus no quarto da clínica.
-Valentim? Pra que você veio
aqui? - estranha Mateus.
-Garantir a segurança de
todos vocês, Mateus. Minha equipe já está devidamente avisada e há
policiais lá fora... - esclarece Valentim.
-Que susto que você nos deu,
hein amigão? - fala Haroldo.
-Nem me fala, Haroldo...
quando eles me atacaram, cheguei a pensar que ia morrer. Não sei
como eu consegui me fingir de morto enquanto me retorcia de dor por
dentro... acho que foi isso que evitou que eles me esfaqueassem mais.
- fala Mateus.
-Eles vieram pra matar mesmo,
Mateus. O “Chefe” não tá mais de brincadeira... acabou o
“amor”. É preciso que algo urgente seja feito... - fala Laura.
-Mais urgente do que eu
receber a transfusão de sangue pra ficar bom? Isso já tá
resolvido... - brinca Mateus.
-Não brinca com isso, ainda
mais numa hora dessas, Mateus! Você não percebe a gravidade de tudo
isso? - fala Laura.
-Evidente que sim, Laura.
-Eu sei que você sabe quem é
o chefe. Haroldo me contou, mas não fique bravo com ele. - fala
Laura.
-Ele tá certo... se eu não
tive coragem de dizer antes, alguém que sabia isso sobre mim tinha
de ter. - fala Mateus.
-Não vamos te pressionar a
dizer nada além daquilo que você se sentir seguro para dizer,
Mateus. Fique tranquilo. - fala Valentim.
-Não, Valentim... agora eu
quero ir até o fim. Só vou precisar de um tempo pra pensar em tudo
e garantir que tudo fique seguro pra nós... - fala Mateus.
-Bem... então eu acho que a
sugestão do Valentim deve ser levada a sério: nós vamos forjar sua
morte. Assim, a gente arma todo o ritual de velório, enterro... tudo
isso pra engabelar o “Chefe”. Ele, pensando ter te eliminado, não
vai esperar que você conte tudo à polícia... você topa? - fala
Laura.
-Topo sem nem pensar duas
vezes! - fala Mateus.
-Ótimo. Valentim, vá
comunicar os médicos a respeito do nosso plano... - fala Haroldo.
CORTA A CENA.
CENA 7: Valentim explica aos
médicos a situação que envolve Mateus.
-Só tenho uma dúvida,
investigador: não há risco de isso tudo manchar a reputação da
nossa clínica? - pergunta um dos médicos.
-De jeito nenhum. Sou um
representante da lei. As providências para a proteção das
testemunhas já vinham sendo tomadas antes desse atentado. Eu e a
Polícia Federal assumimos, por conta e risco, essa farsa. Mateus é
uma importante peça de um quebra-cabeça que envolve uma facção
perigosíssima. Se o líder dessa facção acreditar que o eliminou,
nós temos como pegar esse criminoso, sem que ele suspeite que o
cerco está se fechando contra ele, entenderam?
-Agora sim... - fala o médico.
-De qualquer forma, é
importante que vocês esperem ainda algumas horas antes de assinar o
falso atestado de óbito de Mateus. Ele chegou aqui consciente, se
comunicando com todos e provavelmente houve testemunhas de que ele
estava ainda consciente no local do crime.
-Faz sentido, investigador...
esse período de tempo dá respaldo para dizermos que houve alguma
complicação, hemorragia interna...
-Exatamente, doutor.
CORTA A CENA.
CENA 8: Após jantar, Vicente
e Riva conversam a sós com Márcio.
-Eu sei que pode ser muito
duro pra você ter de encarar tudo de uma vez, mas acho que passou da
hora de você contar pro Cláudio toda a verdade... - fala Vicente.
-Ah, Vicente... não é tão
fácil quanto parece. Depois, falta tão pouco pro casamento do meu
filho, sabe? Nem é justo soltar uma bomba dessas nesse momento... -
fala Márcio.
-Mas Márcio... mesmo assim!
Depois do casamento do Cláudio você não vai ter como escapar de
contar pra ele que a mãe dele é a Suzanne... é um direito dele
saber disso. - fala Riva.
Marcelo, que passa pelo
corredor, escuta a conversa.
-E é um direito meu também!
- fala Marcelo, surpreendendo a todos.
FIM DO CAPÍTULO 93.