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terça-feira, 23 de agosto de 2016

CAPÍTULO 86

CENA 1: Márcio aguarda pela reação de Cláudio, que permanece a olhar indiferente para ele.
-Você não vai falar nada, Cláudio? Eu acabei de te pedir perdão...
-Posso saber por qual motivo eu deveria te perdoar? Você deixou eu ser levado pro orfanato há vinte e dois anos e agora quer brincar de ser pai de um homem feito como eu? Assim fica bem mais fácil, não é?
-Só peço que você se desarme e me escute, meu filho... é tudo o que eu posso te pedir nesse momento.
-Pois então fale. Não tenho todo o tempo do mundo, tem uma vida me esperando lá fora.
-Me desculpe se eu não falar nada mais detalhado sobre sua mãe biológica. Ainda custo a crer, mas sei que ela não presta.
-Tá... sem enrolação. Fala logo!
-Tá bom... ela me proibiu de falar pra qualquer pessoa, inclusive pra mãe dela, que ela estava grávida. Conseguiu esconder a gravidez de todo mundo e eu passei aqueles meses todos tentando convencer ela a não te largar, não te abandonar e entregar pro orfanato. Mas ela sempre me teve nas mãos... levou tudo isso até o fim. Quando eu fui atrás de você, pra te resgatar, você já tinha sido adotado e isso foi tudo o que me deixaram saber. Passei esses anos todos sofrendo, sem saber se você estava vivo ou morto, sem fazer ideia se você continuava aqui no Brasil ou tinha sido levado por um casal de estrangeiros para ser criado lá fora. Eu realmente não sabia de nada. Insisti com sua mãe biológica esses anos todos que ela me dissesse alguma coisa sobre seu paradeiro, mas ela mesma sempre me disse que não sabia de nada, que você havia deixado de existir pra ela a partir do momento que ela te deixou naquele orfanato. Eu não sei se ela disse a verdade ou não... mas o fato é que até o momento que você revelou ser meu filho eu não sabia de nada. Aquela notícia me pegou de surpresa e eu acho que nunca me emocionei tanto na vida. Por mais que você não me perdoe, não me entenda ou não acredite em mim, foi a maior alegria que eu já tive na vida saber que meu filho perdido é você, que você tá vivo, tem saúde e acima de tudo, leva uma vida digna... uma vida digna que eu não consegui levar quando tinha sua idade.
Cláudio e Márcio se emocionam.
-Não sei se eu devia, Márcio, mas... eu acredito em você. E confesso que a ideia de ter um pai vivo, mesmo sabendo que minha mãe biológica nunca quis saber de mim, me aquece o coração. Eu te perdoo, sim... te perdoo porque de alguma forma eu sinto que a culpa não foi sua.
-Você não sabe como tudo isso que você me disse tá me fazendo feliz. Eu tou me reencontrando com um passado que me era dolorido e tou encontrando felicidade no lugar. Seria muito eu te pedir um abraço?
-Claro que não!
Cláudio abraça Márcio e ambos se emocionam fortemente.
-Só vou precisar de um tempo ainda pra conseguir te chamar de pai. Você sabe... já são oito anos desde que meus pais adotivos se foram desse mundo. Eu preciso ressignificar muita coisa aqui dentro.
-Eu te amo, meu filho... nunca duvide disso.
-Eu quero te amar. Sei que vou aprender.
-Não tenho pressa, Cláudio... eu respeito seu tempo. A gente vai conseguir reconstruir o que deixou suspenso nesses vinte e dois anos...
Márcio abraça mais uma vez o filho. CORTA A CENA.

