CENA 1: Márcio aguarda pela
reação de Cláudio, que permanece a olhar indiferente para ele.
-Você não vai falar nada,
Cláudio? Eu acabei de te pedir perdão...
-Posso saber por qual motivo
eu deveria te perdoar? Você deixou eu ser levado pro orfanato há
vinte e dois anos e agora quer brincar de ser pai de um homem feito
como eu? Assim fica bem mais fácil, não é?
-Só peço que você se
desarme e me escute, meu filho... é tudo o que eu posso te pedir
nesse momento.
-Pois então fale. Não tenho
todo o tempo do mundo, tem uma vida me esperando lá fora.
-Me desculpe se eu não falar
nada mais detalhado sobre sua mãe biológica. Ainda custo a crer,
mas sei que ela não presta.
-Tá... sem enrolação. Fala
logo!
-Tá bom... ela me proibiu de
falar pra qualquer pessoa, inclusive pra mãe dela, que ela estava
grávida. Conseguiu esconder a gravidez de todo mundo e eu passei
aqueles meses todos tentando convencer ela a não te largar, não te
abandonar e entregar pro orfanato. Mas ela sempre me teve nas mãos...
levou tudo isso até o fim. Quando eu fui atrás de você, pra te
resgatar, você já tinha sido adotado e isso foi tudo o que me
deixaram saber. Passei esses anos todos sofrendo, sem saber se você
estava vivo ou morto, sem fazer ideia se você continuava aqui no
Brasil ou tinha sido levado por um casal de estrangeiros para ser
criado lá fora. Eu realmente não sabia de nada. Insisti com sua mãe
biológica esses anos todos que ela me dissesse alguma coisa sobre
seu paradeiro, mas ela mesma sempre me disse que não sabia de nada,
que você havia deixado de existir pra ela a partir do momento que
ela te deixou naquele orfanato. Eu não sei se ela disse a verdade ou
não... mas o fato é que até o momento que você revelou ser meu
filho eu não sabia de nada. Aquela notícia me pegou de surpresa e
eu acho que nunca me emocionei tanto na vida. Por mais que você não
me perdoe, não me entenda ou não acredite em mim, foi a maior
alegria que eu já tive na vida saber que meu filho perdido é você,
que você tá vivo, tem saúde e acima de tudo, leva uma vida
digna... uma vida digna que eu não consegui levar quando tinha sua
idade.
Cláudio e Márcio se
emocionam.
-Não sei se eu devia, Márcio,
mas... eu acredito em você. E confesso que a ideia de ter um pai
vivo, mesmo sabendo que minha mãe biológica nunca quis saber de
mim, me aquece o coração. Eu te perdoo, sim... te perdoo porque de
alguma forma eu sinto que a culpa não foi sua.
-Você não sabe como tudo
isso que você me disse tá me fazendo feliz. Eu tou me reencontrando
com um passado que me era dolorido e tou encontrando felicidade no
lugar. Seria muito eu te pedir um abraço?
-Claro que não!
Cláudio abraça Márcio e
ambos se emocionam fortemente.
-Só vou precisar de um tempo
ainda pra conseguir te chamar de pai. Você sabe... já são oito
anos desde que meus pais adotivos se foram desse mundo. Eu preciso
ressignificar muita coisa aqui dentro.
-Eu te amo, meu filho... nunca
duvide disso.
-Eu quero te amar. Sei que vou
aprender.
-Não tenho pressa, Cláudio...
eu respeito seu tempo. A gente vai conseguir reconstruir o que deixou
suspenso nesses vinte e dois anos...
Márcio abraça mais uma vez o
filho. CORTA A CENA.
CENA 2: Haroldo, Laura e
Mateus conversam sobre o incidente do dia anterior.
-Vocês podem achar que tou
ficando paranoica, mas tenho quase certeza absoluta de que aquela
serpente foi mandada pra gente pelo “Chefe”... - fala Laura.
-Não é paranoia, Laura. Não
tenho dúvida de que esse sujeitinho tenha nos mandado esse recado,
essa ameaça pra mostrar que está sempre por perto... - fala
Haroldo.
-Isso me assusta de verdade,
gente. Será que a gente nunca mais vai ter paz? - fala Mateus.
-Eu espero sinceramente que a
paz volte a reinar pra todos nós logo. Mas pra isso acontecer, esse
cara que faz essas ameaças e tem a capacidade de mandar uma serpente
que podia nos matar, teria que ser descoberto e preso. A gente
infelizmente não sabe quando isso vai acontecer... - fala Laura.
-De qualquer forma a serpente
já está devidamente segura. A coitada podia ter morrido sufocada
dentro daquela caixa... - fala Mateus.
