CENA 1: Valentim se impacienta
com Diogo.
-Quem você pensa que é para
me tomar desse jeito, rapaz? Deixa eu esclarecer uma coisa: você é
só o namorado do meu paciente. Ou marido, ou noivo... pouco me
interessa. No máximo você deu uma colaboradinha – bem pequena,
por sinal – no rumo das investigações sobre essa facção. E
antes que você tenha um ataque de nervos na minha frente e acabe
gritando o suficiente pro Victor ouvir alguma merda dita aqui, eu vou
explicar de uma vez por todas: isso não é pessoal contigo. Só que,
além de psiquiatra, eu também sou investigador da Polícia Federal.
Você compreende isso? Compreende que qualquer pessoa pode ser
suspeita, inclusive você?
-Você vá me desculpar,
Valentim, mas eu fico indignado! Como é que você tem a ousadia e a
coragem de duvidar de um cara reto como eu? Justo eu, que sou incapaz
de fazer as coisas se não for do jeito certo! Você acha que eu me
senti feliz sendo obrigado por esse infeliz desse “Chefe” a
abandonar o Cláudio e inventar que eu tinha traído ele, pra que ele
me odiasse? Eu fiz isso pra salvar as nossas próprias vidas!
-Já falei pra você não
levar nada disso pro lado pessoal. Aqui, eu falo como um profissional
e você precisa me ouvir! Quem garante que você ficou realmente
acuado? Por que fugiu de primeira? Desistência fácil essa, não?
Pra alguém que dizia que amava o Cláudio mais que tudo, ter a
capacidade de mentir ele para supostamente proteger. Quem me garante
que não é você o próprio “Chefe” e acabou se afastando do
Cláudio para evitar que ele continuasse sendo o alvo dos seus
próprios homens dentro da facção? E tem mais: você me fala há
algum tempo que suspeita do seu atual namorado. Suspeita de alguém
que você diz amar! E não é capaz sequer de dizer isso pra ele!
Quem é que me garante que você não tá armando tudo isso para
desviar o foco de você?
-Essa conversa é sem
propósito, Valentim. Não é você que vive dizendo que esse “Chefe”
é perigoso? Você acha que eu seria capaz de fazer qualquer coisa de
má contra qualquer pessoa? Eu não mato nem uma mosca, cara!
-Será? Talvez esse “Chefe”
seja uma pessoa de várias caras, várias facetas, várias máscaras.
Essa conversa nem deveria estar acontecendo, Diogo. Você entrou no
meu consultório sem minha permissão e mexeu em papeis sigilosos!
Você tem noção que isso no mínimo atrapalha os rumos das minhas
investigações? As únicas pessoas que deveriam ter acesso a essa
lista sou eu, os demais investigadores e a Polícia! Ninguém mais!
Mais uma vez eu vou dizer pra ver se você entende: isso não é uma
cruzada pessoal contra você ou qualquer um dos demais suspeitos, tá
compreendendo?
-Desculpe pela minha
indiscrição. Sempre fui muito curioso e agora minha curiosidade me
levou a descobrir algo que eu não queria.
-Sabe aquele velho ditado? “A
curiosidade matou o gato”. Digamos que eu esteja cometendo um erro
tremendo de colocar você como suspeito... você tem noção que
agora você pode estar diante da identidade do real “Chefe”,
dentre as pessoas que você leu na lista? Você precisa se manter
calado, fingir que nunca viu essa lista... ela nem devia estar aqui,
foi lapso meu de não deixar em casa.
-Bem... eu vou tentar digerir
essa coisa toda. Mas uma coisa eu te garanto, Valentim: eu não sou
esse cara. Eu nunca fiz nada de ilícito na vida além de dirigir
alcoolizado um número de vezes...
-Se você diz, eu acredito.
-Vai me tirar dessa lista?
-Isso não cabe a você. Cabe
a mim decidir e conduzir. Até segunda ordem, eu acredito em tudo o
que me dizem. Agora, por favor... chame Victor e finja que não
tivemos essa conversa, por favor.
Diogo chama Victor, que entra
no consultório de Valentim. CORTA A CENA.
CENA 2: Na manhã do dia
seguinte, Cláudio aparece cedo na mansão dos Bittencourt e é
recebido por Marcelo.
-Que bom te ver aqui, querido!
Quer dizer... irmão. Mas tão cedo? Mal tomamos o café da manhã...
-Aproveitei que o Guilherme
não dormiu comigo essa noite e resolvi vir aqui conversar antes de
ir pra companhia de teatro... aliás, nem sei se eu tou a fim de
ensaiar hoje, acho que ainda não tenho cabeça pra isso...
