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terça-feira, 9 de agosto de 2016

CAPÍTULO 74

CENA 1: A delegada começa a falar.
-Peço um minuto da atenção de vocês, meninas... o escrivão vai começar a redigir o texto do depoimento de vocês já já, mas antes eu peço que fale uma de cada vez e que tentem detalhar tudo o que for possível do incidente. Sei que isso pode ser difícil e duro para vocês, porém é necessário para que sigamos com o inquérito e tenhamos como chegar aos criminosos. Se lembrarem com riqueza de detalhes a discrição física dos estupradores, melhor ainda, pois nossas retratistas estarão fazendo o retrato falado dos suspeitos. - fala a delegada.
-Renata... você se importa se eu só falar até a parte que fui estuprada? Tem algumas coisas que eu não consigo lembrar e sei que você é mais detalhista... - fala Eva.
-Eu prefiro falar tudo nos mínimos detalhes. Eva ainda está muito abalada pelo que ocorreu e como eu sei de tudo o que nos aconteceu, prefiro falar, pode ser? - pergunta Renata.
-Claro! O escrivão e as retratistas já estão prontos, pode começar. - fala a delegada.
Renata começa a falar enquanto o escrivão e as retratistas a ouvem com atenção.
-Chegamos à boate por volta das vinte e três horas, talvez um pouco antes. Dançamos e nos divertimos normalmente, encontramos nossos amigos que costumam sempre estar por lá e quando era mais ou menos duas da manhã, a Eva me pediu para eu segurar o copo dela que ela estava muito apertada e precisava usar o banheiro. Estranhei a demora dela e quando eu cheguei no banheiro, chamei por ela e ninguém respondeu, pensei que ela tinha saído dali já. Quando fui sair do banheiro, um homem me deu um soco na cara, que me deixou atordoada. Ele me agarrou e eu tentei me livrar dele, mas ele me arrastou até uma cabine do banheiro feminino, onde me estuprou. Enquanto eu era estuprada eu ouvi a Eva ser estuprada pelo outro homem. A coisa em si foi rápida, não durou nem dois minutos, mas parecia uma eternidade, tamanho foi nosso sofrimento. Eu vi quando o estuprador da Eva deixou a cabine. Ele ainda ficou um tempo no banheiro com o outro homem. Os dois são de estatura mediana, cabelos castanhos e olhos também castanhos. O homem que me estuprou é magro, porém forte. O homem que estuprou Eva é ligeiramente gordo e igualmente forte. O funcionário que nos acudiu garantiu que a boate tem circuito interno de câmeras e que a gerente está disposta a colaborar com as investigações, assim que o inquérito for aberto. Faltou algum detalhe ou já falei o suficiente?
-Suas informações foram precisas, objetivas e certeiras, Renata. O inquérito está sendo aberto. Você poderia falar o nome do funcionário e da gerente da boate?
-Claro! O funcionário se chama Leonardo Gomes da Silveira e a gerente se chama Susana Moreira Assis.
-Perfeito. Com esses dados, chegaremos aos contatos deles e eles também serão chamados para prestar depoimento, para que possamos dar prosseguimento ao inquérito. Vocês já estão liberadas.
-Você não é daqui, notei pelo sotaque... de onde você é?
-Sou de São Paulo, mas moro em Porto Alegre com meu marido. Vim pro Rio para cobrir as férias da delegada titular. Se vocês tiverem conhecidas em Porto Alegre que estiverem em situação de vulnerabilidade, por serem lésbicas, por favor, me avisem... - fala a delegada.
-Não lembro de nenhuma conhecida gaúcha nossa... - fala Eva.
-Mesmo assim, eu vou deixar com vocês dois folhetos que explicam melhor a campanha que várias delegacias da mulher estão fazendo contra a lesbofobia. Se tiverem interesse, é só ligar para os telefones de contato que estão no folheto. Agora é torcer para que esses criminosos sejam pegos e presos logo... - finaliza a delegada.
Todos partem da delegacia. CORTA A CENA.