CENA 2: Haroldo, Laura e Mateus conversam sobre o incidente do dia anterior.
-Vocês podem achar que tou ficando paranoica, mas tenho quase certeza absoluta de que aquela serpente foi mandada pra gente pelo “Chefe”... - fala Laura.
-Não é paranoia, Laura. Não tenho dúvida de que esse sujeitinho tenha nos mandado esse recado, essa ameaça pra mostrar que está sempre por perto... - fala Haroldo.
-Isso me assusta de verdade, gente. Será que a gente nunca mais vai ter paz? - fala Mateus.
-Eu espero sinceramente que a paz volte a reinar pra todos nós logo. Mas pra isso acontecer, esse cara que faz essas ameaças e tem a capacidade de mandar uma serpente que podia nos matar, teria que ser descoberto e preso. A gente infelizmente não sabe quando isso vai acontecer... - fala Laura.
-De qualquer forma a serpente já está devidamente segura. A coitada podia ter morrido sufocada dentro daquela caixa... - fala Mateus.
-Tem mais isso. Quase que a gente termina responsabilizado por um crime ambiental que nem foi nosso... - constata Haroldo.
-Só fico pensativa... e assustada. O que esse sujeito quis nos dizer com aquela serpente? Ou será que ele tentou nos matar por presumir que a serpente nos atacaria? Sabe, às vezes fica difícil entender a lógica desse “Chefe”. A única coisa que fica clara nisso tudo é que ele sente prazer em deixar as pessoas acuadas, coagidas, amedrontadas. Mas quando isso envolve uma vida silvestre, isso já vai um pouco longe demais. Se aquela cobra tivesse morrido dentro desse apartamento, nós teríamos sido responsabilizados e uma vida inocente teria sido perdida. Tem algo nisso que não se encaixa... sabe por que, gente? Porque desde aqueles últimos eventos, não se ouviu mais falar em nada que essa organização tenha feito. Absolutamente nada. - fala Laura.
-Só que ainda assim, por algum motivo, esse sujeito está se sentindo acuado e quer virar o jogo. Com que intenção, eu não sei... - fala Haroldo.
-Você deve saber de alguma coisa, não é Mateus? Afinal de contas eu sei que você teve participação grande na facção... que antes de ser dispensado andou cuidando da parte administrativa, cobrando os devedores... - revela Laura.
Mateus se assusta.
-Como você soube disso?
-Valentim me contou, Mateus. Eu sei de tudo. - fala Laura.
-Tá certo, gente... eu vou contar tudo. Mas uma coisa de cada vez... - fala Mateus.
CORTA A CENA.

CENA 3: Rafael procura por Marcelo, empolgado.
-Nossa, amor... procurei você pela casa inteira! Você não sabe o convite que nós acabamos de receber.
-Convite? Do que?
-Sabe aquele programa da TV Diversidade, o “Multipliquemos”?
-Claro que sei. Adoro ver esse programa, sempre aborda assuntos relevantes sobre a comunidade LGBT e tem temáticas interessantíssimas.
-Pois a gente foi convidado pro programa de hoje à noite.
-O que? Você só pode estar de brincadeira comigo. A gente realmente foi convidado pro maior programa LGBT da TV aberta? Não posso crer...
-Mas creia. Só falta eu dar a resposta final, se você topar participar.
-E você tem alguma dúvida? Eu topo sempre!
-Excelente!
-Do que vai tratar o programa de hoje?
-De um assunto que nós conhecemos bem e de perto: sobre a pressão que a mídia faz para os atores e atrizes LGBT para que eles não saiam do armário, para não prejudicarem suas carreiras.
-Gente, amei! E fico passado com essa visibilidade toda.
-Acho que parte disso se deve ao sucesso daquela série que a gente gravou pra internet nos intervalos das gravações da novela que ainda vai estrear...
-Eu não acho... eu tenho certeza disso, amor! Esse tipo de coisa me dá uma ponta de esperança que as coisas mudem pra melhor no Brasil... não só aqui, mas em todos os lugares do mundo onde a homolesbotransfobia ainda é um problema...
-Te entendo tanto, amor! Confesso que tudo isso ainda me parece meio surreal. Quando eu me assumi gay pra imprensa meses atrás, eu esperava pelo pior... achava que minha carreira de ator, na TV, estava acabada. Agora que eu vejo que quase nada mudou, nem sinto tanta necessidade de ser artista só na TV. Acho que nosso papel pode se estender a muito mais que isso...
-Eu tenho certeza, Rafa... a gente tem fama e influência e isso a gente deve usar a favor de todas as minorias historicamente oprimidas. Acho uma boa a gente falar no programa sobre LGBTs em situação de pobreza ou risco social, o que você acha?
-Perfeita a ideia! Até a gente chegar no estúdio, a gente pensa em tudo direitinho.
Os dois seguem a conversa, animados. CORTA A CENA.