-Tem mais isso. Quase que a
gente termina responsabilizado por um crime ambiental que nem foi
nosso... - constata Haroldo.
-Só fico pensativa... e
assustada. O que esse sujeito quis nos dizer com aquela serpente? Ou
será que ele tentou nos matar por presumir que a serpente nos
atacaria? Sabe, às vezes fica difícil entender a lógica desse
“Chefe”. A única coisa que fica clara nisso tudo é que ele
sente prazer em deixar as pessoas acuadas, coagidas, amedrontadas.
Mas quando isso envolve uma vida silvestre, isso já vai um pouco
longe demais. Se aquela cobra tivesse morrido dentro desse
apartamento, nós teríamos sido responsabilizados e uma vida
inocente teria sido perdida. Tem algo nisso que não se encaixa...
sabe por que, gente? Porque desde aqueles últimos eventos, não se
ouviu mais falar em nada que essa organização tenha feito.
Absolutamente nada. - fala Laura.
-Só que ainda assim, por
algum motivo, esse sujeito está se sentindo acuado e quer virar o
jogo. Com que intenção, eu não sei... - fala Haroldo.
-Você deve saber de alguma
coisa, não é Mateus? Afinal de contas eu sei que você teve
participação grande na facção... que antes de ser dispensado
andou cuidando da parte administrativa, cobrando os devedores... -
revela Laura.
Mateus se assusta.
-Como você soube disso?
-Valentim me contou, Mateus.
Eu sei de tudo. - fala Laura.
-Tá certo, gente... eu vou
contar tudo. Mas uma coisa de cada vez... - fala Mateus.
CORTA A CENA.
CENA 3: Rafael procura por
Marcelo, empolgado.
-Nossa, amor... procurei você
pela casa inteira! Você não sabe o convite que nós acabamos de
receber.
-Convite? Do que?
-Sabe aquele programa da TV
Diversidade, o “Multipliquemos”?
-Claro que sei. Adoro ver esse
programa, sempre aborda assuntos relevantes sobre a comunidade LGBT e
tem temáticas interessantíssimas.
-Pois a gente foi convidado
pro programa de hoje à noite.
-O que? Você só pode estar
de brincadeira comigo. A gente realmente foi convidado pro maior
programa LGBT da TV aberta? Não posso crer...
-Mas creia. Só falta eu dar a
resposta final, se você topar participar.
-E você tem alguma dúvida?
Eu topo sempre!
-Excelente!
-Do que vai tratar o programa
de hoje?
-De um assunto que nós
conhecemos bem e de perto: sobre a pressão que a mídia faz para os
atores e atrizes LGBT para que eles não saiam do armário, para não
prejudicarem suas carreiras.
-Gente, amei! E fico passado
com essa visibilidade toda.
-Acho que parte disso se deve
ao sucesso daquela série que a gente gravou pra internet nos
intervalos das gravações da novela que ainda vai estrear...
-Eu não acho... eu tenho
certeza disso, amor! Esse tipo de coisa me dá uma ponta de esperança
que as coisas mudem pra melhor no Brasil... não só aqui, mas em
todos os lugares do mundo onde a homolesbotransfobia ainda é um
problema...
-Te entendo tanto, amor!
Confesso que tudo isso ainda me parece meio surreal. Quando eu me
assumi gay pra imprensa meses atrás, eu esperava pelo pior... achava
que minha carreira de ator, na TV, estava acabada. Agora que eu vejo
que quase nada mudou, nem sinto tanta necessidade de ser artista só
na TV. Acho que nosso papel pode se estender a muito mais que isso...
-Eu tenho certeza, Rafa... a
gente tem fama e influência e isso a gente deve usar a favor de
todas as minorias historicamente oprimidas. Acho uma boa a gente
falar no programa sobre LGBTs em situação de pobreza ou risco
social, o que você acha?
-Perfeita a ideia! Até a
gente chegar no estúdio, a gente pensa em tudo direitinho.
Os dois seguem a conversa,
animados. CORTA A CENA.
CENA 4: Mateus termina de
contar todos os detalhes sobre sua participação na facção a Laura
e Haroldo, que o apoiam.
-Então foi isso, gente...
espero que não me julguem tanto... - fala Mateus.
-Não tenho motivos pra te
julgar, Mateus. Eu também fiz parte dessa organização por estar
nas mãos desse cara... - fala Haroldo.
-Muito menos eu te julgaria
agora, Mateus. Eu sei o quanto você sofreu e ainda sofre com tudo
isso e ter conhecido o Haroldo só me ajudou a compreender melhor.