CENA 2: Marcelo decide acordar Rafael, antes que ele se atrase.
-Amor, cê vai acabar perdendo a hora pra gravação...
-Que horas são, Marcelo?
-Nove e meia.
-Relaxa, amor... hoje eu só pego trabalho depois do meio-dia. Essa primeira fase da novela tá sendo rodada com bastante antecedência, a estreia é só daqui quatro meses...
-Ai, desculpa... você podia ter dormido mais.
-Nada! Tá numa excelente hora pra eu me acordar e eu ainda aproveitar um tempinho com meu maridinho... porque hoje eu só volto depois da meia-noite...
-Sabe, amor... andei pensando numas coisas aqui... você vai achar muito besta se eu disser?
-Só vou saber se considero besta ou não depois que você me disser o que são essas coisas que você andou pensando...
-Então... é que eu ando observando o meu irmãozinho, sabe... o Lúcio enche de luz essa casa, minha mãe então nem cabe em si de ter mais um filho. Quem sabe essa também não é a hora da gente ter o nosso filho?
-Ai, Marcelo... eu quero muito que a gente adote uma criança. Quero muito ser pai... mas nós ainda nem fizemos vinte e um anos...
-Mas já somos casados, não somos?
-Tá, isso é fato, mas pensa comigo: você ainda não se formou na faculdade. Pelo contrário, trancou e não sabe quando volta... eu só tou começando a pensar numa universidade agora, que minha carreira de ator já tá mais consolidada. Você não acharia mais prudente a gente ter uma estabilidade mais garantida?
-Eu sei disso, amor... não pretendo que a gente more aqui com toda a família por muito tempo.
-Nem é essa a questão, Marcelo... essa mansão é gigantesca e a gente podia até se mudar pra edícula, se quisesse. A questão é que precisamos ser menos dependentes da fortuna da sua mãe, entende?
-Você não foi dependente, a grana vinha do seu trabalho antes.
-É, mas estávamos à beira da falência, não se esqueça disso. Tá, tem o Vicente, que é rico também, mas a gente precisa ter a nossa independência. Nossos pais não vão durar pra sempre. A gente pode até ficar nessa mansão por gerações, mas antes de pensar em adotar um filho, em ter essa criança que a gente deseja, a gente precisa esperar mais um tempo. Saber o que a gente quer da vida... depois, o Lúcio já tem você com irmão... acho que agora é hora de você curtir o crescimento do seu irmãozinho e quando ele estiver maior, a gente pode reconsiderar, ver como nossas vidas vão estar e se vamos assumir a bronca de adotar uma criança, que vai ser nossa filha pra sempre...
-Você tem razão, amor... bem, eu vou pro banho.
-Ah, só se eu for junto!
Os dois partem pro banho. CORTA A CENA.

CENA 3: Na companhia de teatro, Riva interage com Cláudio, Laura e demais atores. Mara e Procópio observam admirados a desenvoltura de Riva.
-Cê viu como ela se entrosou rápido com os atores? Olha como o corpo dela fala! Ela captou a essência do texto da dinâmica só observando os outros atores e mostrou a que veio! - fala Mara, admirada com o talento inato de Riva.
-Essa daí nasceu com talento pras artes, mesmo. Como é que ela conseguiu passar trinta e cinco anos longe de atuar? Ser atriz tá no sangue, tá nas veias, tá no corpo dela. Impressionante! - observa Procópio.
-Essa família tem DNA de artista, não é possível! Começou com a Marion, que foi descoberta pelo nosso patrocinador e parou na TV, depois veio a dona Valquíria, um talento tardio e elogiadíssimo pela crítica especializada... definitivamente: o ofício dessa família é a arte! - continua Mara, mesmerizada.
-Não é, Mara? Ainda tem o Rafael. Esse menino vai longe, ainda! Ninguém mais esperava que a emissora fosse chamar ele depois de ele ter a coragem de revelar que é gay e lá está ele, gravando a primeira fase da próxima novela das onze... - continua Procópio.
Riva desce do palco.
-Gente, estou exausta, mas estou adorando isso! Como me saí? - pergunta Riva.
-Maravilhosa! - falam Mara e Procópio, ao mesmo tempo. CORTA A CENA.

