CENA 1: Cláudio se desespera.
-Como é que o Guilherme foi
me aprontar uma dessas?
-Eu acho que ele tentou se
matar, Cláudio...
-A culpa é minha! Ele pode
morrer por minha culpa! Eu sou um monstro, Bruno, um monstro! - chora
Cláudio, sentindo-se culpado.
-Querido... a gente precisa
manter a calma agora. Guilherme, tá me ouvindo? - fala Bruno,
estapeando levemente o rosto de Guilherme.
-As borboletas comeram as
lagartixas, o chão é roxo das fadas de bicicleta... - fala
Guilherme.
Cláudio e Bruno se assustam.
-Ele não tá falando coisa
com coisa... Bruno, por favor, liga pra emergência agora e explica o
que ele fez pra se envenenar... - pede Cláudio
Bruno disca para a emergência
enquanto Cláudio pega um copo de água para tentar fazer Guilherme
melhorar. Bruno fala rapidamente com a emergência e desliga o
celular enquanto Cláudio chega com o copo nas mãos.
-Cláudio, eles chegam em
cinco minutos e você jogue essa água fora ou beba você mesmo. Num
caso de intoxicação, acidental ou não, dar água pro envenenado
por piorar mais ainda o quadro.
-E o que a gente faz, meu
Deus? A culpa do Guilherme ter chegado a fazer isso é minha! Eu fui
egoísta, só pensei em mim quando cheguei nele e falei que não
tinha mais certeza que queria me casar com ele! Se ele morrer, eu vou
carregar esse remorso dentro de mim pro resto da vida!
Bruno abraça Cláudio,
tranquilizando-o.
-Tire isso da cabeça. Você
não tem culpa nenhuma das decisões que ele tomou. Vamos ter fé que
ele vai sair dessa... a emergência tá pra chegar agora e a gente
precisa confiar que vai dar tempo dele sair dessa situação.
-Que os anjos passem, te ouçam
e digam amém, Bruno... a gente não sabe a quanto tempo ele fez
isso. Olha só como ele não para de espumar! Meu Deus do céu...
ninguém merece acabar a vida desse jeito. Guilherme precisa sair
dessa!
Um som de sirene se aproxima e
Bruno constata que a emergência chegou.
-Cláudio, você fica aqui
cuidando do Guilherme que eu vou receber os socorristas.
Bruno vai à porta, abre
rapidamente para os médicos, que vão diretamente ao quarto onde
está Guilherme.
-Afaste-se, por favor! - fala
um médico a Cláudio, que se afasta.
O médico examina rapidamente
os sinais vitais de Guilherme.
-Ele precisa ser levado
imediatamente para ser desintoxicado. O envenenamento está agudo e o
organismo entrando em choque. Disso aqui para um colapso é questão
de meia hora pra menos. Se vocês quiserem, vocês podem nos
acompanhar. - fala o médico, chamando os outros médicos e levando
Guilherme para dentro da ambulância.
Cláudio e Bruno embarcam na
ambulância logo em seguida.
CORTA A CENA.
CENA 2: Cláudio é
tranquilizado por Bruno na sala de espera da ala de emergência do
hospital.
-Não fica assim, Cláudio...
ele vai sair dessa. Olha a sorte que o Guilherme tem de ter o plano
de saúde particular!
-Ainda assim fico com medo.
Você não viu os médicos falando que o estado de intoxicação dele
era grave?
-Vi e ouvi, mas mesmo assim...
podia ter sido pior, meu amigo... se tivesse chegado ao sistema
nervoso central, aí sim que poderia causar sequelas irreversíveis.
-Tudo isso me assusta, Bruno.
Eu não sei como lidar com essas alterações repentinas de humor
dele. Até hoje à tarde tava tudo bem, daí o simples fato de eu ter
sido sincero com ele sobre a minha incerteza em relação ao
casamento foi capaz de deixar ele desorientado, desejando morrer. Eu
tento, juro que tento entender como funciona tudo isso dentro da
mente dele, mas não consigo me sentir seguro com alguém que um dia
está bem e no dia seguinte pode desistir de viver por não ter suas
expectativas atendidas...
-Não é pra menos, Cláudio...
olha, eu sei que esse não é o momento mais apropriado pra falar
sobre tudo isso, mas você há de convir comigo que essa situação,
que chegou nesse extremo hoje, só prova que você está certo de não
ter certeza em relação ao casamento com ele...