Como vocês, que se livraram, devem haver várias outras pessoas
dentro dessa facção que estão trabalhando para ela forçadas, sem
opção de sair dali. Seja quem for, esse “Chefe” é um cara
sádico, que gosta da ideia de ter o poder nas mãos. Nem que seja
metendo medo nas pessoas, comandando seus destinos. Talvez seja um
sujeito que sinta um prazer meio mórbido de ver as pessoas sofrendo
e lhe pedindo clemência. Esse cara deve ser um sociopata! - fala
Laura.
-Eu agradeço do fundo do
coração por ter tanto apoio, gente. Peço desculpas se ainda não
consegui contar tudo. Eu não sou um santo... já fiz coisa muito
errada, mas ainda não tenho coragem de dizer. - fala Mateus.
-Também tenho coisas que
ainda não consigo dizer. A Laura sabe disso também... a gente vai
respeitar seu ritmo, meu amigo. Cada coisa a seu tempo... - fala
Haroldo.
Os três seguem conversando.
CORTA A CENA.
CENA 5: Victor vai se
consultar com Valentim.
-Vejo que você realmente
parece estar mais sereno, mais firme no seu tratamento.
-Me sinto mais confiante,
doutor Valentim... eu tou começando a tomar a consciência clara de
que os medos, as inseguranças e as paranoias talvez nunca deixem de
habitar minha mente por completo...
-Mas você está começando a
aprender a lidar com isso. Isso é louvável, Victor. Mesmo as
pessoas que não são consideradas neuro atípicas pela psiquiatria
também passam por isso.
-É, mas a diferença talvez
seja a intensidade. Às vezes eu sinto como se tudo nessa vida fosse
tudo ou nada... ou vai ou racha. Vida ou morte... é muito difícil
pra mim ainda conseguir encontrar um meio termo, uma forma de
equilibrar esses momentos de euforia e caos.
-Isso é característico de um
limítrofe, Victor. Seu desafio é aprender a dominar o seu demônio
interior. Fazer as pazes com ele, em vez de se julgar com tanta
severidade.
-Nem sempre é tão fácil,
mas hoje eu sinto que tenho mais força do que antes. Já faz meses
que resisto à vontade de me cortar, de me ferir. Cada vez que domino
esse impulso, percebo que ele vai se tornando menos frequente.
-Sem dúvida, o tratamento
medicamentoso ajuda nesse processo. Mas quem está tomando as rédeas
disso é você, que decidiu lutar. E quando a gente decide lutar, tem
tudo pra vencer.
-É bem por aí, doutor. Nesse
momento que estou da vida, já não sinto mais a necessidade de
comparecer à terapia com a mesma periodicidade de antes.
-É louvável que você esteja
se tornando menos dependente, mas reconsidere.
-Por que, doutor? Eu não
estou mentindo... eu realmente me sinto mais preparado pra vida...
durante os dias que fiquei na Espanha, eu me senti maravilhoso! Dono
de mim, empoderado em relação às minhas próprias questões.
-De qualquer forma, Victor...
ainda é muito cedo para você desistir da terapia. Ela é mais
importante que as consultas com psiquiatra.
-Eu não estou desistindo
dela... só estou buscando me testar. Ver até onde eu consigo ir sem
tropeçar... é como reprender a andar, sabe?
-Você tem razão. Mas não
hesite em procurar ajuda se sentir que fraquejou.
Os dois seguem na consulta.
CORTA A CENA.
CENA 6: Rafael e Marcelo
participam do programa “Multipliquemos” como convidados do dia. A
entrevistadora os anuncia.
-Com vocês, Rafael Alves e
Marcelo Oliveira! - fala a apresentadora.
Marcelo e Rafael sentam-se no
sofá e a entrevistadora começa a falar.
-Nesse primeiro bloco, eu
gostaria que vocês falassem sobre o impacto negativo das pressões
da mídia sobre os artistas LGBT.
Rafael é o primeiro a falar.
-Falo pela minha experiência:
me assumi gay muito cedo para meus pais. Eles sempre me apoiaram, mas
não podiam fazer nada para impedir que o pessoal da emissora e a
assessoria de imprensa exigisse de mim uma imagem que não
correspondia à realidade. Durante esses anos que fui obrigado a me
manter no armário, por questões contratuais, experimentei crises
fortes de ansiedade. Beirei chegar ao pânico, com duas crises em
tempos diferentes. Não é de se espantar que muitos atores e atrizes
acabem se afastando dos holofotes devido a transtornos mentais,
muitos deles causados pela pressão de parecerem ser o que na verdade
não são e nunca foram. Tem gente que aguenta mentir, mas muita
gente não. - fala Rafael.