CENA 4: Márcio insiste em falar sobre o filho abandonado com Suzanne.
-Será que eu dancei pole dance na cruz? Puta que pariu, Márcio! Você não vai parar de insistir nesse assunto, não?
-Não vou parar até você me dizer o que foi feito do nosso filho que você abandonou naquele orfanato de Niterói!
-Pelo amor de todos os santos desse mundo, Márcio... qual foi a parte que você não entendeu de “eu nunca fui atrás de saber nada desse pirralho”? Você acha que me pressionando vai fazer eu falar alguma coisa? Qualquer coisa que eu te dissesse seria mentira, um consolo barato pra você parar de me encher o saco.
-Você sabe muito bem que eu não tenho motivo nenhum pra acreditar em você. Você mente pra qualquer pessoa com a cara mais lavada do mundo.
-Mas eu nunca menti pra você. Você sabe muito bem que nesses anos todos em que trabalhamos juntos, a verdade foi nossa única aliada.
-Será mesmo? Ou será que você não passou a mentir pra mim a partir do momento que eu rompi com nossa sociedade? Afinal de contas, isso significa que você não tem mais a obrigação de ser sincera comigo.
-Tudo isso que você diz são apenas suposições. Do que adiantaria se eu soubesse, por exemplo, por qual casal nosso filho foi adotado? Já tem mais de vinte anos, isso! Você sabe o que isso significa? Que esses pais adotivos podem até mesmo estar mortos! Ou terem ido embora do estado, do país... qualquer coisa! De onde você pensa que eu tenho tempo pra planejar meus golpes e ao mesmo tempo ficar atrás de saber coisas do bebê que eu mesma decidi deixar pra trás pra não atrapalhar minha vida? Esse papo já me tirou o pouco que eu tinha de paciência com você, Márcio. Faça o favor de me deixar em paz!
Márcio cala-se, contrariado. CORTA A CENA.

CENA 5: Guilherme vai almoçar com Cláudio no intervalo dos ensaios dele.
-Tenho te notado meio calado, meio sem saber o que dizer...
-Ai, Guilherme... eu ando pensando numas coisas aqui. Sinceramente nem sei por onde começar a te dizer, porque você sabe que eu te amo, mas é que eu tenho tido algumas dúvidas.
-Dúvidas em relação ao que, exatamente, amor?
-Por favor, não me entenda mal... mas você não acha que ainda é cedo demais pra gente pensar em casamento?
-Mas Cláudio, você mesmo foi quem me pediu em casamento...
-Sim, mas pedi depois de você me pedir antes... de me sugerir que a gente se casasse. Só que conforme esse momento se aproxima, eu vou começando a questionar uma série de coisas, entende?
-Como o que, por exemplo?
-Guilherme, por mais que eu te ame e... você sabe que o que eu sinto por você é real, eu não sei se eu me vejo com você ao meu lado pro resto da vida, entende?
-Como é que é? Quer dizer que você não tem mais certeza que quer casar comigo? Por favor, Cláudio... sem você eu não sou nada nessa vida! Eu preciso de você!
-É isso que me deixa pensativo, sabe? Culpado, talvez. Toda vez que você demonstra, seja por palavras ou gestos, precisar mais de mim do que eu de você, eu me pergunto se isso seria saudável pra uma relação a dois... assim, algo pra se levar pro resto da vida, entende?
-Entender eu entendo. Só que eu discordo de você, meu amor... eu acho que a gente tem como fazer tudo isso dar certo. Não foi você mesmo que disse que a minha esquizofrenia não é um problema?
-E nunca haverá de ser. Não duvide disso... o problema é que eu não sei se te amo o suficiente. Talvez você mereça alguém que esteja inteiramente entregue. Eu não sei se vou conseguir ser essa pessoa. Eu acho melhor a gente repensar a ideia do casamento...
-Eu vou embora.
-Pra onde você vai?
-Pra sua casa. Não estou te abandonando... mas preciso digerir tudo isso...
Guilherme parte, desolado. CORTA A CENA.

CENA 6: Após almoço na mansão dos Bittencourt, Márcio conversa com o filho.
-Desculpa perguntar, mas como é mesmo o nome daquele seu amigo que também tem psoríase, filho?
-Ah... é Cláudio. Mas por que você quer saber dele?
-Curiosidade, mesmo... eu que convivo há vinte anos com a psoríase sempre fico interessado em saber mais sobre as pessoas que tem. Sobre como elas se tratam, se as recaídas são frequentes, essas coisas... eu mesmo, quando tenho crise, chego a ficar em carne viva na área atingida...
-Entendi. Mas confesso que ainda acho estranho que você tenha tido curiosidade de saber justamente sobre o Cláudio.
-Sabe o que é? Eu tenho uma teoria pra mim, que nenhuma pesquisa científica ainda comprovou, que descendentes de europeus tendem a ter essa genética mais... digamos, “bagunçada”, entende? E como você sabe, eu e você temos essa descendência. Você saberia dizer se seu amigo também tem? É só a título de curiosidade, mesmo...
-Pouco ou nada se sabe das reais origens dele. Ele foi adotado ainda bebê, sabia?
-Sério? Não brinca! E não há informações sobre a família biológica?
-Nenhuma. Zero. Nadica de nada.
-Coitado... bem, eu acho melhor eu ir embora já, pra não me abusar da boa vontade da sua mãe e da Marion...
-Que isso, Márcio... você não incomoda a gente nunca!
-Ainda assim, melhor não me abusar. Tchau, filho!
-Tchau... pai.
Marcelo estranha a curiosidade de Márcio sobre Cláudio. CORTA A CENA.