-Sabe o que mais me dói
nisso, Bruno? Saber que você tem razão. Mas tem algo nisso que me
dói mais ainda: não saber o que vai ser da vida dele sem mim por
perto. De alguma forma eu me sinto eternamente ligado ao Guilherme,
independente da minha vontade. O incidente de hoje só prova que pelo
menos por um longo tempo, ele precisa de mim. Quem é que ele tem
nessa vida, além de mim? A mãe ele não vê desde 1997, nem
lembranças vivas ele tem dela. O pai morreu num acidente há mais de
cinco anos... e ele ficou como? Sozinho no mundo. Os parentes moram
em outros estados e nem irmãos ele teve...
-Eu entendo tudo isso. Mas
será que toda essa história triste de vida é suficiente para que
você desista da sua própria história, dos seus próprios sonhos?
-Ah, Bruno... eu tenho ao
teatro. No teatro eu me realizo, eu extravaso...
-Sim, meu amigo... mas fora o
teatro... o que é que você tem de seu, nesse momento?
Cláudio fica pensativo.
-Imaginei que esse silêncio
aconteceria. Nem você mais sabe o que é sonho seu. Tá vivendo mais
a vida dele que a sua própria.
-Bruno, eu admiro sua
sinceridade de me dizer essas coisas. Mas me diga você: existe outra
opção pra mim nesse momento? O Guilherme quase morreu e ainda corre
risco de morrer dentro desse hospital. Ele quis morrer, tentou se
matar. Tudo isso porque ele se viu sem rumo com a possibilidade de
seguir a vida dele sem mim... o que você faria, no meu lugar? Não
posso permitir que nada de ruim aconteça a ele.
-Olhando por esse lado, eu nem
tenho como discordar de você. Só que ainda assim, Cláudio... você
sabe lá no fundo que não ama ele tanto assim... não
suficientemente para idealizar uma vida inteira ao lado dele.
-Desculpa, Bruno... mas essa
conversa não vai nos levar a lugar nenhum. Eu sei que você me ama e
eu sinto sua falta às vezes. Mas veja o rumo que as nossas vidas
tomaram... certas coisas não tem caminho de volta...
Bruno se cala e permanece a
amparar Cláudio, à espera de notícias. CORTA A CENA.
CENA 3: Com a noite já
avançada, Rafael chega em casa e vai exausto diretamente para seu
quarto, onde Marcelo vê um seriado.
-Foi bom o dia hoje, amor?
-Nossa... bom e cansativo. O
ritmo de gravações anda bem acelerado, pra que a direção e o
pessoal da edição possam dar o acabamento que eles desejam dar a
essa primeira fase da novela. E o seu dia, como foi?
-Márcio... quer dizer, meu
pai, esteve aqui. Almoçou com a gente. Conversamos sobre várias
coisas, inclusive sobre a psoríase. Ele veio me perguntando quem era
o meu amigo que também teve a psoríase diagnosticada.
-Que estranho isso, amor...
-Ué... estranho por que? Ele
meio que me explicou por cima que tem curiosidade de saber como a
doença se manifesta nas outras pessoas, quanto tempo duram as crises
e qual é a intensidade delas... esse tipo de coisa, sabe?
-Será que você não percebe
que tem algo no mínimo estranho nessa curiosidade toda do seu pai em
relação ao Cláudio?
-Tá... não vou te mentir,
Rafa... também achei meio esquisito. Mas se você parar pra pensar,
cada um de nós tem manias e curiosidades que podem ser consideradas
esquisitas por quem não compartilha dos mesmos interesses...
-Pode ser só isso. Mas você
tá cansado de saber que quando minha intuição aponta pra algo
mais, esse algo acaba se revelando cedo ou tarde. Não lembra quando
a gente tava em Melbourne e eu sonhei com a volta do Haroldo? Tem
outras coisas que eu intuí antes e aconteceram...
-Mas posso saber exatamente do
que você tá falando?
-Nem eu sei, amor... se eu
soubesse, te diria. Mas é bom a gente manter os olhos abertos. Seu
pai parece ser um cara bom, não tem aquela maldade que a gente
achava no começo que ele tinha... mas ele parece esconder alguma
coisa.
-Às vezes fico com essa mesma
exata sensação. Mas outra hora a gente fala sobre isso que eu tou
morto de sono e só tava esperando você chegar pra me entregar de
vez...
Os dois se acomodam para
dormir. CORTA A CENA.
CENA 4: Cláudio e Bruno
aguardam por notícias sobre Guilherme. O médico responsável pela
desintoxicação aparece.