-Você quer subir pra
conversar melhor comigo?
-Se não for deselegante com
as pessoas, eu prefiro...
-Claro que não é... depois,
você é meu irmão, não é? Também é dessa família.
Os dois sobem ao quarto.
-Então, Cláudio... por que
veio tão cedo pra cá?
-Eu precisava conversar um
pouco. Olhar pra você e me convencer de que isso não é um sonho
louco e que a gente é realmente irmão.
-Isso tudo é tão louco, né?
A gente se conhecendo a vida inteira, nos melhores e nos piores
momentos, brigando e fazendo as pazes... sem fazer ideia de que no
fim das contas, éramos irmãos... mas enfim...
-Eu não entendo como esse
infeliz do Márcio teve a capacidade de esconder isso.
-Cláudio... eu conversei com
o nosso pai. Ele me contou tudo. Ele realmente não sabia de nada...
ele não escondeu nada de você porque ele não tinha o que esconder
de uma pessoa que ele sequer fazia ideia de que era o filho dele.
-E você acreditou, Marcelo?
Me surpreende você, escorpiano todo desconfiando, caindo nessa.
-Quem tá sendo desconfiado
demais aqui, hoje, é você. O Márcio falou tudo isso olhando nos
meus olhos. As lágrimas corriam dos olhos dele. Tinha verdade em
cada palavra que ele conseguiu dizer.
-Mas eu não sei se consigo
perdoar assim, tão fácil. Porque querendo ou não, ele deixou a
minha mãe biológica me entregar pro orfanato.
-Cláudio, Cláudio... ele
explicou isso. Ele não teve como reagir... estava cego de amor por
essa mulher.
-E daí? Por amor a essa
mulher ele simplesmente fazia tudo o que ela mandava ele fazer?
-É por aí. Mas sabe, vocês
precisam conversar um com o outro... cara a cara, do mesmo jeito que
fiz com ele. Perdoar faz bem pra gente. Todo mundo nessa vida erra,
sabe? Não é justo condenar uma pessoa que você nem quer ouvir...
-Eu preciso pensar. Você se
incomoda se eu passar o dia aqui? Não tou com a mínima vontade de
ir pra companhia de teatro hoje...
-Claro, bobo... desce comigo
que a gente faz um lanche, que ainda tou com fome...
CORTA A CENA.
CENA 3: Durante café da
manhã, Márcio agradece a estadia a Raquel.
-Muito obrigado por me deixar
passar a noite com a senhora...
-Sabe, Márcio... eu andei
pensando que seria uma boa ideia você vir morar comigo. Você é o
filho que não tive e tá precisando se desligar um pouco daquele
mundinho da Suzanne.
-É, mas como que eu vou
manter aquele apartamento do hotel com o aluguel em dia?
-Simples... eu pago.
-Quê?
-Eu tenho de onde tirar esse
dinheiro, fique tranquilo.
-Sendo assim, eu aceito morar
aqui com a senhora. Vai ser melhor pra mim.
-Quem sabe assim você veja de
uma vez por todas que minha filha só fez te usar, esse tempo todo...
-Não entendo como você
consegue falar assim da Suzanne.
-Meu querido... eu sou mãe,
eu não sou cega. A Suzanne nunca foi uma pessoa boa. Ela sabe fingir
doçura, ela sabe ser carismática, encantadora. Mas ela só faz isso
quando quer alguma vantagem e pra tirar essa vantagem, ela não pensa
duas vezes em passar por cima de quem quer que seja. Hoje é
cristalino pra mim que ela sempre te usou. Te seduziu e usou desse
seu amor incondicional por ela pra tirar vantagem, pra fazer o que
quisesse de você. Você realmente acha que uma mulher que te ama
faria o que ela fez com o filho de vocês? O Cláudio é seu filho e
meu neto e ela tirou ele de nós. Só agora, vinte e dois anos
depois, estamos sabendo da verdade. E eu nem sei quando vou conhecer
meu neto, ainda... não sei se ele vai querer me conhecer. Você
percebe como ela passou por cima de nós esse tempo todo?
-É tão aterrador pensar
nisso tudo dessa forma... mas o mais triste disso, dona Raquel, é
saber que a senhora tem razão...
-Juro que queria estar errada.
Mas os fatos falam por si. Querido, eu preciso sair. Volto antes das
nove da noite. Se for sair, me manda uma mensagem avisando, tá?
Beijo.
-Beijo, mãe... - fala Márcio,
com afeto.
Raquel lhe abraça e vai
embora. CORTA A CENA.
CENA 4: Laura desabafa no
quarto com Haroldo, antes que eles saiam para tomar café da manhã
na sala.