CENA 7: Eva e Renata se animam com as informações que obtém sobre campanha contra a lesbofobia e contra o estupro corretivo.
-Amor, a gente precisa dar um jeito de divulgar fortemente essa campanha. Reparou que são pouquíssimas as informações mais detalhadas sobre como funciona tudo isso na internet? - fala Renata.
-Verdade. O que me preocupa com essa falta de informações é que muitas mulheres em situação de risco não fazem a mínima ideia de onde buscar ajuda.
-Nem me fala, Eva... se por um lado há leis que nos protegem e garantem nossa dignidade, por outro lado há o avanço do conservadorismo e a censura das mídias...
-Amor, por que a gente não investe pesado nessa divulgação?
-Eu penso nisso, mas como é que a gente vai fazer isso?
-Bem... nós sabemos que as gerações de hoje não gostam muito de ler... qualquer coisa já ficam reclamando que é “textão”... quem sabe a gente grava vídeos?
-É uma excelente ideia, Eva! Só que a gente vai precisar de um canal no site de vídeos.
-Isso não é necessariamente um problema. Esqueceu que eu tenho meu canal, onde postei os três curtas que participei? A gente podia usar o meu canal...
-Ou mesmo fazer um novo... se bem que isso custaria mais esforço, para conseguir público, inscritos, essas coisas...
-Justamente por isso, Renata: o meu canal tem cerca de quinze mil inscritos. Já é um começo e tanto se a gente começar a divulgar em vídeo essa campanha... e ainda vai acabar alcançando mais gente, de uma maneira rápida...
As duas seguem animadas falando sobre a campanha contra a lesbofobia. CORTA A CENA.

CENA 8: Horas depois, Valentim e Mara estão em casa e ambos trazem todo o material de trabalho para casa.
-Não serão tempos fáceis, amor... sabe o que isso me lembra? Nossa juventude... nós começando a trabalhar como investigadores e levando todo o trabalho possível pra casa pra poder escapar da ditadura... - divaga Mara.
-Uma ditadura que já era capenga, mas ainda ameaçava a todos nós. Tristes tempos... espero que nunca mais voltemos a viver nada parecido nesse país...
-Enfim... chega de conversa furada. Conseguiu encontrar mais informações sobre o “chefe”?
-Nada ainda, Mara... não está sendo nada fácil. Esse sujeito sabe se esconder.
-Mas não vai conseguir se esconder por toda uma vida.
-Sabe o que eu tou concluindo, Mara? Que talvez esse “Chefe” seja mais de uma pessoa... afinal de contas, já sabemos que essa facção é grande, que tem ramificações pelo país e até mesmo nos nossos países vizinhos...
-De fato. Mas não acredito sinceramente que seja mais de um, Valentim... pensa comigo: talvez o sujeito que tenha te levado para aquela emboscada que quase te matou não seja, de fato, o “Chefe”. Homem baixo, de corpo franzino, a gente encontra aos montes por aí. Quantos dos homens que trabalham pra essa facção não devem ter exatamente esse tipo físico? Para mim, o verdadeiro “Chefe” nunca suja as mãos e sempre manda alguém fazer o serviço que ele manda...
-Você pode ter razão, amor...
Os dois seguem pesquisando informações. CORTA A CENA.

CENA 9: Cláudio está chegando em casa na companhia de Bruno.
-Desculpa ter te chamado pra passar a noite com a gente, mas é que eu notei que o Guilherme ficou abalado com a conversa que tive com ele.
-Imagina, Cláudio... você fez o que tinha de ser feito. A gente já esperava que ele fosse ter uma reação dessas. Vamos ajudá-lo, você sabe que ele precisa de nós...
Cláudio abre a porta de casa e os dois entram.
-Ué... você não disse que ele veio direto pra cá? Não era para ele estar na sala? - estranha Bruno.
-Capaz de ele ter ido dormir, ele faz isso quando tá triste...
Os dois vão ao quarto e encontram Guilherme espumando. Bruno encontra uma garrafa de uísque ao lado do remédio.
-Ele misturou álcool com o medicamento! - desespera-se Bruno.
FIM DO CAPÍTULO 74.

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