-E então, doutor? Como está
o Guilherme? - pergunta Cláudio, apreensivo
-Felizmente ele foi atendido a
tempo. Se demorasse mais meia hora para iniciar a desintoxicação,
ele estaria fatalmente envenenado e, se não fosse fatal, acarretaria
no mínimo em graves sequelas. A mistura que ele fez do medicamento
com uísque gera uma reação química no organismo que rapidamente
se transforma em envenenamento. Essas toxinas geradas dessa mistura
explosiva agem rapidamente sobre os órgãos e poderia ter afetado o
sistema nervoso central. Felizmente, ele chegou a tempo de ser
desintoxicado através de lavagem estomacal e o veneno resultante
dessa mistura não afetou seu sistema nervoso central. Ele vai
sobreviver sem sequela nenhuma. - fala o médico.
Cláudio se alivia e Bruno o
abraça.
-Quer dizer então que a gente
já pode levar ele pra casa? - anima-se Cláudio.
-Ainda não. Ele vai precisar
passar algumas horas em observação e nossos procedimentos
preventivos de desintoxicação ainda precisam ser feitos. Ele deve
receber alta no meio da tarde. Sei que isso pode parecer demorado,
mas é uma garantia de que ele sairá daqui da melhor forma possível.
Ainda assim, alguns cuidados devem ser tomados: ele deve tomar muito
líquido, para não desidratar e se alimentar corretamente, comer de
três em três horas. Mas acima de tudo: mantenha qualquer bebida
alcoólica longe do alcance dele, pelo menos enquanto ele estiver em
crise. - esclarece o médico.
-Bem... depois de todas essas
emoções fortes e desgastantes, só te resta esperar até ele
receber alta. Eu vou indo embora porque ainda preciso dormir um pouco
antes de ir ao trabalho. Fica bem, Cláudio... agora tá tudo sob
controle!
Bruno vai embora e Cláudio,
embora aliviado por tudo, sente sua falta. CORTA A CENA.
CENA 5: Horas depois, Laura
vai para seu intervalo nos ensaios, acompanhada de Renata e Eva, que
voltaram aos ensaios.
-Sabe, meninas... eu admiro a
força de vocês. Faz tão pouco tempo que aconteceu aquela coisa
horrorosa toda com vocês e vocês estão aqui, de volta... firmes e
fortes, por amor à arte... - fala Laura.
-A Renata me dá uma força
que nem eu mesma sabia que tinha. Eu me recuso a me entregar por
causa desses machos nojentos. A gente vai resistir. E vai dar um
jeito de combater essa violência toda contra nós, mulheres...
sejamos lésbicas ou não, o fato é que o simples fato de nós
existirmos, de sermos mulheres, já nos coloca em situação de
risco. Não podemos nem devemos aceitar isso. - fala Eva.
-Sem falar que tem uma
campanha que está nos empolgando muito. Ela é contra a lesbofobia e
alerta as mulheres LGBT para que elas se previnam contra o que
infelizmente nos aconteceu. Infelizmente esses machos estupradores
estão por toda parte, cheios de razão, se achando muito certos por
“corrigirem” o que eles consideram errado. Toda essa homofobia,
lesbofobia e até mesmo transfobia e preconceito de gênero, que
sempre diminui as mulheres, sejam cis ou trans, tem raízes no
machismo. - fala Renata.
-Que campanha é essa? Eu
super gostaria de participar, se puder. - anima-se Laura.
-Pois vai ser ótimo! Você
pode se juntar a nós agora mesmo! Estamos só começando a
idealizar. A ideia é chegarmos aos inscritos do meu canal, onde
posto os curtas que participei. Vamos gravar vídeos denunciando
todas as violências contra a mulher que recebermos de relatos.
Estamos começando a colher os relatos e a sua participação nisso
será mais que bem vinda! - vibra Eva.
-Então tá fechado, meninas.
Eu tou dentro dessa empreitada. Vamos mostrar pra esses machões que
pararam na idade média quem é que manda nesse mundo. Quem sabe
assim esses inúteis lembrem que tem mães e não nasceram de
árvores...
As três juntam as mãos,
simbolizando a união de forças. CORTA A CENA.
CENA 6: Riva está dando de
mamar para Lúcio quando Vicente traz seu almoço.
-Ai, amor... você não
existe! Até tinha esquecido que já era hora de almoçar.
-Deixa de besteira, Riva...
você tá certa de amamentar nosso filho nesse dia de folga dos
ensaios lá no teatro.
-É, mas se esqueço de fazer
as refeições, quem fica sem se alimentar direito também é o nosso
Lúcio. Ainda bem que mais um pouco e ele já começa a desenvolver
os dentes, assim ele vai poder comer...
-Ainda bem.
-Sabe, Vicente... eu ando
pensando nessa coisa toda, nesse mistério todo que cerca a Suzanne.
-E por que você foi pensar
nisso justo agora?