-Eu sinceramente não sei o
que fazer com o Mateus, nem como falar com ele. Valentim me disse pra
manter a calma, mas ao mesmo tempo eu não sei como vou conseguir.
Por mais que eu tente não julgar, você sabe que sou impulsiva.
Posso falar e fazer coisas que posso me arrepender depois...
-Não se esqueça de uma
coisa, amor... ele passou pelos mesmos sufocos que eu. A diferença é
que desde o começo do nosso relacionamento eu te expliquei, dentro
das minhas limitações, que tive posições de destaque dentro dessa
merda toda que fui obrigado a participar. Respeite o Mateus... tenho
certeza que a história dele não deve ser muito diferente da minha.
-Eu sei de tudo isso, Haroldo.
Mas ao mesmo tempo eu não sei como chegar nele e falar que eu sei de
coisas que ele nunca teve coragem de me dizer. Já parou pra pensar
que ele pode ter um acesso de coragem e acabar falando mais coisa?
-Deixa ele falar e vê o que
você faz com a informação, ué...
-Você tá certo. Vamos logo
tomar esse café senão eu me atraso...
Os dois deixam o quarto. CORTA
A CENA.
CENA 5: Eva e Renata recebem
um relato no site e Eva chama Renata.
-Amor... lê isso aqui. Esse é
um relato pesado. É o primeiro relato de todos os que já recebemos
que fala de estupro.
-Dá um espacinho pra eu
ler... - fala Renata.
Renata se senta e começa a
ler o relato, em voz alta.
“Olá, meu nome é Lorena.
Hoje eu tenho vinte e dois anos, mas somente aos dezoito tive coragem
de contar à minha mãe que meu próprio pai me aliciou, desde que eu
tinha seis anos de idade. No começo ela duvidou de mim, disse que eu
estava louca, inventando história, que eu queria destruir o
casamento dela. Eu pensei em desistir da vida... até que um dia eu
tive uma ideia: deixei meu celular ligado com a câmera filmando e
meu pai tentou abusar de mim mais uma vez. Depois disso, minha mãe
soube de tudo e me pediu perdão por tudo. Denunciamos meu pai à
polícia e ele fugiu. Nunca mais soubemos do paradeiro dele. Vou
contar como tudo começou:
Quando eu tinha seis anos, meu
pai ainda dava banho em mim. Certa vez ele disse que precisava
colocar a mão mais dentro da minha vagina para que eu ficasse limpa,
pois eu estava ficando mocinha. Não estranhei nada daquilo. O tempo
foi passando e as investidas dele piorando: ele dizia que uma filha
tinha que provar o amor ao seu pai deixando ele plantar a sementinha
nela. Eu não sabia o que nada daquilo significava. Ele começou a me
estuprar quando eu tinha oito anos e eu só compreendi isso aos doze.
Aos catorze, eu engravidei do meu próprio pai. Ele me ameaçava
todos os dias, dizendo que se eu contasse a qualquer pessoa, todos
nós morreríamos na minha casa. Eu não tinha saída.
Abortei seis vezes. Da
penúltima vez que eu abortei, eu quase morri. Ele me levava e me
buscava da clínica clandestina. Quando eu entrei em coma, ele fez de
tudo para minha mãe acreditar que eu havia sofrido uma forte
hemorragia por conta de anemia. Eu estava, então, com dezessete
anos. Quando me vi à beira da morte, tive certeza que esperaria
completar dezoito anos para denunciá-lo. Hoje, sou uma mulher
buscando superar esse trauma e viver feliz. Mas saber que ele ainda
está foragido me assombra.”
Renata fica perplexa com o
relato.
-Publicamos no site? -
pergunta Eva.
-Evidente que sim! É pesado,
mas é necessário.
CORTA A CENA.
CENA 6: Horas depois, Mara e
Valentim estão no consultório dele, em horário vago.
-Andei pensando muito em tudo,
Mara. Definitivamente, o Diogo não pode ser considerado suspeito.
-Fico tranquila que você
tenha percebido isso. Por tudo o que você conta sobre ele, ele nunca
me pareceu ter perfil suficiente para se encaixar no que você supõe
que o “Chefe” seja.
-Exatamente. Por isso mesmo,
tomei a decisão de excluir ele da lista. Não faz o mínimo sentido
investigar a vida de alguém cujo passado e presente não depõem em
absolutamente nada contra ele.
-Mesmo que depusesse,
Valentim. O fato isolado de um suspeito ter ou não ter antecedentes
criminais não determina sua periculosidade. Você sabe muito bem
disso.
-Verdade, amor... agora essa
lista finalmente tá começando a afunilar.
