CENA 1: Márcio permanece
completamente sem reação.
-Veja bem, meu querido. Você
é e sempre vai ser como um filho pra mim. Não vai pensar que eu
estou investigando você, tá?
Márcio começa a voltar a si.
-Agora tudo começa a fazer
sentido, mãezinha... a sua permanência naquele hotel por tanto
tempo...
-A princípio, quando eu
cheguei lá, eu não era investigadora. Tinha saído de Curicica para
ficar mais perto da minha filha, numa última esperança de recuperar
uma boa relação que nunca tivemos. Não demorou muito pra que eu
percebesse que ela sempre foi assim e não mudaria nunca. Foi então
que eu fui atrás de um psiquiatra... o Valentim... eu já
desconfiava que Suzanne pudesse ser psicopata e nos primeiros meses
eu menti pra esse psiquiatra, dizendo que era sobre a filha de uma
conhecida minha. Relatei tudo o que a minha memória registrou. Só
depois de algum tempo eu tomei coragem pra dizer que a Suzanne era a
minha filha. Esse psiquiatra me revelou que também é investigador e
disse que eu tinha talento pra isso. Aceitei o convite de participar
de algumas investigações e tomei gosto pela coisa. Prestei concurso
faz pouco tempo e passei. Hoje eu trabalho como investigadora e
escrivã da delegacia da mulher... e é por isso que eu me mudei pra
cá, porque minha jornada de trabalho aumentou e morando no
apartamento do hotel alugado pela Suzanne, ela desconfiaria de alguma
coisa, entende?
-Eu tou começando a entender
tudo, dona Raquel. Mas você não acha que é questão de tempo até
a Suzanne descobrir tudo?
-Pode ser que seja. Mas eu vou
precisar te pedir uma coisa, meu querido...
-O que você quiser,
mãezinha...
-Você promete que não conta
a mais ninguém que sou investigadora?
-Claro que eu prometo!
-Ainda bem. Resolvi te contar
toda a verdade primeiro porque eu confio em você e em segundo lugar,
porque você tá morando aqui comigo. Não seria justo eu continuar
te enganando.
-Nem pensa nisso, dona
Raquel... a única pessoa que nos enganou esse tempo todo atende pelo
nome de Suzanne e infelizmente é sua filha.
-Infelizmente você tem razão,
meu querido. Fico tranquila de perceber que você tá começando a
cair na real em relação a ela.
-Caindo na real sim... mas não
sei o que faço pra tirar esse amor de dentro de mim.
-O tempo, meu filho... o tempo
é um santo remédio. Um dia ele vai te curar desse amor.
-Eu nunca soube fazer outra
coisa nessa vida senão amar Suzanne, mãezinha...
-Eu sei. Mas você não pode
se esquecer que por conta desse amor desmedido, você permitiu que
ela te fizesse de gato e sapato. Que te obrigou a abandonar o filho
de vocês, meu neto, à própria sorte.
-É nisso que eu me apego pra
não esmorecer, dona Raquel.
-Você não vai esmorecer, meu
querido. Te amo como uma mãe ama um filho. Se você fraquejar, eu te
ajudo a levantar.
-Não sei o que teria sido de
mim sem a sua acolhida. Até meus pais no interior desistiram de mim
ainda garoto...
-Eles não sabem o filho de
ouro que perderam...
Raquel abraça Márcio. CORTA
A CENA.
CENA 2: Valentim segue
analisando as informações que colheu ao longo dos meses sobre
“Chefe” e Mara reclama.
-Porra, Valentim! Será que
você não pode largar um pouco dessa papelada toda e dar um pouco de
atenção pra sua mulher? Daqui a pouco a gente não tem mais vida de
casal nem dentro de casa, quem dirá trabalhando!
-Desculpa, Mara... é que eu
tou começando a juntar as informações para poder traçar um perfil
definitivo do “Chefe”.
-Sei. E tá conseguindo?
-Acredito que já consegui.
-Olha, eu sei que o psiquiatra
aqui é você, mas eu sou capaz de apostar que uma das marcas mais
presentes no comportamento desse indivíduo é o sadismo. Mas deve
ter mais que isso, não?
-Claro que tem mais. O sadismo
dele já é de conhecimento de todos que estão investigando pra
descobrir quem ele é.
-É, mas quem comanda tudo
isso é você. Me diga, o que tem a mais além do óbvio?
-Tudo indica que o “Chefe”
tem um perfil maníaco.