CENA 4: Mateus termina de contar todos os detalhes sobre sua participação na facção a Laura e Haroldo, que o apoiam.
-Então foi isso, gente... espero que não me julguem tanto... - fala Mateus.
-Não tenho motivos pra te julgar, Mateus. Eu também fiz parte dessa organização por estar nas mãos desse cara... - fala Haroldo.
-Muito menos eu te julgaria agora, Mateus. Eu sei o quanto você sofreu e ainda sofre com tudo isso e ter conhecido o Haroldo só me ajudou a compreender melhor. Como vocês, que se livraram, devem haver várias outras pessoas dentro dessa facção que estão trabalhando para ela forçadas, sem opção de sair dali. Seja quem for, esse “Chefe” é um cara sádico, que gosta da ideia de ter o poder nas mãos. Nem que seja metendo medo nas pessoas, comandando seus destinos. Talvez seja um sujeito que sinta um prazer meio mórbido de ver as pessoas sofrendo e lhe pedindo clemência. Esse cara deve ser um sociopata! - fala Laura.
-Eu agradeço do fundo do coração por ter tanto apoio, gente. Peço desculpas se ainda não consegui contar tudo. Eu não sou um santo... já fiz coisa muito errada, mas ainda não tenho coragem de dizer. - fala Mateus.
-Também tenho coisas que ainda não consigo dizer. A Laura sabe disso também... a gente vai respeitar seu ritmo, meu amigo. Cada coisa a seu tempo... - fala Haroldo.
Os três seguem conversando. CORTA A CENA.

CENA 5: Victor vai se consultar com Valentim.
-Vejo que você realmente parece estar mais sereno, mais firme no seu tratamento.
-Me sinto mais confiante, doutor Valentim... eu tou começando a tomar a consciência clara de que os medos, as inseguranças e as paranoias talvez nunca deixem de habitar minha mente por completo...
-Mas você está começando a aprender a lidar com isso. Isso é louvável, Victor. Mesmo as pessoas que não são consideradas neuro atípicas pela psiquiatria também passam por isso.
-É, mas a diferença talvez seja a intensidade. Às vezes eu sinto como se tudo nessa vida fosse tudo ou nada... ou vai ou racha. Vida ou morte... é muito difícil pra mim ainda conseguir encontrar um meio termo, uma forma de equilibrar esses momentos de euforia e caos.
-Isso é característico de um limítrofe, Victor. Seu desafio é aprender a dominar o seu demônio interior. Fazer as pazes com ele, em vez de se julgar com tanta severidade.
-Nem sempre é tão fácil, mas hoje eu sinto que tenho mais força do que antes. Já faz meses que resisto à vontade de me cortar, de me ferir. Cada vez que domino esse impulso, percebo que ele vai se tornando menos frequente.
-Sem dúvida, o tratamento medicamentoso ajuda nesse processo. Mas quem está tomando as rédeas disso é você, que decidiu lutar. E quando a gente decide lutar, tem tudo pra vencer.
-É bem por aí, doutor. Nesse momento que estou da vida, já não sinto mais a necessidade de comparecer à terapia com a mesma periodicidade de antes.
-É louvável que você esteja se tornando menos dependente, mas reconsidere.
-Por que, doutor? Eu não estou mentindo... eu realmente me sinto mais preparado pra vida... durante os dias que fiquei na Espanha, eu me senti maravilhoso! Dono de mim, empoderado em relação às minhas próprias questões.
-De qualquer forma, Victor... ainda é muito cedo para você desistir da terapia. Ela é mais importante que as consultas com psiquiatra.
-Eu não estou desistindo dela... só estou buscando me testar. Ver até onde eu consigo ir sem tropeçar... é como reprender a andar, sabe?
-Você tem razão. Mas não hesite em procurar ajuda se sentir que fraquejou.
Os dois seguem na consulta. CORTA A CENA.

CENA 6: Rafael e Marcelo participam do programa “Multipliquemos” como convidados do dia. A entrevistadora os anuncia.
-Com vocês, Rafael Alves e Marcelo Oliveira! - fala a apresentadora.
Marcelo e Rafael sentam-se no sofá e a entrevistadora começa a falar.
-Nesse primeiro bloco, eu gostaria que vocês falassem sobre o impacto negativo das pressões da mídia sobre os artistas LGBT.
Rafael é o primeiro a falar.
-Falo pela minha experiência: me assumi gay muito cedo para meus pais. Eles sempre me apoiaram, mas não podiam fazer nada para impedir que o pessoal da emissora e a assessoria de imprensa exigisse de mim uma imagem que não correspondia à realidade. Durante esses anos que fui obrigado a me manter no armário, por questões contratuais, experimentei crises fortes de ansiedade. Beirei chegar ao pânico, com duas crises em tempos diferentes. Não é de se espantar que muitos atores e atrizes acabem se afastando dos holofotes devido a transtornos mentais, muitos deles causados pela pressão de parecerem ser o que na verdade não são e nunca foram. Tem gente que aguenta mentir, mas muita gente não. - fala Rafael.
-Para mim, que fui gay assumido para quem me perguntasse, desde sempre, foi um grande impacto na minha vida ser alvo da mídia do dia pra noite, ao ficar rico junto de minha mãe e nos mudarmos para a mansão de minha tia-avó. Durante dezenove anos eu fui um cara livre e em um instante tudo isso mudou. A mídia fazia questão de esconder minha sexualidade para não manchar a imagem dos Bittencourt. Tudo isso foi muito difícil... ter que viajar para outro continente durante as férias do Rafael pra poder viver nosso amor que até então era escondido da mídia... - fala Marcelo.
A entrevista segue. CORTA A CENA.