-Para mim, que fui gay
assumido para quem me perguntasse, desde sempre, foi um grande
impacto na minha vida ser alvo da mídia do dia pra noite, ao ficar
rico junto de minha mãe e nos mudarmos para a mansão de minha
tia-avó. Durante dezenove anos eu fui um cara livre e em um instante
tudo isso mudou. A mídia fazia questão de esconder minha
sexualidade para não manchar a imagem dos Bittencourt. Tudo isso foi
muito difícil... ter que viajar para outro continente durante as
férias do Rafael pra poder viver nosso amor que até então era
escondido da mídia... - fala Marcelo.
A entrevista segue. CORTA A
CENA.
CENA 7: Cláudio está
novamente em sua casa, na companhia de Guilherme e Bruno.
-Poxa, Bruno... que chato isso
tudo de você ter que sair do apartamento que alugou. - fala Cláudio.
-Nem eu entendi direito. Os
donos do apartamento voltaram do nada e exigiram entrega imediata.
Espero não incomodar voltando pra cá... - lamenta Bruno.
-Deixa disso... você não
incomoda. Bem, meninos: hoje vocês vão conhecer Márcio, o meu pai
biológico. Acabei convidando ele pra vir jantar com a gente depois
que a gente conversou hoje, na casa do Marcelo... esqueci de avisar
vocês antes por causa desse imprevisto com o Bruno. - fala Cláudio.
-E que horas ele chega? -
pergunta Guilherme.
-Já deve estar estourando por
aqui. No máximo em dez minutos, se ele não se atrasar pro horário
que a gente marcou. - fala Cláudio.
A campainha toca.
-Deve ser ele. Peço que vocês
relevem se ele falar alguma besteira em relação aos LGBTs, ele
ainda tá aprendendo com o Marcelo e comigo, certo? - fala Cláudio,
indo abrir a porta.
-Oi, filho. Cheguei na hora
certa? - fala Márcio.
-Certinha. Entre, por favor.
Esse daqui é Guilherme, meu noivo. E esse ao lado é Bruno, um
grande amigo.
Bruno e Guilherme cumprimentam
Márcio e Cláudio tenta agir naturalmente. CORTA A CENA.
CENA 8: Horas depois, já em
casa, Valentim conversa com Mara.
-É, querida... parece que a
lista de suspeitos vai se afunilando cada vez mais. Acho que estamos
mais perto da verdade do que imaginamos.
-Assim espero, Valentim. Mas
pelo visto você deve ter excluído mais alguém da lista de
suspeitos... quem foi dessa vez?
-O Márcio. Definitivamente
não seria ele.
-Já não era sem tempo! O
Márcio, apesar dos antecedentes, nunca ofereceu riscos a ninguém.
Para mim é claro que ele sempre esteve coagido por alguém.
-Justamente, Mara. Depois de
concluir essas coisas, um tanto óbvias, vi que tava perdendo tempo
investigando o passado dele.
-Ainda acho que o passado dele
deve ser visto mais pra frente, mas não agora. Nossas investigações
precisam se concentrar exclusivamente sobre a facção e seu chefe. A
identidade desse criminoso precisa ser descoberta, porque assim a
facção sofre o maior desfalque e ainda pode ser desbaratada.
-Verdade. O passado do Márcio
fica pra depois.
Os dois seguem a debater sobre
os suspeitos. CORTA A CENA.
CENA 9: Já de volta à casa
onde Raquel está morando, Márcio lê um livro calmamente, quando
Raquel chega.
-Nossa, mãezinha... chegou
tarde, hein?
-Muitas coisas pra fazer, meu
querido. Mas me conta... como foi o jantar com o Cláudio?
-Correu melhor do que eu
imaginava. Ele me tratou tão bem! Parece realmente disposto a me
aceitar como pai, mas é óbvio que vai precisar de um tempo pra
isso.
-Fico muito feliz por saber
que meu neto tem esse coração bom. Agora é só esperar o momento
que ele quiser me conhecer.
-Só que tem um problema
nisso... assim ele vai acabar descobrindo que a mãe dele é a
Suzanne. E ele não merece isso.
-Merecendo ou não é a
verdade, meu querido... e é melhor a gente lidar com a verdade
sempre, em vez de nos iludirmos com omissões e mentiras. Por falar
nisso, eu preciso te contar uma verdade sobre mim, que já devia ter
te falado antes.
-Fala, dona Raquel! Tá me
assustando, mãezinha...
-Olha... eu vou tentar ser o
mais breve e objetiva possível: o fato é que eu sou investigadora
da Polícia Federal.
Márcio fica atônito. FIM DO
CAPÍTULO 86.
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