-Tem muita coisa que me deixa
desconfiada, que não se encaixa. Essa história da gargantilha não
sai da minha cabeça e eu confesso que acho bem esquisito ela ter
anunciado que vai passar um tempo lá pela França.
-Também achei esquisito,
amor... mas ainda não entendi porque você resolveu falar da
Suzanne...
-Sabe o que é, Vicente? É
que apesar dessas coisas estranhas, eu não consigo ver maldade nela.
Talvez ela finja bem, mas eu acredito na bondade dela.
-Entendo o seu ponto de vista.
Olha, você sabe o quanto já me indispus com ela, mas quem sabe, no
final das contas, ela só é aquele tipo de pessoa que mete os pés
pelas mãos, mas sem maldade.
-Engraçado que você diz
isso, mas parece não acreditar nas próprias palavras...
-Besteira, Riva. O que eu acho
ou deixo de achar dela é algo meu. Não posso levar a sério cismas
minhas. Não enquanto nada depuser contra ela.
-Acho que essa sua postura é
uma das coisas que mais me encanta em você. Você é incapaz de ser
injusto com as pessoas, Vicente... jamais tira conclusões
precipitadas. Aprendo muito com você, sabia disso?
-Sua boba... você fala como
se não tivesse sabedoria. Com você eu aprendo a ser mais leve, mais
solto na vida... a ouvir mais a voz do meu coração, a seguir a
vontade da alma...
-Depois ainda tem gente que
não acredita na força do amor... que acha que relacionamentos se
desgastam com o tempo. Uma das poucas certezas que tenho na vida é
que eu nunca vou cansar de você, se ser sua mulher...
-E nem eu vou cansar de você.
Você mudou a minha vida, Riva...
-Você que mudou a minha vida,
Vicente...
Os dois se beijam
carinhosamente. CORTA A CENA.
CENA 7: Marcelo está lendo um
livro na sala quando seu celular toca. Marcelo olha e constata que o
número não está na sua agenda de contatos, mas mesmo assim,
atende.
-Alô, quem deseja? - pergunta
Marcelo.
-Olá. Eu sou Breno Mantovani,
diretor da próxima novela das onze, da autora Patrícia Peron.
-Sim... você está ligando
para a pessoa certa? Você devia falar com meu marido...
-Ele está gravando conosco,
nesse momento. Desejo mesmo é falar com você. Você é o Marcelo,
certo?
-Sim. Mas o que exatamente
você gostaria de falar comigo?
-Andei consultando seu marido
sobre a possibilidade de você fazer uma participação nos últimos
capítulos da primeira fase da novela. Como você sabe, estamos num
ritmo adiantado de gravações porque precisamos de uma finalização
cinematográfica para nosso produto. Gostaria de lhe convidar para
interpretar Maurílio, um jovem de esquerda perseguido pelos
militares durante a ditadura. Nosso ator, que gravou as primeiras
cenas de Maurílio, teve de deixar o elenco da novela por conta de
problemas de saúde na família dele. Parece que seu avô adoeceu
gravemente e ele preferiu ficar ao lado dos familiares nesse momento.
Marcelo ouve incrédulo à
proposta e não consegue responder.
-Então, Marcelo... nós
podemos contar com você? Rafael nos disse que você é talentoso.
-Isso é real? Breno, me
escute bem... eu nunca fui ator na vida, nem de teatro. Tenho medo de
não dar conta.
-Quanto a isso não se
preocupe. Estamos com os melhores coaches para lhe orientar. Você
topa participar da novela?
-Sendo assim... claro que
topo! Topo dez, vinte, cem vezes!
-Então está tudo certo.
Precisamos de você disponível a partir da próxima semana. Sua
participação será curta, mas importante para a trama, quando ela
mudar de fase. Posso contar com você?
-Claro que pode!
Marcelo vibra pelo convite.
CORTA A CENA.
CENA 8: Ao final da tarde,
Cláudio visita Guilherme no quarto de hospital e o ajuda a arrumar
as coisas, após receber alta.
-Que susto você me deu, amor!
Nunca mais faça isso, Guilherme... tive muito medo de te perder.
-Eu sei que fiz burrada,
Cláudio... sinto muito por ter chegado a esse ponto. Foi mais forte
que eu...
-Entenda de uma vez por todas:
não importa o rumo das nossas vidas, eu nunca vou te deixar.
-Fico feliz por saber disso.
Mas o que você quer dizer, exatamente, Cláudio?
-Toda essa situação me fez
repensar muita coisa. Eu vou casar com você, disso pode ter certeza.
- fala Cláudio, decidido. FIM DO CAPÍTULO 75.
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