-Ainda bem. Dessa vez não
ficou nenhum suspeito de fora e é natural que esse afunilamento se
acelere. Algo me diz que estamos mais perto do que imaginamos da
verdade.
-Espero que estejamos, Mara.
Esse silêncio da facção pode estar antecedendo algo grave.
-Não acredito nisso. As
atenções estão voltadas para os homens da facção que foram
presos por estupro. Se qualquer coisa acontecer a eles, pior vai ser
pra essa facção.
-Mas mais fácil pra gente
desbaratar...
-Isso é...
Os dois seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 7: Cláudio chama Marcelo
e Rafael para conversarem.
-Gente... desculpa se
interrompi o momento de vocês, mas... eu já tomei minha decisão. -
fala Cláudio.
-Sério, cunhadinho? Que bom!
- fala Rafael.
-E qual é a sua decisão? -
fala Marcelo.
-Quero ver o Márcio ainda
hoje, se possível. Esclarecer tudo o que puder ser esclarecido, de
uma vez por todas...
-Eu fico feliz por isso,
irmão. Apesar de tudo, esse cara parece ser um sujeito bom. Ele
merece essa chance que a gente tá dando. - fala Marcelo.
-Espero não me arrepender
dessa decisão. Tem como chamar ele pra vir aqui hoje, Marcelo?
-Claro que tem! Você só me
dá uns instantes que eu já ligo pra ele. Que horário fica bom pra
você, pra não ficar muito tarde?
-Ah... eu prefiro antes das
seis da tarde.
-Ótimo. Eu vou ligar pro
Márcio e avisar que você está aqui, esperando ele chegar.
CORTA A CENA.
CENA 8: Haroldo e Laura estão
voltando mais cedo para casa.
-Que pena que o Procópio
resolveu fechar o teatro mais cedo hoje... - lamenta Haroldo.
-Você devia estar acostumado,
conhece ele há mais tempo que eu... sabe muito bem que quando ele
tem os fricotes dele de lembrar de coisas do passado remoto, ele fica
insuportável e fecha tudo.
-É, Laura... mas fazia tanto
tempo que eu não via ele fazendo dessas que eu nem imaginava que ele
ainda tivesse esses rompantes...
-Sabe como é, Haroldo... a
gente é artista. Tem dessas coisas, às vezes. Pior seria se a gente
insistisse pra ele não fechar o teatro... aí sim ele ia abrir o
berreiro e a choradeira só ia parar quando a gente abraçasse ele de
montinho.
-Pelo menos ficou num horário
bom pra gente voltar pra sua casa a pé. Adoro poder caminhar pela
rua, assim, à luz do dia... passei tanto tempo fugindo, me
escondendo dentro da minha própria cidade! Poder caminhar tranquilo
assim pode te parecer pouco, mas pra mim é algo muito bom.
-Eu te entendo, amor. Sei o
quanto vale a liberdade da gente quando a gente perde ela por um
tempo. Nada nessa vida deve doer tanto quanto sentir a própria
liberdade cerceada e se ver sem escolha diante de situações que
sozinho a gente não consegue mudar. Mas o importante é que agora
essa liberdade é algo real na sua vida.
Os dois chegam ao prédio de
Laura e sobem as escadas. Ao chegarem em frente ao apartamento, notam
uma caixa na porta. Haroldo pega a caixa.
-Que esquisito, Laura... não
tem remetente.
-Deve ser alguma coisa que o
Mateus colocou pra fora e teve preguiça de descer e colocar no
lixo...
Os dois entram no apartamento.
-Mateus, foi você que deixou
essa caixa pra gente colocar no lixo quando chegasse? - pergunta
Laura a Mateus, que vê TV.
-Não deixei caixa nenhuma.
Que caixa é essa? Abre pra ver o que tem dentro... - fala Mateus.
Haroldo abre a caixa e vê uma
cobra.
-Isso é uma serpente! - berra
Laura, apavorada. CORTA A CENA.
CENA 9: Márcio chega à
mansão dos Bittencourt e vai direto ao quarto de Marcelo e Rafael,
conversar com Cláudio.
-Bem... acho que nós
precisamos conversar, Cláudio.
-Não tenho dúvidas disso,
Márcio. É esse o seu nome, não é? Gostaria que fosse breve, se
possível, porque não posso chegar muito tarde na minha casa.
-Eu sei que você tem todas as
razões do mundo para estar armado até os dentes comigo.
-Ainda bem que sabe.
-Antes de mais nada, meu
filho, eu queria te dizer que realmente não sabia de nada. E te
pedir perdão.
FIM DO CAPÍTULO 85.
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