CENA 7: Cláudio está novamente em sua casa, na companhia de Guilherme e Bruno.
-Poxa, Bruno... que chato isso tudo de você ter que sair do apartamento que alugou. - fala Cláudio.
-Nem eu entendi direito. Os donos do apartamento voltaram do nada e exigiram entrega imediata. Espero não incomodar voltando pra cá... - lamenta Bruno.
-Deixa disso... você não incomoda. Bem, meninos: hoje vocês vão conhecer Márcio, o meu pai biológico. Acabei convidando ele pra vir jantar com a gente depois que a gente conversou hoje, na casa do Marcelo... esqueci de avisar vocês antes por causa desse imprevisto com o Bruno. - fala Cláudio.
-E que horas ele chega? - pergunta Guilherme.
-Já deve estar estourando por aqui. No máximo em dez minutos, se ele não se atrasar pro horário que a gente marcou. - fala Cláudio.
A campainha toca.
-Deve ser ele. Peço que vocês relevem se ele falar alguma besteira em relação aos LGBTs, ele ainda tá aprendendo com o Marcelo e comigo, certo? - fala Cláudio, indo abrir a porta.
-Oi, filho. Cheguei na hora certa? - fala Márcio.
-Certinha. Entre, por favor. Esse daqui é Guilherme, meu noivo. E esse ao lado é Bruno, um grande amigo.
Bruno e Guilherme cumprimentam Márcio e Cláudio tenta agir naturalmente. CORTA A CENA.

CENA 8: Horas depois, já em casa, Valentim conversa com Mara.
-É, querida... parece que a lista de suspeitos vai se afunilando cada vez mais. Acho que estamos mais perto da verdade do que imaginamos.
-Assim espero, Valentim. Mas pelo visto você deve ter excluído mais alguém da lista de suspeitos... quem foi dessa vez?
-O Márcio. Definitivamente não seria ele.
-Já não era sem tempo! O Márcio, apesar dos antecedentes, nunca ofereceu riscos a ninguém. Para mim é claro que ele sempre esteve coagido por alguém.
-Justamente, Mara. Depois de concluir essas coisas, um tanto óbvias, vi que tava perdendo tempo investigando o passado dele.
-Ainda acho que o passado dele deve ser visto mais pra frente, mas não agora. Nossas investigações precisam se concentrar exclusivamente sobre a facção e seu chefe. A identidade desse criminoso precisa ser descoberta, porque assim a facção sofre o maior desfalque e ainda pode ser desbaratada.
-Verdade. O passado do Márcio fica pra depois.
Os dois seguem a debater sobre os suspeitos. CORTA A CENA.

CENA 9: Já de volta à casa onde Raquel está morando, Márcio lê um livro calmamente, quando Raquel chega.
-Nossa, mãezinha... chegou tarde, hein?
-Muitas coisas pra fazer, meu querido. Mas me conta... como foi o jantar com o Cláudio?
-Correu melhor do que eu imaginava. Ele me tratou tão bem! Parece realmente disposto a me aceitar como pai, mas é óbvio que vai precisar de um tempo pra isso.
-Fico muito feliz por saber que meu neto tem esse coração bom. Agora é só esperar o momento que ele quiser me conhecer.
-Só que tem um problema nisso... assim ele vai acabar descobrindo que a mãe dele é a Suzanne. E ele não merece isso.
-Merecendo ou não é a verdade, meu querido... e é melhor a gente lidar com a verdade sempre, em vez de nos iludirmos com omissões e mentiras. Por falar nisso, eu preciso te contar uma verdade sobre mim, que já devia ter te falado antes.
-Fala, dona Raquel! Tá me assustando, mãezinha...
-Olha... eu vou tentar ser o mais breve e objetiva possível: o fato é que eu sou investigadora da Polícia Federal.
Márcio fica atônito. FIM DO CAPÍTULO 86.

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