-Sim, querido, mas definir o
comportamento de um criminoso como “maníaco” é um tanto
genérico, você há de convir...
-Só que o perfil maníaco
dele é um tanto peculiar. Trata-se de uma personalidade extremamente
inteligente, meticulosa. Não dá ponto sem nó. Sabe exatamente o
que está fazendo. É um excelente estrategista.
-Faz todo o sentido. Afinal de
contas, para conseguir despistar a gente tantas vezes e armar aquela
emboscada que ele fez contra você, demonstra que ele não apenas
sabe perfeitamente o que faz e calcula cada passo, como não pensa
duas vezes em eliminar quem possa lhe representar uma ameaça de que
ele possa vir a ser desmascarado.
-Exatamente, Mara. Mas tem
mais que isso: apesar de ser um sujeito extremamente meticuloso,
inteligente e que cuida dos mínimos detalhes de tudo, há também
indícios fortes de que ele não tolera nenhum tipo de rejeição ou
que algo ê errado.
-Sei. Mas onde você está
querendo chegar com isso?
-Simples: isso demonstra que,
na sua necessidade obsessiva de controlar tudo e todos à sua volta,
ele recorre à manipulação para conseguir o que deseja.
-Até aí não tem grande
novidade, Valentim. Até pessoas menos perigosas ou nada perigosas
são capazes de manipular outras pessoas, ainda que minimamente, para
obter o que julgam merecer.
-Verdade... só que aqui
estamos falando de um caso patológico, que envolve um exagero de
emoções. Não posso considerar esse sujeito um psicopata ou
sociopata porque seu padrão de ação é extremamente vingativo e
violento. Porém, ele mesmo nunca suja as mãos. Sempre manda que
alguém execute os serviços.
-Ainda assim, essas ações
são demasiadamente crueis, envolvem mortes trágicas e
desaparecimentos misteriosos.
-Exatamente. Características
de uma pessoa que age norteada por emoções desmedidas, exacerbadas,
sem limites. Há um claro desequilíbrio entre razão e emoção no
“Chefe”.
-Tudo isso que você está me
dizendo leva a crer que o verdadeiro chefe é, no mínimo, uma pessoa
neuro atípica. Certamente sofre de algum transtorno que potencializa
seu caráter torto.
-É bem por aí, Mara. Isso,
por si só, já exclui algumas pessoas dessa lista...
-Exatamente.
CORTA A CENA.
CENA 3: Na manhã do dia
seguinte, Diogo acorda Victor lhe levando café na cama.
-Acorda, dorminhoco!
-Eita... que horas são?
-Quase oito da manhã. Hoje
não era o dia da sua terapia? Tem que aproveitar enquanto a gente
não viaja de novo...
-Ai, amor. Não tou querendo
ir. Até conversei sobre isso ontem com o Valentim... ele disse que
posso ir testando passar algum tempo sem a terapia.
-Mas você acha prudente,
Victor?
-E por que não haveria de
ser?
-Eu fico com medo que você
tenha alguma recaída numa crise brava...
-Você confia em mim, Diogo?
Confia mesmo?
-Claro que eu confio, amor!
-Não parece. Você diz que eu
devo melhorar minha autoconfiança, mas você mesmo começa a minar
essa minha autoconfiança capenga quando vem com suas dúvidas.
-Meu querido, isso é cautela.
Me preocupo com você. Quero o seu melhor.
-Eu sei disso, Diogo. Mas
deixa eu tentar andar um pouco mais com as minhas próprias pernas?
Eu preciso disso.
-Tá bem, Victor. Você tem
razão. Mas você não acha que precisaria de mais um pouco de tempo
na terapia antes de se liberar dela?
-Diogo... você não entendeu:
eu não estou largando a terapia. Só quero ver se consigo seguir
minha rotina sem ela por um tempo. Assim, eu fico só com as
consultas com o Valentim, por enquanto.
-Você realmente está
sentindo segurança pra isso?
-Estou. Depois, se eu sentir
que vou fraquejar, eu sei exatamente a quem recorrer.
-Tá certo. Da terapia de hoje
você tá liberado. Quer que eu ligue pra sua terapeuta, avisando?
-Adoraria que você fizesse
isso por mim, amor. Confia em mim. Ninguém mais que eu quer me ver
bom, livre das crises.
-Eu confio em você. Vou ligar
para a doutora.
Diogo pega o celular. CORTA A
CENA.
CENA 4: Riva e Marion procuram
seus filhos para conversar.
-Vocês parecem bem
empolgadas. O que aconteceu? - pergunta Marcelo.
-Ainda tá pra acontecer, meus
queridos. Lembram daquele programa maravilhoso que vocês
participaram brilhantemente ontem? - fala Marion.
-Ai, mãe... não é pra
tanto. Nós só falamos o que consideramos que devia ser falado... -
fala Rafael.
-Mas digam... o que tem o
programa? - pergunta Marcelo.
-Ai, Marion, chega de enrolar!
Eu vou falar: a gente foi convidada pra participar desse programa,
querem entrevistar as mães dos entrevistados de ontem, é mole? -
fala Riva.
-Gente, amei! Arrasou! - fala
Rafael.
-Mas a gente tá é bem
nervosa. A gente não sabe direito o que dizer num programa pro
público LGBT. Eu particularmente fico com medo de falar algum termo
que não seja adequado... - fala Marion.
-É... nesse caso é
complicadinho, afinal de contas o programa é sempre ao vivo... mas
ó, a gente pode dar umas dicas do que pode falar e do que não pode,
questões referentes a termos, tratamentos, essas coisas... - fala
Marcelo.
-Ai, filho... a gente vai
querer mesmo. Um programa ao vivo e ainda por cima com essa temática!
Tá certo que hoje eu sei me comportar corretamente, que aprendi a
falar direito, mas morro de medo de descobrir que ainda cometo gafes
em rede nacional, o que seria uma vergonha! - fala Riva.
-Ei! Ficar com esse nervosismo
todo não vai ajudar vocês! - fala Rafael.
-Tem razão, meu filho. Bem...
quais são as dicas que vocês tem pra nos passar? - fala Marion.
Rafael e Marcelo começam a
orientar Marion e Riva. CORTA A CENA.
CENA 5: Horas mais tarde,
Haroldo e Mateus conversam enquanto Laura ensaia com os atores na
companhia de teatro.
-Sabe, Haroldo... às vezes eu
fico com medo que o “Chefe” esteja ameaçando a gente desse jeito
absurdo que tá fazendo justamente porque nós três estamos andando
juntos... você praticamente se mudou lá pra casa...
-Também pensei nisso,
Mateus... mas convenhamos que nem muito sentido faz. O chefe não
pode impedir as pessoas de ter livre arbítrio. Querendo ele ou não,
eu e a Laura estamos apaixonados e juntos.
-Você conhece ele tão bem
quanto eu. Sabe o que se passa na cabeça dele... se ele enfiar na
cabeça que vai decidir o destino das pessoas, ele sempre dá um
jeito.
-Não vejo mais razão pra
esse medo todo. Não fazemos mais parte dessa facção. A única
coisa que talvez eu nunca entenda é essa obsessão sobre tudo o que
diz respeito ao Cláudio e às pessoas que cercam ele. Parece
doentio...
-Haroldo... o chefe é um
sujeito doentio. Nós sabemos disso.
-Infelizmente sabemos. Queria
que tudo isso terminasse de uma vez...
-Eu também. Essa liberdade
que a gente tá vivendo não é completa... é vigiada. Isso sufoca,
sabe?
-Como sei disso! Infelizmente,
não vejo nada no horizonte que indique que ele vá ser pego.
-Nem eu, Haroldo... nem eu.
Laura vai para o intervalo e
estranha intimidade entre Haroldo e Mateus, mas finge não perceber.
-Vamos lanchar, queridos?
Os três partem. CORTA A CENA.
CENA 6: Aproveitando o
intervalo dos atores, Mara e Valentim debatem sobre as investigações
enquanto Procópio descansa no camarim.
-Querido, você não acha que
ainda é cedo demais para deixar a lista de suspeitos tão afunilada
assim?
-Sinceramente eu acredito que
não, Mara. Já estamos há muito tempo andando em círculos nessa
investigação toda. A ordem natural dessa investigação, conforme
ela vai se aproximando do fim, é que a lista de suspeitos caia.
-Mas você está certo e
convicto de que entre os que restaram nessa lista, está o verdadeiro
“chefe” dessa facção?
-Não resta dúvidas disso,
Mara.
-Mas você pode estar sendo
precipitado!
-Posso saber o motivo?
-Por mais que esses últimos
realmente tenham o perfil próximo ao que supomos se aproximar do
real perfil do “Chefe”, deixar só três nessa lista já é um
pouco demais.
-E o que você me sugere,
Mara?
-Colocar novos suspeitos, será
que você não entendeu?
-Você só pode estar
delirando, Mara. Não há a mínima chance de incluirmos de volta
quem já foi excluído da lista. Não há nada que aponte para nenhum
deles...
-Pelo visto você realmente
não entendeu o que eu sugeri de verdade: não estou falando de
colocar os suspeitos já descartados. Valentim, olhe à sua volta,
você é o psiquiatra aqui, não eu! O que não faltam são
potenciais suspeitos que sequer foram incluídos nessa lista, em
momento nenhum.
-Mara... eu entendo o seu
ponto de vista, mas já vou deixando de antemão que eu discordo. Não
vou incluir novos suspeitos nisso.
-Você poderia pelo menos
tentar ouvir sobre as pessoas que eu considero que possam ser
suspeitas, antes de decidir manter essa lista atual inalterada?
-Claro que eu posso... diga,
querida.
Mara começa a explicar seu
ponto de vista. CORTA A CENA.
CENA 7: Horas depois, Riva e
Marion estão no programa voltado ao público LGBT e fazem suas
declarações. Riva é a primeira a falar.
-Pra mim nunca foi um bicho de
sete cabeças ser mãe de um filho gay. Mãe é mãe e filho sempre
vai ser filho. Na prática, nada muda. O que eu valorizo no Marcelo é
o ser humano cheio de dignidade e integridade que ele é. Me orgulho
por saber que ajudei a formar um homem reto, com caráter e ética. O
meu maior desafio, na realidade, foi ter sido mãe adolescente. De
certa forma, é como se eu tivesse crescido junto de meu filho. Eu
nunca fui e nunca serei a professora dos meus filhos... aprendo com
eles e eles me ensinam. Com o meu pequeno Lúcio, ainda não sei o
que vou aprender. Mas o que importa é saber que Marcelo é um filho
que me orgulha por nunca ter tido vergonha ou medo de ser exatamente
quem ele é. Uma mãe que se decepciona pelo fato do filho ser gay,
na minha opinião, nem deveria ter sido mãe. - fala Riva.
-Penso muito parecido com Riva
e muito antes do Rafael se assumir gay para mim e para o resto da
família, eu já desaconfiava. Acho que mãe sempre sabe, né? As que
dizem que não sabem, na verdade estão tapando o sol com a peneira.
Mãe sente, mãe intui...
Acho que o único
arrependimento que tenho foi não ter tido o peito e a coragem de
mostrar pra mídia desde sempre que meu filho é o que é. Eu e ele
nos acovardamos demais pelas exigências da emissora, dos assessores,
enfim... o fato é que eu não permitiria que isso acontecesse outra
vez. Arrisco dizer que se o Rafael não tivesse assumido publicamente
o relacionamento com o Marcelo, ele acabaria padecendo de alguma
forma. Acabaria sucumbindo às mazelas emocionais, mentais, algo do
tipo. Rafael sempre foi um artista de muita sensibilidade... puxou a
paixão pela arte de mim, de nossa família. Cresceu rodeado por
isso. E sei o tamanho do baque que ele sentiu quando foi informado
pelo pessoal da emissora que para ser lançado na novela que o
apresentou ao grande público, ele teria de fingir ser algo q ue não
é. Foram anos difíceis, que felizmente acabaram. Mas fica aqui o
meu apelo aos atores e atrizes LGBT para que não desistam... para
que mostrem quem são, que percam o medo de dar a cara a tapa. Existe
vida aqui do outro lado e ela é muito mais livre. - fala Marion.
A entrevista segue. CORTA A
CENA.
CENA 8: Raquel chega em casa e
percebe Márcio aflito.
-Oi, querido... que cara é
essa? Parece estar nervoso.
-Nervoso eu não sei,
mãezinha, mas...
-Você parece ter dificuldade
de dizer alguma coisa. Quer desabafar?
-Querer eu quero, mas não sei
se devo, dona Raquel.
-Começar a falar já é um
excelente começo. Confia em mim, querido.
-Eu tenho medo de falar agora
e me arrepender depois.
-É sobre a Suzanne, Márcio?
Se for, nada que vier dela me surpreende mais, disso tenha certeza.
-Tá certo. Eu nem sei direito
por onde começar, mas vou falar tudo, absolutamente tudo o que sei
sobre sua filha. - fala Márcio, decidido.
FIM DO CAPÍTULO 87.
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